A soberania digital não se decreta: se disputa
A soberania digital exige avaliar alianças com big techs, priorizando disputas por presença e regulação em vez de rejeições automáticas
O debate em torno do projeto Redata e da estratégia de atração de grandes corporações tecnológicas para o Brasil traz reflexões relevantes sobre soberania digital e dependência tecnológica. É importante não aderir a diagnósticos severos e apressados, não ignorar nuances do cenário geopolítico, o realismo estratégico necessário e as iniciativas soberanas que o próprio governo tem conduzido. É preciso situar o debate com lucidez e menos fatalismo.
A aproximação do governo Lula com as big techs – com foco especial no projeto Redata e na estratégia de atração dessas corporações para o Brasil – merece ser analisada com seriedade. É legítimo considerar reflexões sobre soberania digital e dependência tecnológica, mas é importante evitar diagnósticos severos e apressados. Não se deve ignorar as nuances do cenário geopolítico, o realismo estratégico necessário e as iniciativas soberanas que o próprio governo tem conduzido. É preciso situar o debate com lucidez e menos fatalismo
Não é no grito que se afirma a soberania, mas na estratégia, presença e negociação – e tudo isso está em curso. Não há submissão. É inegável que empresas como Google, Amazon e Meta operam dentro de uma lógica imperial, com histórico de omissão e cumplicidade em processos de desinformação e manipulação política no Brasil. Mas transformar a tentativa de atraí-las para o território nacional em "entrega" é uma leitura simplista e, paradoxalmente, impotente.
O governo Lula não ignora alternativas soberanas. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem fortalecido a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), retomado o apoio às universidades públicas, reestruturado o orçamento da Finep e da Capes. A defesa da soberania digital passa, sim, por ações locais – e elas estão sendo feitas, mesmo em meio a um orçamento limitado, ao teto de gastos herdado e ao embate com setores conservadores que sabotam toda forma de política pública autônoma.
A política econômica liderada por Haddad parte de um diagnóstico realista: não se rompe com o império digital virando as costas ao mundo. É preciso disputar investimentos, centros de poder e infraestrutura e, se possível, fazer isso em solo brasileiro, com regulação, contrapartidas e controle público crescente. O projeto Redata é uma tentativa concreta de negociar sob novas bases: exigência de uso de energia renovável, retorno social, percentual da capacidade voltado ao mercado interno, participação em fundos nacionais. Longe de significar uma rendição, trata-se de um começo concreto e infinitamente mais eficaz do que a paralisia ideológica de quem só denuncia e não constrói.
O Brasil tem ampliado acordos com países como China e Índia nas áreas de tecnologia e inteligência artificial, construindo pontes em diferentes frentes. A questão não está em escolher entre entregar aos Estados Unidos ou salvar com os BRICS – como se houvesse pureza geopolítica disponível. O desafio real é diversificar alianças, ampliar os espaços de negociação e, no limite, fazer do Brasil um hub disputado, não subalterno.
É essencial lembrar que quem combateu o lawfare, quem venceu as fake news, quem sobreviveu à guerra híbrida foi este campo político que agora governa o país. E o faz com a responsabilidade de quem aprendeu com o passado – sem romantismos, mas também sem recuar. O governo Lula atua com firmeza, buscando equilibrar soberania, desenvolvimento e viabilidade política num mundo em que todos os dados já foram parcialmente capturados.
Soberania digital não se decreta, se constrói. E isso exige mais do que frases fortes. Exige coragem, regulação, negociação, investimento público e mobilização cidadã. A disputa está em curso – e não reconhecer isso é ignorar o que, de fato, está sendo construído. Haddad é parte fundamental da solução.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

