A temática indígena na escola e na sociedade brasileira
O futuro é ancestral!
Temáticas acerca das culturas indígenas devem ser trabalhadas obrigatoriamente de modo a perpassar as disciplinas de História, Literatura e Artes, por força da Lei 11.645/08. Mas, fundamentalmente, necessitam ser estudadas como conteúdo constante e sistematizado de forma mais efetiva e enfática no currículo escolar. É preciso descolonizar o currículo e, nesse caminho, descolonizar mentes que introjetaram imagens totalmente equivocadas sobre os povos indígenas e suas culturas. O necessário movimento de mudança curricular e de conteúdo precisa atingir especialmente as crianças, que são o futuro da nossa sociedade e país.
Assim, as imagens/representações de que os povos indígenas são genéricos (materializadas no termo índio, que apaga a diversidade cultural destes povos), que pertencem ao passado (que invisibiliza a presença indígena na atualidade, hoje), que são culturas atrasadas (ocultando as ciências, artes, literaturas, saberes medicinais indígenas), que são culturas congeladas (não se transformam) e que pouco ou nada contribuíram para a formação cultural do país, precisam ser superadas de vez. Estas ideias equivocadas sobre os povos indígenas estão num artigo importante do professor José Ribamar Bessa Freire intitulado “Cinco ideias equivocadas sobre os índios”, o qual deixamos como indicação de leitura aqui.
A mudança do nome da data de 19 de abril, do Dia do Índio para o Dia dos Povos Indígenas, buscou justamente eliminar o termo homogeneizador, índio, para algo mais plural, Povos Indígenas, com o intuito de expressar melhor essa diversidade das culturas indígenas. Não são índios, são povos Caixana, Miranha, Kambeba, Baré, Baniwa, Tikuna, Wamiri-Atroari e tantos outros. São povos indígenas, no plural.
Por outro lado, é necessário reconhecer que há um conjunto significativo de estudos que demonstra o que é chamado na disciplina histórica de agência dos povos indígenas. É a noção de que os indígenas são agentes de sua própria história, protagonistas que, tanto no passado quanto no presente e em contextos históricos específicos, elaboram ações e estratégias políticas de sobrevivência e existência. De luta!
Ou seja, a ideia de passividade, vitimismo ou fatalismo relacionados aos povos indígenas em grande medida não se sustenta. Isso não significa negar o genocídio perpetrado pelos europeus no processo de colonização na parte sul da América, a partir de 1500, ou negar que a ditadura civil-militar assassinou outros tantos povos indígenas em nome de projetos econômicos destrutivos não só destes povos, mas do ambiente amazônico, por exemplo.
O que se quer enfatizar é que mesmo com todas as violências materiais e simbólicas, os povos indígenas resistiram e continuam resistindo, existindo e agindo… Vejamos a questão da luta pela demarcação dos territórios e contra o Marco Temporal.
Já disseram num passado recente que os povos indígenas seriam extintos (era tese da extinção), ou culturalmente (projetos de integração e assimilação) ou fisicamente (guerras e extermínio). E o que vemos hoje, eles desapareceram?! Não! Estão vivos, multiplicando-se e lutando pelos seus territórios, por educação e saúde... Pela vida!
Vamos tomar um exemplo: o povo Kambeba, da aldeia Bethel, localizada na Barreira da Missão, na cidade de Tefé, no Amazonas.
Uma estratégia de ação elaborada pelo povo Kambeba para fortalecer suas lutas e necessidades mais imediatas é justamente assegurar o acesso à formação básica, tecnológica e superior. Em outras palavras: o acesso à educação. A educação é vista como estratégica para este povo, não apenas para a formação técnica e profissional (professores, técnicos de enfermagem, dentre outros, para atuarem na aldeia e fora dela), mas também para a formação cidadã e luta por direitos. Conhecimento é poder, e ter acesso à ele é ter esse poder em mãos. O povo Kambeba sabe disso.
Assim, como professores da educação escolar indígena, podem reforçar sua cultura e, também, acessar o conhecimento da sociedade nacional, o que é estratégico para as suas ações e lutas, por direitos e para efetivação de direitos. Já como historiadores podem pesquisar sobre sua trajetória histórica, reconstituindo e/ou fortalecendo memórias que são importantes para a consolidação da sua identidade, e que gera coesão e direciona as ações sociais e políticas no presente.
Poderíamos multiplicar os exemplos. Entretanto, observa-se que a ida a Universidade ou a vinda da escola a aldeia envolve os elementos acima mencionados. Mas tem o outro lado também. Quando os povos indígenas vão a universidade, levam suas demandas e a pressionam a atendê-las, num movimento de tensão necessário e rico.
Assim, aldear a universidade é entrelaçar saberes, colocá-los em diálogo com o conhecimento científico. As culturas indígenas dialogam com o saber científico e com o espaço escolar em geral. E têm muito a contribuir com seus saberes tradicionais na resolução dos problemas que o mundo vem enfrentando.
O futuro é ancestral!
Viva aos Povos Indígenas.
Temos muito o que aprender com eles.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

