A política e as seduções da arte
Como a arte, mesmo sem armas, atravessa a história, desperta consciências e se impõe como força política e moral nos momentos decisivos
Estranhos segredos detém isto a que chamamos Arte. Parece algo mais do que secundário na vida das pessoas e, no entanto, em certos instantes, ressurge com uma importância absoluta. Países que não cultivam a cultura, experimentam de vez em quando um vazio, uma falta inexplicável em seus afazeres, como se estivessem desprovidos de alma. Por outro lado, povos que as cultivaram cuidadosamente, supervalorizando seus atributos, já assistiram tragédias, coisas horríveis, ocorrendo como se, afinal, fizessem o que fizessem, não se colocassem acima do pior. Foi como os emigrados alemães, durante o nazismo, assistiram aos excessos do regime e seus delírios, Sociedades que haviam produzido Bach e Beethoven, para não falar em pintores, escritores e filósofos da melhor qualidade, não deveriam, em princípio, descer daquele modo a ladeira abaixo. E Hitler contou com o apoio de um gênio musical e um filósofo de primeira!...
Alguém dirá, por causa disso, que a arte não passa, afinal, de coisa de desocupados, sem utilidade prática. Engana-se. Não há, de fato, em termos culturais nada que interfira imediata e profundamente nas ações humanas. Estas se realizam com ou à despeito do que oferecem como legado no cotidiano da existência. Mesmo assim, não há como desprezar talentos que mexem com a sensibilidade a ponto de, excepcionalmente, dizerem: despertem! No Brasil, não demonstramos este apreço todo pelos que chamamos de artistas. Sabemos que incomodam e que, eventualmente, entram na linha do horizonte a favor das grandes causas, além do que exercitam para o bem ou para o mal.
As últimas manifestações em Copacabana, nas quais se apresentou o que há de refinado em nossa música popular, constitui um exemplo de fazer corar os céticos. Caetano, Gil, Chico Buarque, Paulinho da Viola, girando em torno dos oitenta anos de idade, com um exemplo de cidadania, deram à política o sal na mágica dos costumes. Fernanda Torres, no ritmo da canção de Chico, Vai passar... - trouxe ao mundo a transmissão de uma pequena obra prima retirada dos palcos das nossas mais brilhantes aventuras. Nenhuma fantasia alcançaria aqueles píncaros. Do outro lado do poder, deputados e senadores tremiam nas bases. Tornava-se difícil levar adiante, contra a vontade geral, malabarismos para livrar Jair Bolsonaro de suas responsabilidades e da prisão. É por isso que, sobre a ARTE, com maiúsculas, se atribuem as cores da magia. Ela não se vale de armas, bombas de efeito imediato ou retardado, dispositivos de matar. Não obstante, quem se permite lhe escutar os acordes (ou as palavras ou as sugestões sofisticadas), sente que algo de grave se passou.
São lições de um aprendizado que temos de empreender. Os artistas que aqui estão (os que nos antecederam e os que virão), sempre se colocam a nosso lado. Se simulam distância é por que respeitam nossas decisões. Diante dos nossos dilemas, não se ausentam. Cantam e nos tocam profundamente. Não à dosimetria, à má-fé, ao uso dos recursos públicos em detrimento das aspirações do povo! Sobretudo, abaixo a ditadura e aos torturadores, ao gosto dos fascistas!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

