A sociedade que não lê mais: vazio existencial, busca por likes e a crise do conhecimento
Estamos vivendo na sociedade do prazer instantâneo
Recentemente, ao assistir aos stories de um influenciador muito famoso, chamado Carlinhos Maia, vivi um daqueles momentos em que algo aparentemente simples escancara uma ferida profunda da nossa sociedade. Ele entrevistava pessoas humildes que desejavam entrar em seu “rancho” e perguntava quantos livros elas já tinham lido. A maioria não havia lido nenhum. Algumas recitaram versículos soltos da Bíblia e uma mencionou estar lendo “Café com Deus Pai”.
A cena, apesar de descontraída, me atingiu com força. Ela resumiu o retrato de uma geração que abandonou o conhecimento profundo — seja científico, espiritual ou experiencial — em nome de uma superficialidade vendável e imediata. Isso me levou a refletir: estamos adoecendo como sociedade? Penso que sim. E muito disso tem origem na forma como as redes sociais moldam nosso comportamento, nossos valores e até nossa identidade.
Ouso dizer que a internet funciona como palco e armadilha, pois hoje em dia, muitos não vivem mais para si, mas para uma audiência invisível. A lógica é clara: quanto mais apelativo, mais visualização; quanto mais exposição, mais recompensa. O problema é que, nessa busca por aprovação, muitos criam personagens que não sustentam na vida real, e se perdem neles. Tornam-se dependentes da performance, da atenção, dos números. E acabam pagando um preço alto: a própria identidade. Essa cultura do espetáculo transforma tudo em conteúdo: dor, fé, pobreza, corpo, intimidade. E quem não viraliza, muitas vezes, entra em crise, acreditando que fracassou como pessoa, não como criador de conteúdo.
Estamos vivendo na sociedade do prazer instantâneo e do medo do processo e onde a ansiedade reina. E boa parte dessa ansiedade vem do imediatismo digital, que treinou nosso cérebro para esperar recompensas rápidas em tudo. As pessoas querem emagrecer em uma semana, não em um ano. Querem aprender em um curso de 2 horas, não numa graduação. Querem enriquecer com um vídeo viral, não com anos de trabalho. Elas assistem vídeos em 2x, não têm paciência para ler um livro, pulariam até esse parágrafo se estivessem no Instagram. Qual a problemática? A grande questão é que a vida real não tem botão de acelerar. Ela exige presença, constância e espera. E quem não sabe lidar com isso, não sabe lidar com a frustração e isto muitas vezes conduz ao fracasso pessoal e social.
Essa perda da paciência com os processos naturais da vida também se reflete no abandono da leitura e do conhecimento profundo. Dados do IBGE mostram que, em 2024, o Brasil tinha 9,1 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais o equivalente a 5,3% da população. E embora esse seja o menor índice da série histórica, ainda é alarmante. Mas o problema vai além do analfabetismo absoluto. O analfabetismo funcional, que atinge pessoas que até sabem ler, mas não compreendem o que leem ou não conseguem aplicar em situações do dia a dia, afeta cerca de 27% da população brasileira. E entre universitários, esse índice chega a 38%.
Mais grave ainda é saber que muitas crianças chegam ao 4º ano do ensino fundamental sem saber ler adequadamente. Isso compromete toda a trajetória escolar, emocional e profissional que virá depois. O que mais preocupa é que, paralelamente a essa crise educacional, cresce a valorização da ostentação, da fama e da viralização como “único” caminho para vencer na vida.
Essa realidade forma uma geração emocionalmente fragilizada, que age como criança mimada: quer tudo rápido, fácil e prazeroso. É comum, ao acompanhar as redes sociais, ouvir de pessoas que querem viralizar, que preferem se passar por ridículas para viralizar do que pegar um ônibus lotado para ir estudar ou trabalhar, pois isto sim é humilhação. Declarações como essa se tornaram comuns. E ela escancara a inversão de valores: estudo, trabalho e esforço passaram a ser vistos como atraso, enquanto a busca ansiosa por fama instantânea e o dinheiro fácil passaram a ser vistos como sucesso.
Ousadamente afirmo dizer que muitas pessoas buscam na internet o novo malfadado “sonho americano” digital, pois a internet vende a ilusão de que qualquer um pode sair da pobreza extrema e se tornar milionário com um vídeo viral. Casos assim existem, sim, mas são exceções. A maioria das pessoas que tenta seguir esse caminho acabam frustradas, endividadas, deprimidas ou presas a personagens que nem combinam com quem realmente são.
Quem usa ou pousa com marcas de grife são vistas e tratadas com admiração, mesmo que não tenha nada de sólido por dentro. Enquanto isso, quem investe em conhecimento, espiritualidade ou autoconhecimento, muitas vezes é visto como “sem ambição”. Essa cultura está nos afastando da essência humana, do esforço que forma caráter, do silêncio que aprofunda, do trabalho que estrutura e da leitura que liberta.
No fim das contas, essa reflexão não é uma condenação à internet ou aos influenciadores, mas um chamado à consciência. Estamos desaprendendo a viver com profundidade, a esperar, a construir algo sólido. E sem isso, estamos adoecendo. Talvez o antídoto não esteja nos números, nos virais ou nas marcas. Talvez ele esteja nas coisas simples e reais, como ler um livro devagar, escutar alguém com atenção, emagrecer com paciência e saúde, estudar com constância, trabalhar com dignidade e reaprender a lidar com o silêncio, com a frustração, com o tempo.
Porque o que permanece não é o que viraliza. É o que nos transforma por dentro!
Referência:
BELLO, Luiz. Indicadores educacionais avançam em 2024, mas atraso escolar aumenta. Agencia IBGE, 13 de junho de 2025. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/43699-indicadores-educacionais-avancam-em-2024-mas-atraso-escolar-aumenta > . Acesso em 23 de agosto de 2025.
ROSA, Victoria. Brasil tinha 9,1 milhões de analfabetos em 2024, divulga IBGE. CNN Brasil, 13 de junho de 2025. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/educacao/brasil-tinha-91-milhoes-de-analfabetos-em-2024-aponta-ibge/?utm_source=chatgpt.com >. Acesso em 23 de agosto de 2025.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

