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Mariana Yante

Pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia/UFPE e Visiting Researcher na Shanghai JiaoTong University.

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A representação feminina entre laranjas e goiabas no Governo Bolsonaro

Independentemente de quais tenham sido as experiências e traumas de Sara Giromin, que merecem respeito e eventual tratamento psicológico, é certo que sua possível nomeação assusta, no mínimo, por generalizar e estigmatizar a luta feminista no Brasil; de tão plural, nem parece razoável falar de apenas um movimento feminista ou de "Feminismo", com letra maiúscula, como ela sugere

A representação feminina entre laranjas e goiabas no Governo Bolsonaro
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Quem nutria a vã esperança de que o ministro-ex-ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio (PSL/MG) tivesse sido exonerado em razão dos escândalos envolvendo a indicação de mulheres "laranjas" para compor e alocar verbas quanto às cotas femininas de seu partido em Minas Gerais teve a confirmação de que, no governo Bolsonaro, isso aparentemente não é motivo para punição.

No início da semana, o jornal Folha de S. Paulo havia denunciado uma fraude no repasse de R$ 279 mil do diretório nacional do PSL às quatro candidatas que participariam das eleições pelo partido em Minas Gerais, então presidido pelo ministro, os quais foram realocados em despesas de empresas ligadas a seu gabinete.

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O real motivo, porém, foi apenas a ideia (consumada) de Marcelo Álvaro Antônio – exatamente como aconteceu com os ministros da Casa Civil e da Agricultura Onyx Lorenzoni (DEM/RS) e Osmar Terra (MDB-RS) e com a ministra da Agricultura Tereza Cristina (DEM/MS) – tomar posse na Câmara dos Deputados e depois retomar seu cargo, apesar da grande repercussão que sua "exoneração por um dia" causou.

O novo ato de nomeação, assinado conjuntamente pelo ministro da Justiça Sergio Moro e pelo presidente da República convalescente (publicado no Diário Oficial da União no último 07 de janeiro), traz mais uma vez à tona o absoluto descaso do governo com as questões de fundo do episódio, já que apenas o vice-presidente Hamilton Mourão pronunciou-se sobre a necessidade de investigar os fatos.

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O caso também revelou as grandes lacunas que a reforma política realizada em 2017 deixou de cobrir, principalmente considerando as fragilidades já encontradas no sistema de cotas que vem sendo implementado, porque, claro, é mais fácil deslegitima-lo que aprimorar seus mecanismos.

As mudanças mantiveram o foco em um percentual de mulheres nos partidos políticos e na composição das candidaturas, ao invés de estabelecer reservas progressivas (até 16%) nos próprios assentos dos órgãos legislativos, tanto federais, quanto estaduais e municipais, como estava na proposta encabeçada pela então senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), conhecida como "PEC da Mulher", a qual deixava somente o Senado de fora. A proposta deixou de ser votada em 2017 pelo encerramento da sessão, em outubro, e não possui quaisquer outros trâmites desde então.

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A legislação em vigor desde 2012 determina que ao menos 30% das candidaturas relativas a um determinado partido sejam mulheres, gerando no país o problema das "laranjas", candidatas convocadas para as chapas apenas para cumprir as cotas. Não bastassem as dificuldades que muitas mulheres têm para participarem da vida política, principalmente se considerarmos os contextos em que o trabalho doméstico e de cuidado é menos (ou nada) dividido, as candidaturas "frias" são uma maneira conveniente de simplificar o desafio de integração do feminino nos órgãos deliberativos do país.

De acordo com as regras vigentes, caso os partidos cumpram as cotas até o registro das candidaturas, não subsiste o dever de que novos nomes sejam indicados caso haja desistências ou na hipótese de uma candidatura feminina ser rejeitada pelos Tribunais Eleitorais, facilitando muito as práticas irregulares, pela ausência de punição. Alguns problemas, como a falta de financiamento das campanhas – tecnicamente mitigada pela obrigatoriedade de reserva do fundo partidário, aparentemente fraudada pelo nosso ministro do Turismo – e a necessidade de que a legislação obrigue os partidos a observarem o percentual feminino até as votações já eram apontados como mudanças legislativas que deveriam ocorrer para que a política afirmativa fosse mais efetiva, mas não foram contemplados pela reforma.

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O Brasil ocupa a 132ª posição numa classificação de 188, quanto a seu número de mulheres representadas no parlamento, embora o eleitorado feminino corresponda a 53%, tornando a discussão sobre políticas afirmativas para as mulheres para garantir a representação formal no serviço público ou na seara privada cada vez mais necessária e delicada.

Uma questão importante é promover a participação qualificada das mulheres, ou seja, as cotas de participação não apenas numérica, mas que garantam diversidade nos processos de tomada de decisão. Na Noruega, por exemplo, além da paridade no Congresso, existe legislação específica para garantir que qualquer comitê, conselho, delegação ou quadro governamental tenha ao menos metade da composição feminina quando de até nove pessoas, e de quarenta por cento nos demais casos. As políticas no país também se estendem aos conselhos empresariais, e têm quase vinte anos de implementação, comprovando que as resistências cederam espaço à efetividade na prática.

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No Brasil, um projeto de lei para criar cotas de 40% para mulheres no conselho de empresas públicas e sociedades de economia mista e subsidiárias, de autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE), o PL n. 112/2010, está ainda em trâmite perante a Câmara do Deputados, onde aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania ( CCJC ), mas não conhecemos iniciativa legislativa semelhante quanto ao setor privado.

Vale observar que o aumento na participação feminina nos conselhos de administração das empresas não é uma benevolência corporativa. De acordo com recentes estudos divulgados pela Corporação Financeira Internacional (2018), existe correlação entre um maior número de mulheres nas posições de liderança das empresas e sua performance financeira. A análise também indica que há uma tendência de que os investimentos diretos estrangeiros passem cada vez mais a exigir que a diversidade de gênero seja observada no setor privado. Assim, mesmo para os governantes que foram recentemente aceitos sob o argumento de que deveriam gerir a administração pública com a mesma eficiência que uma companhia privada, fica o lembrete da gestão corporativa.

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No entanto, o último boletim do Instituto Brasileiro de Gestão Corporativa mostra que a média geral de mulheres nos conselhos de administração segue sendo de 9,4%, e 54% dos conselhos analisados não tem sequer uma membra, deixando o Brasil atrás de outros países em desenvolvimento conhecidos por culturas sexistas, como China, Filipinas, África do Sul e Nigéria.

Um problema que já tratamos quando falamos das mulheres no alto escalão bolsonarista é a ausência de garantia de representação substantiva, ou seja, questionamos se os (poucos) cargos de poder que mulheres estão ocupando de fato levam à proteção de seus interesses, o que representa um desafio muito maior.

É nesse contexto que é preciso lembrar os rumores sobre a indicação, por uma de nossas duas ministras, Damares Alves, de Sara Fernanda Giromin ("Sara Winter") como nova Secretária Nacional da Mulher. A ex-candidata a deputada federal pelo DEM/RJ resumiu no Twitter, em julho do ano passado, que sua pré-candidatura fora "a pedidos, não só para combater a esquerda da qual fiz parte, mas também para defender a vida, a família e a pátria em pleno Congresso Nacional". "Sara Winter" foi fundadora do "Femen Brasil", o qual deixou em 2013, e se converteu ao Cristianismo, afirmando que o movimento feminista acobertava pedófilos e perseguia mulheres, e que a havia forçado a forjar sua bissexualidade para se sentir incluída.

Independentemente de quais tenham sido as experiências e traumas de Sara Giromin, que merecem respeito e eventual tratamento psicológico, é certo que sua possível nomeação assusta, no mínimo, por generalizar e estigmatizar a luta feminista no Brasil. De tão plural, nem parece razoável falar de apenas um movimento feminista ou de "Feminismo", com letra maiúscula, como ela sugere. Além disso, Sara Gromin cultiva a intolerância que tanto critica, qualificando-o como "seita" e divulgando "fake news" sobre a militância, enquanto define a "lesbiandade" entre os "submundos" das drogas e do desvio de dinheiro pelos quais transitou.

A quiçá futura Secretária Nacional da Mulher se define como alguém que "luta contra o aborto, a Ideologia de Gênero, as drogas, a doutrinação marxista, contra a jogatina e a prostituição". Em um vídeo que publicou em 2015 para pedir perdão pela performance em protesto que fez enquanto ativista do Coletivo Bastardxs, ela afirmou que daria seu melhor para representar a mulher brasileira de modo que não a faça passar vergonha, como fazia antes.

Assim, faz uma clara opção por um conceito bem delimitado das mulheres que considera legitimadas a serem protegidas e representadas, recortando-as a partir de sua profissão, orientação política, sexual e, talvez, religiosa.

O site da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, que continha informações sobre as políticas públicas e marcos legislativos específicos sobre o tema, foi recentemente desativado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. No "governo" Temer, em outubro de 2015, a Secretaria perdeu seu status de ministério, que possuía desde 2003, ao ser incorporado ao então estabelecido Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, depois extinto, em maio de 2016, passando a subordinar-se ao Ministério da Justiça e Cidadania.

A indiferença institucional ao recente escândalo eleitoral, aliada ao atual arranjo do Executivo federal, especialmente desse ministério, e a nossa possível Secretária Nacional da Mulher, parecem já deixar clara a prioridade que as demandas de diversidade representativa (não) terão no Bolsonarismo, seja em forma ou conteúdo. Em meio a tantas pautas e mulheres blasfemas, depois de laranjas e goiabas, nossa próxima fruta deve ser a maçã.

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