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Leonardo A Nunes Soares Filho

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A Rússia do futuro

Há uma clara tendência de deslocamento da burguesia russa para posições anti-guerra e, consequentemente, anti-Putin nas próximas semanas e meses

Vladimir Putin (Foto: Sputnik/Aleksey Nikolskyi/Kremlin via REUTERS)
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Chegamos ao 14° dia de conflito armado entre Rússia e Ucrânia. Muito se tem discutido sobre a guerra e suas repercussões, no entanto, há dinâmicas ulteriores a Rússia que precisam ser consideradas para além de uma guerra em seu "quintal". Como as diferentes classes e frações de classe do maior país do mundo responderão ao cerco ocidental capitaneado pelos EUA?

A pressão imposta pelo ocidente já começa a preocupar setores importantes da burguesia russa. Pedidos para um cessar-fogo, saída diplomática e outras soluções que, no fundo, são o resultado do estrangulamento da economia russa pelo ocidente. Ao menos dois bilionários russos – alvos das sanções, junto com suas famílias e outros civis – pediram pelo fim do conflito. “A paz é muito importante!”, escreveu o empresário Oleg Deripaska em uma de suas redes sociais. “As negociações precisam começar o mais rápido possível!”

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“Estou profundamente ligado aos povos ucraniano e russo e vejo o conflito atual como uma tragédia para ambos”, escreveu em uma carta outro oligarca russo nascido na Ucrânia Mikhail Fridman, cujo Alfa Bank foi atingido por sanções dos EUA a pouco menos de duas semanas. “Esta crise custará vidas e prejudicará duas nações que são irmãs há centenas de anos”, acrescentou Fridman, “embora uma solução pareça assustadoramente distante, só posso me juntar àqueles cujo desejo fervoroso é que o derramamento de sangue termine.”

Há uma clara tendência de deslocamento da burguesia russa para posições anti-guerra e, consequentemente, anti-Putin nas próximas semanas e meses, caso as sanções continuem vigorando. E, apesar da conhecida impermeabilidade do sistema político russo, que foi capaz de neutralizar em grande medida a influência Ocidental, nunca antes um país sofreu sanções como estas. Os interesses naturais de qualquer burguesia é de se opor a toda medida que dificulte, ou impeça o acúmulo de lucro.  

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Putin e seu partido observam essa tendência com preocupação. Aqui é preciso realizar uma  breve digressão sobre o partido "Rússia unida". Estamos falando da agremiação que alavancou o crescimento russo após a grande crise do fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, um partido que hoje conta com a esmagadora maioria da baixa e alta câmaras legislativas do país. Putin, conseguiu, garantir crescimento econômico com uma segura taxa de lucro para sua burguesia, ao mesmo tempo que assegurou postos de trabalho em território russo e a revigoração de certos setores da sociedade e produção russa, como a indústria bélica, o agronegócio e a indústria pesada. Tudo graças a uma perspectiva econômica nacionalista somada ao crescimento chinês e alta nos preços do petróleo. 

grafico

O regime russo possui características que podemos classificar de bonapartista, ou cesarista. O que significa, fundamentalmente, uma burocracia de Estado capitaneada por um executivo com larga autonomia,  agindo como o fiel da balança nas relações de classe, tendo em vista que a correlação de forças não revela uma completa dominação de uma classe por outra. Um exemplo nacional desse tipo de regime foi o Estado Novo de Vargas. 

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Após essa breve digressão, voltemos às previsões do futuro russo. Esse deslocamento burguês revela um agudo conflito de classes. Ou seja, uma aproximação entre a burocracia do Estado (o que inclui as imensas forças armadas russas), a pequena burguesia e a classe trabalhadora por um lado e; os interesses da grande burguesia russa por outro. Enquanto amplos setores da sociedade russa se colocam por detrás de um projeto "soberanista", capaz de manter a integralidade territorial e a independência política russa pelas próximas décadas; a burguesia possui interesses mais imediatos de retomar uma normalidade comercial com o Ocidente e seus fantoches. 

Tal análise, no entanto, não significa que a burguesia russa está prestes a romper com o governo, lançar uma campanha de golpe de Estado e tentar tomar o Poder. Como já expliquei, o sistema político russo é notavelmente impermeável a tais intentos… no momento. O que se apresenta para um futuro próximo é, na política interna russa, uma divisão entre dois agrupamentos: os soberanistas e os "pacifistas". A campanha dos pacifistas, capitaneados pela burguesia internacional, mas, apoiados por interesses de amplos setores burgueses russos, levará ao surgimento de campanhas pela paz, protestos de rua, tentativas de corromper oficiais do governo, sabotagem econômica, guerra midiática/cultural etc. Tudo isso com dois objetivos fundamentais:

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  1. Obrigar a frente soberanista, dirigida por Putin, a buscar uma saída diplomática a qualquer custo na Ucrânia, que permita a reabertura dos mercados para a burguesia russa e;
  2. Falhando em dissuadir os soberanistas, continuar a campanha anti-guerra até criar as condições necessárias para um golpe de Estado, que alteraria radicalmente o curso político russo. 

Como todo bom materialista compreende, independentemente de quão resistente a forças externas é um sistema político, ele só se mantém de pé caso possua, ao menos, uma classe que o sustente. A forte impermeabilidade do sistema político russo, apesar de muito eficiente, tem seus limites. O afastamento paulatino da burguesia em uma direção Ocidental significará um enorme desafio a se contornar para o regime bonapartista de Putin.

Onde se sustentará Putin ?

O bloco político que chamo "soberanista"  não é fruto da cabeça de Putin, ou de qualquer "ideólogo místico" descrito pelo ocidente. É fruto dos interesses históricos de um conjunto de classes e frações de classe. Aliás, como diria o grande e velho Lenin em sua obra, o Estado e a Revolução, "a política não é feita por personagens, mas sim, forças sociais em disputa". Com o afastamento da burguesia russa, seguindo a toada política do Ocidente, o projeto soberanista deverá se sustentar sobre novas bases, caso deseje sobreviver. Bases estas, cada vez mais à esquerda, cada vez mais proletárias, cada vez mais anti-ocidentais. Putin já demonstrou não recuar frente à fuga do capital europeu e estadunidense, o bloco soberanista entende que o que está em jogo é a sobrevivência da Rússia como Estado-nação independente.

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Esse pragmatismo, necessário para a defesa da soberania russa, guiará o leme da política em direção a bases mais populares, tendo em vista o já descrito afastamento da burguesia, a resposta do Estado russo será avançar na direção da estatização de empresas ocidentais, fomento de manifestações públicas em apoio ao regime e, mais importante que qualquer outra questão, um fortalecimento das organizações operárias. Tal situação é o que se apresenta no horizonte de uma Rússia sitiada, se vendo obrigada a fortalecer suas bases populares para o andamento do esforço de guerra contra o Ocidente. Afinal, a única classe que seria capaz de levar a luta imperialista a suas últimas consequências, é a classe trabalhadora, como ficou muito bem demonstrado por todo e qualquer enfrentamento sério entre forças nacionais e o imperialismo ao redor do mundo no séc. XX, onde as burguesias nacionais sempre acabavam por trair a revolução e a nação se via empurrada a aderir a direção da classe operária. 

É importante, no entanto, esclarecer que esse fortalecimento das bases populares do regime russo não ocorrerá como mágica. Não levanto aqui a possibilidade do total esmagamento da burguesia russa e a transformação de um Estado burguês em uma república operária, sem passar por uma revolução. O que estou defendendo é a aproximação necessária do Estado russo e os setores populares, ao passo que a burguesia russa se alia, paulatinamente, às forças ocidentais, como a tendência mais provável de ocorrer nos próximos meses e anos.  Esse fenômeno começou a se desenhar com a aliança do maior partido de oposição russa - o Partido Comunista da Federação Russa - e o partido da situação, Rússia Unida, para se conduzir a intervenção militar na Ucrânia. 

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Guenadin Ziuganov
Guenadin Ziuganov, presidente do Partido Comunista da Federação Russa e deputado na Duma(Photo: Divulgação)

Tal aliança, não pode ser observada de forma banal. Especialmente porque o PCFR não possui posições meramente reformistas, ou mesmo um simplista nacionalismo anti-ocidental. Estamos falando do maior partido da oposição, com mais de 160.000 filiados nos maiores polos industriais da Rússia. O que poucos analistas observam é: como essa aliança entre a burocracia do Estado russo e sua classe trabalhadora, poderá se desenrolar nos próximos capítulos.

Por fim, gostaria de resumir a situação russa como um grande processo de transição política, tanto no panorama global, quanto nacional. Vemos um governo bonapartista perdendo uma de suas "pernas" com o afastamento da burguesia russa, sendo puxada pela burguesia ocidental através das sanções. Caso esse afastamento se consolide, em um cenário de piora econômica devido às sanções impostas pelos EUA e seus vassalos, a tendência de aproximação entre a casta burocrática e a fração pequeno burguesa, somadas a classe trabalhadora, levará a uma reorganização do poder em uma "frente soberanista", que por fim, oferece um panorama político completamente diferente e, em última instância, mais favorável, às aspirações políticas da classe trabalhadora russa nos próximos anos.

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