A Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3) e a consolidação do tema dos oceanos na agenda ambiental global
Os EUA, maior domínio marítimo do mundo, não enviaram delegação, confirmando as mudanças políticas decorrentes da eleição de Donald Trump
Entre 9 a 13 de junho de 2025, Nice acolheu a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (UNOC3), coorganizada pela França e pela Costa Rica, num contexto internacional marcado pela emergência climática. Dez anos após a COP21 e o Acordo de Paris, a UNOC3 reuniu 170 países, incluindo 60 chefes de Estado e de Governo, organizações internacionais, ONGs, instituições acadêmicas, a comunidade científica, representantes do setor privado, doadores internacionais, povos indígenas, comunidades locais, entre outros. O evento acolheu cerca de 15 mil participantes, além de mais de 450 eventos paralelos e quase 100 mil visitantes. O objetivo foi fortalecer a governança global e acelerar a implementação do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14, que prevê a conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos. A UNOC3 estruturou-se em torno de vários objetivos, tais como conservar e restaurar ecossistemas marinhos; reduzir a poluição marinha; promover a pesca sustentável; reforçar a resiliência dos oceanos às alterações climáticas; apoiar a investigação científica para compreender melhor a dinâmica dos oceanos e desenvolver soluções baseadas em evidências; regular o alto-mar e liberar fundos para a conservação marinha. A UNOC3, coorganizada por França e Costa Rica, foi precedida pela UNOC 1 em Nova Iorque (2017) e pela UNOC2 em Lisboa (2022). Essas Conferências foram organizadas a partir do momento em que, tardiamente, os membros das Nações Unidas tomaram consciência da importância crucial dos oceanos, com o objetivo de mobilizar a comunidade internacional para sua conservação e utilização sustentável. Ocupante de mais de quase 70% da superfície terrestre, regulador dos principais equilíbrios ambientais, fornecedor de recursos ricos e de biodiversidade, mas também um importante vetor de intercâmbio econômico e um elo essencial entre os países, o oceano está hoje ameaçado por inúmeras pressões, como os efeitos das alterações climáticas, a poluição e a superexploração dos recursos marinhos.A UNOC1 destacou desafios prementes, como a poluição marinha, a sobrepesca e os efeitos das alterações climáticas nos oceanos. A UNOC2, por sua vez, reforçou os compromissos assumidos na UNOC1 e apresentou soluções inovadoras para a proteção dos oceanos, como o projeto “8º Continente”, uma plataforma flutuante que envolve a coleta e processamento de resíduos no Pacífico. A UNOC 3 buscou implementar o ODS14 em torno de três prioridades, quais sejam: mobilizar financiamento para conservar e explorar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos e apoiar o desenvolvimento de uma economia azul sustentável; reforçar e difundir melhor o conhecimento relacionado com as ciências marinhas para uma melhor tomada de decisões políticas; e trabalhar em prol dos processos multilaterais ligados ao oceano, nomeadamente o Tratado de Biodiversidade Marinha em Áreas Além da Jurisdição Nacional (ou BBNJ - Biodiversity Beyond National Jurisdisction), também conhecido como Tratado do Alto-Mar, que regulamenta o uso das chamadas águas internacionais. Assinado em 2023, o Tratado fornece estrutura legal para a criação de Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) em águas internacionais, sendo essencial para alcançar o objetivo global de proteger 30% dos oceanos até 2030 (30x30).
Os EUA, maior domínio marítimo do mundo, não enviaram delegação, confirmando as mudanças políticas decorrentes da eleição de Donald Trump, que retirou o país do Acordo de Paris no final de janeiro. Desde o seu primeiro mandato e desde o seu regresso à Casa Branca em janeiro passado, Trump alterou as posições estadunidenses em relação aos temas ambientais, e se posicionou contra o consenso científico global sobre a emergência climática. Em abril, anunciou a liberação unilateral da mineração em águas internacionais no Pacífico, aumentando a urgência do debate internacional sobre a exploração dos fundos marinhos e sobre a transição socioecológica global como um todo.
Na abertura da Conferência, o Presidente francês Emmanuel Macron e o Secretário-geral da ONU, António Guterres, fizeram duras críticas a esse posicionamento, ao passo que o presidente Lula denunciou a “ameaça do unilateralismo” que paira sobre os oceanos.
O Presidente Lula participou do evento e reafirmou o compromisso do Brasil com as questões ambientais, já que nosso país sediará a COP30 em novembro, no Brasil. A COP30 é a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC/1992), e entre seus propósitos estão o avanço nas negociações climáticas globais, o monitoramento do progresso do Acordo de Paris e o estabelecimento de metas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater o aquecimento global. A Conferência ocorrerá em Belém, e é considerada um evento histórico por ser a primeira COP a ser realizada na Amazônia.
O resultado da UNOC foi a adoção do “Plano de Ação de Nice para o Oceano”, composto por uma declaração política e uma lista de mais de 800 compromissos voluntários e financeiros de governos, cientistas, agências da ONU e sociedade civil. A declaração, intitulada Nosso oceano, nosso futuro: unidos por uma ação urgente, reafirma a meta de proteger 30% do oceano e da terra até 2030.
Quanto ao Tratado do Alto-Mar, a ideia era atingir o mínimo necessário de 60 ratificações desse Tratado que foi assinado em setembro de 2023 depois de 20 anos de negociações e assinado por 116 países, inclusive o Brasil, já que até aquele momento, apenas 31 países haviam ratificado o acordo. Segundo anúncio do Presidente francês, essa meta será atingida até setembro, já que 19 novos países depositaram suas ratificações, elevando o total para 50. Além disso, mais de 20 países assinaram o Tratado no decorrer da Conferência, somando 136 signatários. O Brasil prometeu ratificar o texto até o fim deste ano, e a esperança é de que o Tratado entre em vigor em janeiro de 2026.
Por outro lado, expectativas foram frustradas em relação a temas centrais, como mineração em águas profundas, combustíveis fósseis e financiamento para a proteção da biodiversidade marinha. Em Nice, apenas cinco outros países aderiram ao apelo por uma moratória sobre a mineração em fundos marinhos profundos, elevando o total para 37 dos 169 membros da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), que tem jurisdição sobre os fundos marinhos em águas internacionais.
Além da questão da mineração, a ausência de referências explícitas aos combustíveis fósseis na declaração final da Conferência também gerou críticas de ambientalistas. O texto reconhece os efeitos das mudanças climáticas sobre os oceanos, mas não propõe ações concretas de transição energética.
Outros acordos internacionais são esperados em breve, como o Tratado Global contra a Poluição por Plásticos, que busca reduzir a produção e o descarte do material em todo o ciclo de vida, atualmente em negociação. Por último, o Marco Global da Biodiversidade Kunming-Montreal adotado na COP15 (2022), que visa alcançar o objetivo “30x30” que consiste em proteger 30% das áreas terrestres e marítimas e restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030, não avançou significativamente.
O Brasil se engajou a atingir até 2030 a meta das Nações Unidas de 30% de áreas marinhas protegidas e detalhou os seus planos para a preservação dos recifes de coral (Programa Procoral) e dos manguezais (Programa Promanguezal). O país já tem 26,5% da sua zona marinha e costeira dentro de unidades de conservação. Lembremos que na sua presidência no G20, o Brasil priorizou o oceano e sua inclusão nas NDCs - Contribuições Nacionalmente Determinadas -, que são os planos de cada país para reduzir emissões e se adaptar às mudanças climáticas. A nova NDC brasileira, enviada à ONU em novembro de 2024, incluiu pela primeira vez soluções oceânicas para o clima, sinalizando a convergência entre ação climática, biodiversidade e justiça social. Junto com a França, o Brasil lançou em Nice o Desafio NDC Azul, iniciativa para acelerar a ação climática focada em oceano que fez um chamado para que os países coloquem o tema em suas NDCs. Oito países já aderiram à iniciativa, entre eles Austrália, Fiji, Quênia, México, Palau e Seychelles. Também foram apresentados sete compromissos voluntários na Conferência, relacionados à proteção de áreas marinhas, planejamento espacial marítimo, pesca sustentável, ciência e educação, incluindo o objetivo de ter o maior número de “Escolas Azuis” do mundo até 2025. O Presidente ainda afirmou a necessidade de integrar a questão climática nos currículos escolares, destacando nosso vasto território marítimo chamado de “Amazônia Azul”. Não por acaso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social lançou no início de 2024 a iniciativa BNDES Azul, destinada ao desenvolvimento da economia azul, também conhecida como economia do mar. Antes de chegar em Nice o Presidente Lula esteve em Mônaco, onde discursou no encerramento do Fórum de Economia e Finanças Azuis, alertando para a disparidade entre gastos militares e investimentos na preservação dos oceanos.
Entre os saldos da Conferência, a tarefa que parece ter sido deixada para a COP30, no Pará, é a união das pautas do clima e dos oceanos. A expectativa, aliás, é de que muitos dos impasses da UNOC3 recaiam sobre a COP30, fazendo com que a agenda dos oceanos ganhe corpo. Não restam dúvidas de que a saúde dos oceanos deve figurar como prioridade tanto na agenda climática, quanto na agenda da justiça social global. Nesse sentido, a França prometeu que a cúpula fará pela conservação dos oceanos o que o Acordo de Paris fez pela ação climática global na COP21 em 2015. Talvez o maior triunfo da UNOC3 tenha sido, de fato, a consolidação do tema dos oceanos na agenda ambiental global, elevando-a ao status de “mini-COP”.
Os avanços concretos, todavia, dependem de maior compromisso político das grandes potências, financiamento continuado e, como se tem repetido incessantemente, de uma governança global mais inclusiva e equitativa, que enfrente a desigualdade no acesso aos espaços marinhos e aos seus recursos. Olhando para o futuro, a UNOC4, programada para ser coorganizada pelo Chile e pela Coreia do Sul em 2028, deveria focar nessas questões.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




