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Daniel Samam

Daniel Samam é Músico, Educador e Editor do Blog de Canhota. Está Coordenador do Núcleo Celso Furtado (PT-RJ), está membro do Instituto Casa Grande (ICG) e está membro do Coletivo Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores (PT).

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A política como arte do possível: o diálogo em tempos de crise

A articulação política mostra que o diálogo ainda é capaz de produzir soluções mesmo em um ambiente de radicalização e crise institucional

O deputado federal Glauber Braga - 10/12/2025 (Foto: Kayo Magalhaes/Ag. Câmara)

O episódio envolvendo o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) no Congresso Nacional acendeu, mais uma vez, um intenso debate sobre os rumos da nossa democracia. A discussão, que transbordou para as redes sociais e análises políticas, serve como um sintoma de uma crise mais profunda: a crescente descrença no diálogo e na construção de consensos como ferramentas essenciais da atividade política. Contudo, o desfecho do caso revelou-se um exemplo prático de que a política, em sua essência, continua sendo a “arte do possível”.

O conceito clássico define a política como a arte de construir acordos e encontrar saídas, mesmo em cenários adversos. Isso significa que, em uma sociedade plural, o avanço se dá por meio da negociação e da busca por um terreno comum. O que o episódio da votação sobre o mandato de Glauber Braga demonstrou foi precisamente a aplicação dessa máxima. Diante de um cenário que apontava para uma cassação quase certa, o campo de esquerda demonstrou notável maturidade política.

Em vez de insistir em uma posição que levaria à derrota, a esquerda recuou estrategicamente. Uma emenda foi proposta para substituir a pena de cassação por uma suspensão de seis meses. Essa manobra, fruto de intenso diálogo, não apenas salvou o mandato do deputado, mas também expôs a complexidade do jogo político. A proposta foi aprovada por um placar expressivo de 318 votos a 141, um resultado que parecia improvável horas antes e que só foi possível pela construção de um consenso que ultrapassou as fronteiras ideológicas.

Essa construção de um acordo envolveu negociações com partidos do chamado “centrão”, que, apesar das divergências, foram convencidos pelo argumento de que a cassação seria uma medida desproporcional e abriria um precedente perigoso para o parlamento.

O resultado mais revelador dessa articulação, no entanto, foi a fratura exposta no PL, partido que abriga o bolsonarismo. A sigla, que oficialmente defendia a cassação, viu sete de seus deputados votarem a favor da suspensão, contrariando a orientação partidária. A decisão gerou críticas públicas entre aliados, com deputados da ala mais radical, como Nikolas Ferreira, lamentando ver “gente de direita com pena de comunista”, enquanto outros, como Bibo Nunes, justificaram o voto como uma tática para garantir alguma punição, já que não haveria votos para a cassação. Essa divisão demonstrou que mesmo o bloco aparentemente monolítico da oposição possui fissuras que podem ser exploradas pela via do diálogo.

O episódio, portanto, transcende a figura do deputado Glauber Braga. Ele se torna uma lição sobre a importância da estratégia, da negociação e da busca por consensos na política. A maturidade do campo de esquerda em recuar de uma posição maximalista para construir uma saída viável não apenas garantiu uma vitória política, mas também reforçou a ideia de que a política, quando exercida como a arte do possível, é capaz de produzir resultados, construir pontes e, até mesmo, redesenhar o mapa de alianças e divisões no tabuleiro do poder.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.