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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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A rendição de Bolsonaro, no idioma dos macacos de Tarzan

"Evitando falar português claro, Bolsonaro e o porta-voz Rego Barros fizeram mistério sobre as causas da saída de Bebianno e a chegada de um oitavo general ao núcleo do governo," escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247". "Pelo tom obscuro, o Brasil foi atingido no ponto fundamental que distingue a civilização humana do mundo dos animais, a linguagem clara e compreensível". Para PML, "a primeira mudança ministerial do novo governo foi apresentada em mangani, a língua dos grandes macacos que criaram Tarzan, intraduzível para qualquer língua conhecida pelo homem." 

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Para quem tinha dúvidas sobre o tempo cultural que o país se encontra a partir da posse de Jair Bolsonaro no Planalto, a queda de Gustavo Bebianno da Secretaria Geral da Presidência não poderia ser mais instrutiva. Esqueça mudanças nas questões de gênero, reforma da Previdência, liberdades civis. O país acaba de ser atingido naquele ponto fundamental que permite distinguir a civilização humana do mundo dos animais -- a linguagem.

Depois de inúmeras tentativas para decifrar o sentido do vídeo gravado pelo presidente logo após a primeira queda de ministro em seu governo, num recorde de velocidade superado apenas por Michel Temer, todo cidadão em tomar consciência do que ocorre no país precisa reconhecer uma transformação brutal.

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Embora a língua portuguesa seja o idioma oficial da República Federativa, como ensina o artigo 13 da Constituição,  ela foi abolida dos principais  pronunciamentos oficiais de ontem, tanto de Bolsonaro como do porta voz Otavio Rego Barros. Ambos fizeram o possível para evitar o português claro, dando a impressão de que substituíam a língua oficial por um idioma obscuro e desconhecido pela quase da totalidade dos 210 milhões  de brasileiros -- o Mangani, a língua dos "grandes macacos" construída pelo  Edgar Rice Burroughs, genial criador de Tarzan, um dos grandes personagens da cultura de massa do século XX.

Quem não compreendeu o sentido exato das palavras de Bolsonaro e seu porta-voz não precisa se espantar. Procurando retratar universos que não se comunicam, o próprio Burroughs esclarece que a principal característica da fala dos grandes macacos  da selva africana é que se trata de um idioma que a maioria dos animais, inclusive leões e elefantes, é capaz de entender, mas escapa à compreensão dos mortais comuns.

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Diz o escritor, um dos mais vendidos de todos os tempos: "soa aos nossos ouvidos como rosnados, uivos e grunhidos, pontuada às vezes por gritos agudos, e é, praticamente, intraduzível para qualquer língua conhecida pelo Homem".   

Apesar de uma distância de quase um século -- as obras de maior sucesso de Burroughs foram publicadas nas primeiras décadas do século XX -- confesso que é difícil encontrar uma descrição mais adequada para o pronunciamento de Bolsonaro, estruturado por frases de sujeito oculto e sintaxe duvidosa. "Desde a semana passada," disse o presidente, "diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade  de uma reavaliação. Avalio que pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte à parte, não sendo adequados julgamentos de qualquer natureza".  

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O mesmo se pode dizer do general Rego Barros que, numa comunicação oficial para jornalistas, exibiu o mesmo tom obscuro, dizendo que a saída de Bebianno fora uma decisão de "foro íntimo" por parte do presidente, argumento absurdo que obrigou a  Delis Ortis, da TV Globo, a lembrar que o caso dizia respeito a desvio de dinheiro público na campanha presidencial. 

Embora "intraduzível para qualquer língua conhecida pelo homem", confesso que é fácil ouvir  " uivos, grunhidos, às vezes gritos agudos" ao longo do vídeo de Bolsonaro.   

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É mais difícil, contudo, encontrar a agressividade  dos "rosnados", nos quais o tom grave sempre pode sinalizar uma demonstração de poder -- seja na civilização, seja na selva e também num monólogo sobre "incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte".

Parece óbvio que a ausência de "rosnados" no pronunciamento indica uma parte do enredo que ficou escondida.

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Um dos vocábulos mais interessantes de uma coleção de seis dezenas de palavras em mangani disponíveis na Wikipedia vem a ser "ka-goda". 

Naquele universo onde Tarzan ("pele branca" em mangani) se encontrava com feras selvagens, tribos guerreiras e também pacíficas,  sem falar de caçadores agressivos, o mesmo vocábulo permite duas interpretações. Como sempre, elas variam conforme o contexto, elemento que tem uma importância crucial quando se fala da demissão de um ministro que chegou ao Planalto depois de ter chefiado uma campanha presidencial tão rumorosa.

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Num caso "ka-goda" quer dizer "renda-se". No outro, significa "eu me rendo".

Não é muito difícil decifrar o que estava acontecendo ontem, quando a partida de Bebbiano permitiu a entrada de um oitavo ministro militar ao núcleo principal do governo, aquele que todas as manhãs se encontra no Planalto, em torno do presidente. A partir de hoje, o único civil no círculo direto de Bolsonaro é Onix Lorenzoni, preservado até quando não se sabe depois que pediu desculpas para manter-se no cargo.

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