A próxima ‘Marielle’
Os assassinos da vereadora Marielle Franco (1980 – 2018) estão soltos, armados e à espera para atirar. Em quem? No Lula, no Boulos, nos leitores, nos filhos dos leitores? Não importa. Eles vão atirar em qualquer um que faça frente aos seus interesses
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Os assassinos da vereadora MARIELLE FRANCO (1980 – 2018) estão soltos, armados e à espera para atirar.
Em quem?
No Lula, no Boulos, nos leitores, nos filhos dos leitores?
Não importa.
Eles vão atirar em qualquer um que faça frente aos seus interesses.
Porque sabem que ninguém os impedirá de atirar e que ninguém os punirá pelos tiros.
Mas quais os seus nomes, seus rostos, seus corpos?
Nas recentes chacinas ou assassinatos individuais ocorridos no país, policiais militares estiveram direta ou indiretamente envolvidos.
O trabalho político da vereadora MARIELLE FRANCO (PSOL/RJ) consistiu muitas vezes em denunciar a ilegalidade, a brutalidade, a covardia e o desrespeito com os quais a Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM/RJ) intervém nas favelas cariocas.
Negros e pobres – absolutamente inocentes – foram assassinados em meio ao tiroteio indiscriminado realizado por policiais militares fluminenses.
De fato, a Polícia Militar do Rio de Janeiro (e não apenas do Rio de Janeiro) insiste em desconhecer este princípio ético: REPRESENTANTES DA LEI DEVEM OBRIGATORIAMENTE SER OS PRIMEIROS A SE SUBMETER A ELA, DIFERENCIANDO-SE ASSIM, CONCEITUAL E MORALMENTE, DOS BANDIDOS.
Ao não cumprirem com este princípio as polícias militares brasileiras igualam-se aos bandidos e passam a agir como bandidos.
Agindo como bandidos, rapidamente abrem portas para a criação de milícias próprias, autônomas em relação às corporações militares.
Quebrado o princípio ético diferenciador, as milícias – constituídas por policiais militares desconectados de suas funções legais – unem-se aos traficantes de armas e drogas.
Evidentemente, os grandes traficantes de armas e drogas não residem nos morros onde estão situadas as favelas cariocas, nem escondem o volumosíssimo dinheiro do tráfico embaixo de colchões jogados ao rés do chão de barracos miseráveis...
Não. Tais traficantes habitam luxuosas coberturas das zonas sul e oeste da Cidade do Rio de Janeiro, 'lavando' o dinheiro sujo através de terceiros e 'aplicando-o' generosamente na rede bancária (sob a conivência de acolhedores, simpáticos e atentos gerentes).
Neste âmbito ilegal e criminoso, os ditos 'traficantes do morro' são apenas o varejo de uma estruturação mafiosa que enoda as corporações policiais aos traficantes-atacadistas e ambos aos bancos e aos políticos, tudo se passando como se as Organizações Globo e suas congêneres não soubessem de nada disso...
Ora, a vereadora Marielle, intelectual e culturalmente muito bem preparada para ler tal estado de coisas, corajosamente colocava o dedo na ferida lá onde tal estruturação faz valer sua força digamos 'ideológica', assestando contra negros e pobres os preconceitos que há quatro séculos pontuam o inconsciente político bra'z'ileiro (assim mesmo, com 'z'): racismo, autoritarismo, particularismo, cinismo, hipocrisia, violência, perversão, deboche, etc.
Soberana em palavras e atos, Marielle fazia obstáculo real à traficância de tudo e todos, demarcando a cada vez lugares, posições e funções, trabalhando incansável e rigorosamente pela construção de uma cidadania esclarecida, democrática e cosmopolita.
Infelizmente seus assassinos restarão impunes, porque impunes estão aqueles colocados para capturá-los...
O assassinato covarde e brutal de Marielle é pois a consequência lógica do Golpe de Estado que quebrou o ordenamento constitucional do país e deve ser lido como o primeiro ato da guerra civil aberta pelos golpistas: como não lê-lo dessa maneira quando quatro tiros atravessaram a cabeça de uma vereadora, de uma representante do povo?
A próxima 'Marielle' é portanto cada um de nós – mas atenção: ou restaremos também assassinados (em continuação à guerra civil), ou portaremos as palavras luminosas da vereadora, transmitindo-as aos nossos filhos.
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