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Flávio Aguiar

Professor, autor, jornalista e tradutor

38 artigos

blog

A recessão alemã

A guerra na Ucrânia se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro

Uma bandeira alemã tremula no prédio do Reichstag, sede da câmara baixa do parlamento alemão (Foto: REUTERS)
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(Publicado no site A Terra é Redonda)

Durante décadas a Alemanha foi a menina dos olhos da economia europeia. Seus pilares eram uma grande estabilidade monetária com um mínimo de inflação, juros baixos, um sistema de transporte muito eficiente, um padrão de consumo interno alto e estável, uma pauta de exportações e importações de alto padrão e last but not least, um equilíbrio político de espírito “conservador ilustrado” tido como inabalável, com a alternância ou combinação entre social-democratas (SPD), verdes (Bündnis 90/Die Grúnen) e as uniões cristãs, a social da Baviera (CSU) e a democrata (CDU) do resto do país, além da presença eventual do liberal FDP.

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No SPD predominava uma visão marcadamente neoliberal, o que garantia que nenhuma oposição de peso viria aos planos de austeridade fiscal implementados, a não ser por parte de uma esquerda reduzida a um nicho de tendências divididas. Pelo contrário, muitas das reformas “austeras” foram implementadas pelo governo Social-Democrata/Verdes no começo doséculo XXI.

Com tais predicados, o governo de Berlim tornou-se o fiel da balança da União Europeia e do continente como um todo, exercendo uma parceria sobretudo com Paris. A chanceler Angela Merkel e seu implacável ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, foram as molas mestras para dobrar, neutralizar e inviabilizar as propostas do governo grego de esquerda, liderado por Alexis Tsipras e seu partido, Syriza.

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Ela e Nicolas Sarkozy tiveram uma influencia decisiva para impedir que o estilo histriônico do italiano Silvio Berlusconi se tornasse a marca principal da política europeia. Ao contrário, Angela Merkel transformou a austeridade – para além da fiscal – no brasão político mais importante da Europa no começo do século XXI. Ao mesmo tempo, a Alemanha tornou-se o carro-chefe da economia continental, graças à sua variada pauta de importações e exportações.

Dos dez países que mais importam da Alemanha, oito são europeus: os outros dois são a China e os Estados Unidos. Os mesmos números e as duas exceções se repetem na coluna das exportações. A economia continental europeia está presa à alemã como um comboio na locomotiva, ou… um peixe no anzol.

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De repente, não mais que de repente, este belo edifício mostrou frinchas e rachaduras nos alicerces, e hoje ameaça desequlibrar-se, arrastando o continente inteiro. A inflação subiu meteoricamente, de quase 0% para quase 10% ao ano, em média: no setor de alimentos, 20% e na energia, 40%. A demanda interna caiu, a externa adernou perigosamente com as oscilações da economia chinesa e a pressão protecionista dos Estados Unidos. A indústria alemã, carro-chefe das exportações e importações, sobretudo de veículos, auto-peças e acessórios, de produtos farmacêuticos, artefatos elétricos, aviões e helicópteros, além de outros, entrou em depressão. No começo de 2023 o FMI previu uma retração de 0,1% na economia do país. Depois aumentou-a para 0,2% e agora a previsão está em 0,4% negativos.

Como assim?, perguntam-se todos. O que aconteceu? As respostas são várias e variadas, mas há alguns pontos de convergência.

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Em geral se apontam as consequências da guerra na Ucrânia como o principal fator inflacionário, sobretudo nos setores já em destaque: alimentos e energia. Com a redução das importações de grãos e óleos da Ucrânia, o preço de produtos agrícolas foi para as nuvens. Muitos dos fertilizantes dados na Europa vinham da Rússia: a fonte secou. E a indústria alemã dependia fortemente das importações de gás russo; com as sanções econômicas impostas à Rússia esta apertou a torneira do fornecimento, além de os gasodutos que ligavam um país ao outro terem sofrido atentados até hoje sem explicação oficial.

Os Estados Unidos acusaram a Rússia de sabotar seus próprios gasodutos. O jornalista norte-americano Seymour Hersh publicou artigo apontando os Estados Unidos como os principais responsáveis pelo atentado, com a colaboração ds Dinamarca. Mais tarde, na mídia alemã divulgou-se a hipótese que a Ucrânia ou pelos menos ucranianos fossem os executores do atentado, com colaboração norueguesa. Seguiu-se um silêncio melancólico: esta hipótese comprometia a imagem de “vítima” que a mídia europeia acalenta diariamente sobre a Ucrânia e seu governo. Todos os mencionados negaram qualquer responsabilidade. Hoje aquele silêncio tornou-se oceânico, recobrindo os atentados. Ninguém mais fala neles.

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Apesar das declarações otimistas em contrário, o efeito imediato da quebra no fornecimento de gás russo sobre a indústria alemã foi muito pesado. O governo alemão, liderado pelos social-democrata Olaf Scholz, hesitou muito em aderir ao apoio militar à Ucrânia. Tinha razão em hesitar. Embora não haja reconhecimento oficial a respeito, ficou evidente que a Alemanha não estava preparada, nem política nem economicamente, para entrar na guerra, mesmo indiretamente neste conflito contra a Rússia, terceirizado pelo Ocidente. Esta e suas consequentes sanções econômicas impostas a seus aliados pelos Estados Unidos não estão conseguindo quebrar a Rússia, que correu para debaixo da asa protetora da China. Ao contrário, seu efeito bumerangue pode muito bem ajudar a aleijar, senão quebrar a Alemanha.

Há outros fatores menos evidentes entre as raízes da crise. A pandemia atingiu duramente o comércio, provocando o fechamento inicial de pequenas lojas e logo depois também de algumas grandes, com o aumento exponencial de compras pela internet, que permanece em alta. As reformas de inspiração neoliberal implementadas no começo do século, com o aperto da “austeridade” nos investimentos sociais e a compressão das aposentadorias, começam a cobrar seu preço, diante de uma população cujo envelhecimento cresce a olhos vistos.

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Para completar este quadro sombrio, as intenções de voto no partido Alternative für Deutschland, AfD, de extrema direita, anti-União Europeia, ameaçador para imigrantes e refugiados, crescem assustadoramente, sobretudo nos estados da antiga Alemanha Oriental e entre os jovens, região e setor mais duramente atingidos pelo desemprego e pela queda no poder aquisitivo. O AfD está em segundo lugar nas pesquisas, atrás apenas da CDU que, pressionada pela deserção de eleitores em direção àquele partido, vem tornando seu programa cada vez mais conservador. Não há risco imediato para as instituições democráticas da Alemanha, mas já há coriscos e trovoadas na linha do horizonte.

De começo, todos os partidos políticos se negaram a colaborar com o AfD. Agora, já se ouvem vozes dentro da CDU falando nesta colaboração, seguindo o modelo do Partido Popular, na Espanha, que se coligou ao ultra-direitista VOX, que se proclama herdeiro de Franco e dos Cavaleiros Templários da Idade Média.

Hoje em dia as previsões e declarações mais otimistas arrefeceram. A guerra se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro. A questão mais relevante é o quanto ela vai durar. E até o momento não há bola de cristal que arrisque seu pescoço numa previsão.

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