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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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A sombra do mau juiz é pior que os frutos da árvore envenenada

A sombra perversa deixada pelo mau juiz envenena a confiança pública, corrói processos e distorce a justiça na sua nascente

STF (Foto: Antonio Augusto/STF)

O julgamento da trama golpista chegou ao seu desfecho na noite desta quinta-feira, 11 de setembro, com o Supremo Tribunal Federal impondo duras penas aos principais envolvidos:

Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão; 

Braga Netto a 26 anos; 

Anderson Torres a 24 anos;

Almir Garnier a 24 anos; 

Augusto Heleno a 21 anos; 

Paulo Sérgio Nogueira a 19 anos;

Alexandre Ramagem a 16 anos, 1 mês e 15 dias; e 

Mauro Cid a 2 anos, em regime aberto, que recebeu os benefícios de sua delação premiada.

Esse foi o resultado oficial, histórico e incontornável: a Corte impôs sentenças severas aos oito réus. No entanto, não é sobre as condenações que quero me deter aqui. Mais revelador que os números das penas foi o comportamento de um dos juízes, voto vencido, cuja postura projeta sobre o tribunal uma sombra nefasta, longa e corrosiva sobre a Suprema Corte.

A justiça, em teoria, é uma balança equilibrada. Mas em certos tribunais, sob a pena de juízes hábeis em retórica e destreza formal, ela se transforma em espetáculo de distorções. É nesse palco que surge a figura simbólica do Dr. Luís Tenebrae — nome fictício, mas inspirado em condutas reais — cuja habilidade maior não é buscar a verdade, mas manipular sua aparência.

Os fundamentos clássicos da retórica, ensinados por Aristóteles — pathos, ethos e logos —, tornam-se em suas mãos armas de subversão. Emoção, credibilidade e lógica são viradas de ponta-cabeça: provas claras se tornam interpretações vagas, testemunhos se convertem em “liberdade de expressão” e até mesmo insultos grosseiros passam a ser apresentados como meros “desabafos infelizes”. A caverna de Platão vira argumento de defesa; Nietzsche é invocado para justificar uma “transvaloração dos fatos”. O resultado é um réu inocentado não pela força das provas, mas pela fragilidade das falácias.

O perfil de Tenebrae — vaidoso, volúvel, autocentrado — é o retrato de quem se cita mais do que se fundamenta. Hoje encontra culpa; amanhã proclama absolvição. Um dia abraça princípios kantianos; no outro, distorce Kant para justificar conveniências pessoais. Tudo pode ser torcido, desde que atenda a interesses ocultos, favores futuros ou ganhos imediatos. A lei se torna cartão de visitas, moeda de troca, passaporte para privilégios.

Na essência, o que está em jogo não é apenas a interpretação da lei, mas a sua prostituição. Maquiavel, lido às avessas, sustenta que “o fim justifica os meios” mesmo em julgamentos de corrupção contemporânea. Sócrates, transformado em álibi, serve para explicar ganância. Rui Barbosa, manipulado fora de contexto, apressa veredictos equivocados. É uma justiça que não tarda nem falha: simplesmente se corrompe.

Essa prática destrói, por dentro, a confiança da sociedade. Instituições deixam de ser faróis e se tornam sombras. Juízes que deveriam servir à verdade acabam servindo a agendas. E a cada voto que nega a realidade, a cada sentença que torce a lógica, mais profunda se torna a erosão da credibilidade pública.

Há, sim, uma ironia cruel nisso tudo: o juiz que se apresenta como iluminado é, no fundo, arauto das trevas. A Corte, em suas mãos, vira palco de ilusões. Sua arte maior é entortar o que está direito, deformar o que nasceu íntegro, tornar errado o que deveria permanecer certo.

A corrupção de um juiz não se limita ao ato individual: ela se alastra, contamina a instituição, compromete o futuro da justiça. A sombra que deixa é mais tóxica do que qualquer árvore envenenada. Se não for contida, macula não apenas decisões, mas toda a credibilidade do corpo judicial.

Resta-nos não apenas esperar, mas exigir que, ao fim deste processo histórico, a luz da justiça irrompa soberana — clara, firme e inegociável. Porque, se ela falhar, a sombra não apenas engolirá tudo: engolirá também nossa confiança, nossa memória e o próprio futuro da democracia.

 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.