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Washington Araújo

Jornalista, escritor, professor da UnB, tem 17 livros sobre mídia e direitos humanos. Autor do blog de jornalismo e cultura Cidadaodomundo.org

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A seleção e o mal-estar do Brasil

Houve um tempo em que torcer pela Seleção brasileira era o que havia de melhor. Claro, estou pensando nas nossas antigas Seleções. Elas pareciam sobre-humanas, forças sobrenaturais envergando o manto verde-amarelo

Houve um tempo em que torcer pela Seleção brasileira era o que havia de melhor. Claro, estou pensando nas nossas antigas Seleções. Elas pareciam sobre-humanas, forças sobrenaturais envergando o manto verde-amarelo (Foto: Washington Araújo)
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Houve um tempo em que torcer pela Seleção brasileira era o que havia de melhor. Claro, estou pensando nas nossas antigas Seleções. Elas pareciam sobre-humanas, forças sobrenaturais envergando o manto verde-amarelo. E isso quer dizer aquelas a partir de 1950. E que vão até 2002. Era um tempo em que ser escalado para jogar em nosso selecionado nacional era a honra das honras, um privilégio único, e uma benção bastante incomum, e por isso muito preciosa. Honra porque iriam defender o Brasil usando chuteiras em gramados distantes, par a par com dezenas de outras nações.

Privilégio porque antes já haviam defendido nossas cores craques como Mané Garrincha, Ademir da Guia, Barbosa, Nilton Santos, Didi, Heleno de Freitas, Jairzinho, Rivelino. E Pelé. E benção porque eles, e somente eles, seriam alvos das preces de milhões de brasileiros mundo afora: "Que Deus proteja nossos meninos!", "Que Deus os guie, e os tornem vitoriosos em cada jogo!" Sim, as antigas eram seleções convocadas, acima de tudo, pelo talento, pela chispa de genialidade que deles emanava, pelo gosto e pela arte com que faziam milagres com a bola. E depois de craques consumados como Éder, Sócrates, Zico, Amarildo, vieram os jogadores-holofotes. Os jogadores que jogam apenas por dinheiro e para estrelar comerciais de carros, cartões de crédito e sabão em pó. E foi aí que nosso mal-estar começou. E nosso inferno astral se alastrou como sarampo sobre o corpo da nação.

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Mal-estar que dura até hoje. E foram atletas como Ronaldo (Fenômeno?), Adriano (Imperador?), Falcão (Kaiser?), Neymar, que me fizeram descrer de minha Seleção. Descobri que não bastava ser apenas talentoso com a bola para merecer meu respeito, minha admiração. Era indispensável ter algumas virtudes humanas básicas: bom caráter, humildade, confiabilidade, carisma. E constatei que ex-atletas como Ronaldo Nazário esbanjavam exatamente o oposto. Além de serem maus exemplos de pessoa, pareciam fazer questão de serem pontos fora da curva de nossa bela história no futebol. O desejo desenfreado por rapidamente conquistar fama, fazer o maior número possível de ações de marketing, o anseio alucinado por aparecer a todo custo na mídia, a falta de senso de ridículo quando se põem a emitir opinião sobre tudo o que geralmente não entendem, e a forte inclinação que demonstram para se envolverem em escândalos e barracos os mais variados, seja com o uso de drogas, noitadas marcadas por drogas e bebidas em excesso, corrupção graúda, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos, prostituição em larga escala e o ímpeto destrutivo pela ostentação fútil, tudo isso depõe contra eles. Enfim, neles parecem faltar o item mais valioso para envergar o manto auriverde nos campos e na admiração de milhões de compatriotas: falta-lhes as luzes de um bom caráter. E por lhes faltar um bom caráter, falta-lhes como consequência todo o restante. Alguém se deu o trabalho para ver Ronaldo Fenômeno concluir um raciocínio sequer, sem o complacente apoio da imprensa?

É difícil fazer vista grossa para o estilo ostentação e profundamente fútil de Ronaldo e, mais recentemente, Neymar Júnior, quando os comparamos, por exemplo, com prodígios do futebol de outras nacionalidades. Pensemos no português Cristiano Ronaldo e no argentino Lionel Messi. A distância dos nacionais com os colegas internacionais é imensa. A começar pela seriedade com que se portam alçados já há tantos anos ao estrelato mundial do nosso esporte favorito. Alguém já imaginou Cristiano Ronaldo mudando de visual - algo tão simples e banal - a cada jogo e sempre com tendência para o ridículo o mais ilimitado e patético possível? Será que o português não abre mão de seus próprios gostos e não se esforça em passar sua boa imagem em competição onde representa seu país? Com certeza ele sabe que milhões de crianças no planeta o veem como herói, como exemplo a ser seguido. Mas então nos falam que os nossos "canarinhos mais vistosos" vem de famílias muito pobres, desestruturadas e trazem marcas de discriminação racial e social desde seus tempos de crianças. Mas será mesmo? Então... e o Messi? Quer uma origem mais miserável, pobre, carente que a do craque argentino? Observem o porte do Messi, vejam no Youtube suas entrevistas, analisem como é usada sua imagem. A diferença é brutal. Claro, também tem seus deslizes. O Fisco, por exemplo. Mas, ao fim, eles pagam o que devem, assumem o erro e tratam de não mais entrar em situações análogas.

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No quesito bom-mocismo, - talvez à exceção do grande Garrincha, o nosso anjo de pernas tortas, desde cedo vítima de alcoolismo -, minha geração teve realmente ótimos ídolos no futebol. A magia do futebol transcende as quatro linhas do gramado, captura nosso sentimento de civismo e cidadania e nos faz pensar sobre o que é que faz brasileiro... o brasileiro. E o amor ao futebol é sem dúvida alguma uma de nossas características dominantes. Ganhar de presente camisa de um clube de futebol, uma bola é algo tradicional que os pais presenteiam os filhos tão logo consigam se firmar nas pernas e possam dar seus primeiros (e desengonçados) passos. Foi assim comigo e foi assim com meu filho Thomas. A Seleção nos últimos mundiais parece um espelho da decadência em que o Brasil se encontra, o retrato falado de nossas guerras urbanas, dos confrontos do morro com o asfalto, das investigações de denúncias de corrupção nos seus contratos e no pagamento de seus salários, passes, cachês. É isso que nos faz ficar com o pé atrás sempre que o país irá se apresentar em outro país. E também as mal contadas histórias para justificar, até hoje, vinte anos depois, o súbito mal-estar de Ronaldo na final da Copa da França (1998), mal-estar que nos fez perder o título mundial daquele ano, e há quatro anos atrás, a goleada por 7 a 1 que sofremos da Alemanha na Copa brasileira de 2014. Tais fatos recentes denunciam nossa percepção de que nossa relação afetiva e sentimental com a "Pátria de chuteiras" encontra-se literalmente no fundo do poço.

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