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Larissa Ramina

Professora de Direito Internacional da UFPR, Membro da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia

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A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3) e a consolidação do tema dos oceanos na agenda ambiental global

Os EUA, maior domínio marítimo do mundo, não enviaram delegação, confirmando as mudanças políticas decorrentes da eleição de Donald Trump

Lula durante sessão de abertura da III Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC 3) Foto: Ricardo Stuckert / PR (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

Entre 9 a 13 de junho de 2025, Nice acolheu a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), coorganizada pela França e pela Costa Rica, num contexto internacional marcado pela emergência climática. Dez anos após a COP21 e o Acordo de Paris, a UNOC3 reuniu 170 países, incluindo 60 chefes de Estado e de Governo, organizações internacionais, ONGs, instituições acadêmicas, a comunidade científica, representantes do setor privado, doadores internacionais, povos indígenas, comunidades locais, entre outros. O evento acolheu cerca de 15 mil participantes, além de mais de 450 eventos paralelos e quase 100 mil visitantes. O objetivo foi fortalecer a governança global e acelerar a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, que prevê a conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos. A UNOC3 estruturou-se em torno de vários objetivos, tais como conservar e restaurar ecossistemas marinhos; reduzir a poluição marinha; promover a pesca sustentável; reforçar a resiliência dos oceanos às alterações climáticas; apoiar a investigação científica para compreender melhor a dinâmica dos oceanos e desenvolver soluções baseadas em evidências; regular o alto-mar e liberar fundos para a conservação marinha. A UNOC3, coorganizada por França e Costa Rica, foi precedida pela UNOC 1 em Nova Iorque (2017) e pela UNOC2 em Lisboa (2022). Essas Conferências foram organizadas a partir do momento em que, tardiamente, os membros das Nações Unidas tomaram consciência da importância crucial dos oceanos, com o objetivo de mobilizar a comunidade internacional para sua conservação e utilização sustentável. Ocupante de mais de quase 70% da superfície terrestre, regulador dos principais equilíbrios ambientais, fornecedor de recursos ricos e de biodiversidade, mas também um importante vetor de intercâmbio econômico e um elo essencial entre os países, o oceano está hoje ameaçado por inúmeras pressões, como os efeitos das alterações climáticas, a poluição e a superexploração dos recursos marinhos.A UNOC1 destacou desafios prementes, como a poluição marinha, a sobrepesca e os efeitos das alterações climáticas nos oceanos. A UNOC2, por sua vez, reforçou os compromissos assumidos na UNOC1 e apresentou soluções inovadoras para a proteção dos oceanos, como o projeto “8º Continente”, uma plataforma flutuante que envolve a coleta e processamento de resíduos no Pacífico. A UNOC 3 buscou implementar o ODS14 em torno de três prioridades, quais sejam: mobilizar financiamento para conservar e explorar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos e apoiar o desenvolvimento de uma economia azul sustentável; reforçar e difundir melhor o conhecimento relacionado com as ciências marinhas para uma melhor tomada de decisões políticas; e trabalhar em prol dos processos multilaterais ligados ao oceano, nomeadamente o Tratado de Biodiversidade Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional (ou BBNJ - Biodiversity Beyond National Jurisdisction), também conhecido como Tratado do Alto-Mar, que regulamenta o uso das chamadas águas internacionais. Assinado em 2023, o Tratado fornece estrutura legal para a criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) em águas internacionais, sendo essencial para alcançar o objetivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030 (30x30).

Os EUA, maior domínio marítimo do mundo, não enviaram delegação, confirmando as mudanças políticas decorrentes da eleição de Donald Trump, que retirou o país do Acordo de Paris no final de janeiro. Desde o seu primeiro mandato e desde o seu regresso à Casa Branca em janeiro passado, Trump alterou as posições estadunidenses em relação aos temas ambientais, e se posicionou contra o consenso científico global sobre a emergência climática. Em abril, anunciou a liberação unilateral da mineração em águas internacionais no Pacífico, aumentando a urgência do debate internacional sobre a exploração dos fundos marinhos e sobre a transição socioecológica global como um todo.

Na abertura da Conferência, o Presidente francês Emmanuel Macron e o Secretário-geral da ONU, António Guterres, fizeram duras críticas a esse posicionamento, ao passo que o presidente Lula denunciou a “ameaça do unilateralismo” que paira sobre os oceanos.

O Presidente Lula participou do evento e reafirmou o compromisso do Brasil com as questões ambientais, já que nosso país sediará a COP30 em novembro, no Brasil. A COP30 é a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC/1992), e entre seus propósitos estão o avanço nas negociações climáticas globais, o monitoramento do progresso do Acordo de Paris e o estabelecimento de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater o aquecimento global. A Conferência ocorrerá em Belém, e é considerada um evento histórico por ser a primeira COP a ser realizada na Amazônia.

O resultado da UNOC foi a adoção do “Plano de Ação de Nice para o Oceano”, composto por uma declaração política e uma lista de mais de 800 compromissos voluntários e financeiros de governos, cientistas, agências da ONU e sociedade civil. A declaração, intitulada Nosso oceano, nosso futuro: unidos por uma ação urgente, reafirma a meta de proteger 30% do oceano e da terra até 2030.

Quanto ao Tratado do Alto-Mar, a ideia era atingir o mínimo necessário de 60 ratificações desse Tratado que foi assinado em setembro de 2023 depois de 20 anos de negociações e assinado por 116 países, inclusive o Brasil, já que até aquele momento, apenas 31 países haviam ratificado o acordo. Segundo anúncio do Presidente francês, essa meta será atingida até setembro, já que 19 novos países depositaram suas ratificações, elevando o total para 50. Além disso, mais de 20 países assinaram o Tratado no decorrer da Conferência, somando 136 signatários. O Brasil prometeu ratificar o texto até o fim deste ano, e a esperança é de que o Tratado entre em vigor em janeiro de 2026.

Por outro lado, expectativas foram frustradas em relação a temas centrais, como mineração em águas profundas, combustíveis fósseis e financiamento para a proteção da biodiversidade marinha. Em Nice, apenas cinco outros países aderiram ao apelo por uma moratória sobre a mineração em fundos marinhos profundos, elevando o total para 37 dos 169 membros da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), que tem jurisdição sobre os fundos marinhos em águas internacionais.

Além da questão da mineração, a ausência de referências explícitas aos combustíveis fósseis na declaração final da Conferência também gerou críticas de ambientalistas. O texto reconhece os efeitos das mudanças climáticas sobre os oceanos, mas não propõe ações concretas de transição energética.

Outros acordos internacionais são esperados em breve, como o Tratado Global contra a Poluição por Plásticos, que busca reduzir a produção e o descarte do material em todo o ciclo de vida, atualmente em negociação. Por último, o Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal adotado na COP15 (2022), que visa alcançar o objetivo “30x30” que consiste em proteger 30% das áreas terrestres e marítimas e restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030, não avançou significativamente.

O Brasil se engajou a atingir até 2030 a meta das Nações Unidas de 30% de áreas marinhas protegidas e detalhou os seus planos para a preservação dos recifes de coral (Programa Procoral) e dos manguezais (Programa Promanguezal). O país já tem 26,5% da sua zona marinha e costeira dentro de unidades de conservação. Lembremos que na sua presidência no G20, o Brasil priorizou o oceano e sua inclusão nas NDCs - Contribuições Nacionalmente Determinadas -, que são os planos de cada país para reduzir emissões e se adaptar às mudanças climáticas. A nova NDC brasileira, enviada à ONU em novembro de 2024, incluiu pela primeira vez soluções oceânicas para o clima, sinalizando a convergência entre ação climática, biodiversidade e justiça social. Junto com a França, o Brasil lançou em Nice o Desafio NDC Azul, iniciativa para acelerar a ação climática focada em oceano que fez um chamado para que os países coloquem o tema em suas NDCs. Oito países já aderiram à iniciativa, entre eles Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau e Seychelles. Também foram apresentados sete compromissos voluntários na Conferência, relacionados à proteção de áreas marinhas, planejamento espacial marítimo, pesca sustentável, ciência e educação, incluindo o objetivo de ter o maior número de “Escolas Azuis” do mundo até 2025. O Presidente ainda afirmou a necessidade de integrar a questão climática nos currículos escolares, destacando nosso vasto território marítimo chamado de “Amazônia Azul”. Não por acaso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social lançou no início de 2024 a iniciativa BNDES Azul, destinada ao desenvolvimento da economia azul, também conhecida como economia do mar. Antes de chegar em Nice o Presidente Lula esteve em Mônaco, onde discursou no encerramento do Fórum de Economia e Finanças Azuis, alertando para a disparidade entre gastos militares e investimentos na preservação dos oceanos.

Entre os saldos da Conferência, a tarefa que parece ter sido deixada para a COP30, no Pará, é a união das pautas do clima e dos oceanos. A expectativa, aliás, é de que muitos dos impasses da UNOC3 recaiam sobre a COP30, fazendo com que a agenda dos oceanos ganhe corpo. Não restam dúvidas de que a saúde dos oceanos deve figurar como prioridade tanto na agenda climática, quanto na agenda da justiça social global. Nesse sentido, a França prometeu que a cúpula fará pela conservação dos oceanos o que o Acordo de Paris fez pela ação climática global na COP21 em 2015. Talvez o maior triunfo da UNOC3 tenha sido, de fato, a consolidação do tema dos oceanos na agenda ambiental global, elevando-a ao status de “mini-COP”. 

Os avanços concretos, todavia, dependem de maior compromisso político das grandes potências, financiamento continuado e, como se tem repetido incessantemente, de uma governança global mais inclusiva e equitativa, que enfrente a desigualdade no acesso aos espaços marinhos e aos seus recursos. Olhando para o futuro, a UNOC4, programada para ser coorganizada pelo Chile e pela Coreia do Sul em 2028, deveria focar nessas questões.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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