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Dani Monteiro

Dani Monteiro é deputada estadual (PSOL/RJ) e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj

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A segurança pública do Rio 30 anos depois da chacina de Vigário Geral

É a partir das lições já duramente aprendidas que podemos fazer reparações, corrigir rumos e reatar laços

Ação no Jacarezinho do programa "Cidade Integrada" (Foto: Reprodução / Twitter PMERJ)

A noite de 29 de agosto de 1993 se materializa como uma lembrança traumática para os moradores da favela de Vigário Geral, Zona Norte do Rio de Janeiro. Policiais fortemente armados e encapuzados mataram 22 pessoas, no que seria uma represália ao assassinato de um PM. Trinta anos depois, seguimos contando corpos daqueles que estão à mercê da própria sorte. Não foi a primeira vez que policiais armados invadiram ruas e becos favela adentro para exterminar vidas de quem, inclusive, não tem nada a ver com a razão que seja que eles usem como justificativa para apontar seus fuzis. Também não foi a última.

Em maio de 2021, quase 28 anos depois de Vigário Geral, na favela do Jacarezinho, o estado conseguiu fazer pior: em uma única operação, as polícias mataram 28 pessoas, no episódio que é tido como a maior chacina policial da história fluminense. As violações aos direitos humanos daqueles que vivem na região têm reflexos ainda hoje. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj que o diga. Ainda hoje, o episódio assombra as famílias das vítimas, que seguem necessitando de algum suporte. Os danos materiais e emocionais, como bem sabemos, são muitos e são duradouros. Ao contrário da vida, quando ela é cruelmente roubada.

Há menos de um ano, em dezembro de 2022, o estado do Rio foi instigado pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, a apresentar, em até cinco dias, o cronograma para instalação de câmeras nos uniformes e nas viaturas de batalhões especiais de polícia, com prioridade para as áreas com maiores índices de letalidade policial.

Não é de causar espanto, mas merece atenção que o Rio venha postergando a determinação do STF.

De acordo com documento elaborado pela Defensoria Pública do Estado e já devidamente encaminhado ao Supremo, a Polícia Militar do RJ vem tentando dificultar a transparência em relação aos registros feitos pelas câmeras corporais instaladas nos coletes dos PMs. Se as ações resultam em mortes de inocentes, o cuidado com a ocultação dos dados é redobrado. E não é exatamente esse o posicionamento que se espera de uma polícia comprometida com toda a população e não apenas com parte dela.

A política de segurança pública de Cláudio Castro merece todas as críticas, mas, convenhamos, o estado se ocupa de matar em vez de garantir a plena cidadania faz tempo. De Vigário Geral ao Jacarezinho, pouco avançamos e muito retrocedemos, enquanto moradores de comunidades e regiões pobres seguem expostos à violência diária que se instala em seus territórios, marginalizados que são, em vez de protegidos.

A pergunta que não pode calar, mas precisa de respostas efetivas é: até quando o apontar o fuzil seguirá como possibilidade primeira, e a força será tomada como recurso legítimo? Por quanto tempo mais suportaremos esse viés explicitamente racista na atuação do estado, esse mesmo que, por sua função, deve servir aos pretos assim como aos brancos?

O médico e psiquiatra martinicano Frantz Fanon, a partir da sua experiência de homem negro mergulhado num mundo branco, nos deu algumas pistas, quando expôs que a desgraça do homem de cor é ter sido escravizado. Era a década de 1950 e Fanon já nos alertava para que cessasse a subjugação do homem pelo homem.

O que a realidade violenta em que estamos imersos atualmente nos mostra é que está na hora de cuidarmos das nossas circunstâncias, essas em que a balança do direito não se equilibra. E para cuidar do presente, precisamos olhar para o passado. É a partir das lições já duramente aprendidas que podemos fazer reparações, corrigir rumos e reatar laços. Mas só temos o agora, antes que mais pretos morram, para decidirmos que seres humanos queremos ser.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.