A traição política de Macron e Bayrou
Bayrou não é Lula
Do Brasil, onde resido e exerço meu mandato de conselheiro eleito dos franceses no exterior (sim, os franceses no exterior têm representantes eleitos, 510 conselheiros e delegados, e até 12 senadores e 11 deputados!), assisto e ouço o discurso de François Bayrou neste dia 25 de agosto de 2025. Segundo Bayrou, primeiro-ministro da França há oito meses, “Nosso país está em perigo porque corremos o risco de superendividamento, estamos à beira do superendividamento”. Há um fato incontestável, bem apresentado pelo site Vie publique: a dívida das administrações públicas francesas ascende a 3.345,8 bilhões de euros, ou seja, 114% do Produto Interno Bruto francês. A França é o terceiro país mais endividado da Europa, depois da Grécia e da Itália, mas fica bem atrás do Japão e dos Estados Unidos. O Brasil está menos exposto, pois seu nível de endividamento deve atingir 92% do PIB no final de 2025.
O que é mais questionável, no entanto, é a interpretação que se faz disso e as consequências que são tiradas por Bayrou e, indiretamente, pelo presidente Macron. Sobre esses pontos, já podemos dizer que o discurso de Bayrou demonstra sua mediocridade política (1) e sua irresponsabilidade política (2). Pior ainda, o discurso de Bayrou demonstra que ele próprio e todo o seu campo político, que reúne todos os “liberais”, desde a União Nacional da Le Pen até o Partido Socialista, passando pelos Republicanos (direita tradicional), o Movimento Democrata (Bayrou), Ensemble (Macron) e outros partidos do chamado “bloco central”, são agentes de uma traição política em relação à soberania do povo francês (3).
Mediocridade política: Bayrou não é Lula
Primeiro, vamos analisar por que o discurso do Sr. Bayrou é expressão de mediocridade política. Recordemos primeiro o contexto: o Sr. Bayrou anunciou na terça-feira, 15 de julho de 2025, um plano de reformas cujo objetivo declarado pelo governo seria “reequilibrar as contas públicas com o objetivo de realizar 43,8 bilhões [de euros] de economias e reduzir o déficit para 4,6% do PIB em 2026” . No dossiê de imprensa publicado para esse discurso de julho chamado “o momento da verdade”, Bayrou se mostra alarmista: “A cada segundo, a dívida aumenta em 5.000 euros. É a última estação antes do precipício” . Que os franceses, cuja maioria tira férias em agosto, tenham um descanso feliz e sereno!
O plano previa voltar em quatro anos ao déficit de 3% estabelecido como meta pela Comissão Europeia. Para isso, indicava ele, “todos deverão participar do esforço”, acrescentando que se tratava de um “esforço suportável por todos” e que “o trabalho deve ser incentivado e facilitado”. Com essas frases de efeito, poderíamos acreditar que finalmente o Sr. Bayrou havia compreendido que os trabalhadores franceses deveriam ser protegidos e que, finalmente, os rentistas participariam do esforço nacional. É verdade que, em janeiro de 2025, uma nota da Direção Geral das Finanças Públicas do Ministério das Finanças fazia uma constatação irrefutável: de 2003 a 2022, os rendimentos dos “THR - Très Hauts Revenus” (Rendimentos Muito Elevados) aumentaram 119% durante o período, enquanto o resto dos franceses viu o seu rendimento médio aumentar apenas de 46% . Isso demonstra claramente o aumento das desigualdades sociais no país e também mostra quem mais se beneficiou das políticas conduzidas por Chirac, Sarkozy, Hollande e Macron. Quer sejam, segundo eles, de um governo de esquerda ou de direita, todas essas políticas tinham um ponto em comum: privilegiavam uma política baseada na oferta e na proteção do mercado pelo Estado e defendiam a ideologia do “gotejamento” (ruissellement), segundo a qual é melhor enriquecer os ricos do que reduzir as desigualdades para garantir um bom crescimento econômico (por “gotejamento” do topo da montanha patrícia para a planície plebeia).
Em 2008/2009, durante a crise financeira dos subprimes, o Estado francês, sob o governo Sarkozy, mobilizou fortemente os impostos dos franceses e a dívida pública para salvar o setor bancário privado, então em grande perigo. Em 2009, após o choque dessa crise financeira, que demonstrou a irracionalidade dos bancos privados e dos grandes detentores de capital, houve algumas propostas de regulamentação do mercado. Sarkozy defendia a consolidação de um governo econômico europeu e até mesmo a criação de um sistema europeu de controle das agências de classificação de risco, sem grandes consequências para a estruturação de um mercado financeiro que, muito rapidamente após ter sido salvo pelo dinheiro dos contribuintes, retomou a maioria das práticas financeiras tóxicas que o levaram à ruína coletiva. Essa ruína do sistema financeiro, vale lembrar, só foi evitada pela injeção de liquidez por parte dos Estados europeus, incluindo a França, sem que a dívida pública fosse aliviada ou revisada (por qual milagre?). O fato é que, em outubro de 2008, o presidente Sarkozy, em vez disso, correu em socorro dos bancos franceses, com uma injeção de 40 bilhões de euros, proveniente do tesouro público financiado pelo trabalho dos franceses, o que correspondia aproximadamente ao pagamento dos juros da dívida pública francesa da época.
Viver no Brasil evidentemente proporciona uma visão do mundo que vai além do âmbito restrito dos debates públicos impostos pela mídia francesa. Durante a crise dos subprimes, podemos lembrar que o presidente Lula não correu em socorro dos bancos, como fizeram seus colegas europeus. Sua política econômica, baseada na consolidação de um mercado interno de consumo e na redistribuição dos frutos de um mercado de matérias-primas em plena expansão, teve um impacto direto sobre os efeitos da crise no Brasil, afirmando com um voluntarismo obstinado que a crise financeira “americana” não seria muito sentida no Brasil. Ela se limitaria a “uma pequena onda”, disse o presidente Lula. François Bayrou não se inspirou para fazer um discurso semelhante ao de Lula ao povo brasileiro no Natal de 2008:
Aconteceu uma coisa desagradável, também fora do Brasil, mas que tem repercussão no Brasil, que foi a crise americana. Como os Estados Unidos são o país mais importante do mundo, US$ 14 trilhões é o PIB americano, é um país em que o mundo inteiro tem negócios, vende e compra para os Estados Unidos, essa crise pode afetar mais países, sobretudo os grandes exportadores para os Estados Unidos. Só para vocês terem uma idéia, as Bolsas perderam US$ 31 trilhões por conta da crise americana. Não dá nem para a gente imaginar o que significam US$ 31 trilhões. Só (em) dinheiro para salvar os bancos, foram colocados US$ 600 bilhões. E 69% dessa crise é nos Estados Unidos, 69% dela é da responsabilidade direta das coisas que aconteceram nos Estados Unidos; 28% na Europa; 3% na Ásia. Portanto, nós aqui deste lado do mundo não temos nada a ver com a irresponsabilidade que permitiu que acontecesse essa crise, que é a crise mais grave que já aconteceu no Planeta. [...] Os Estados Unidos não poderiam ter essa crise se tivessem tido responsabilidade quando precisavam ter responsabilidade. Desde setembro do ano passado, nós estamos falando dessa crise, e só vieram tomar atitude agora, ou seja, em um ano ela foi crescendo e o nosso papel é proteger o nosso País. Eu digo sempre o seguinte: cuidar do nosso povo, cuidar da nossa gente, cuidar do nosso País. Nós passamos muito tempo amargando o pão que o diabo amassou. Nós encontramos o caminho e não vamos permitir que ninguém atrapalhe.
Ainda me lembro desse discurso, assim como dos seguintes. O presidente Lula, até o final de seu segundo mandato em 2010, repetiu incessantemente aos brasileiros: “é apenas uma marolinha, continuem acreditando em seu País, consumam, produzam, ignorem os erros dos outros, erros que não cometemos e cujas consequências não teremos que suportar”. François Bayrou e Emmanuel Macron, desse ponto de vista, são os anti-Lula. Sua mediocridade política, aliada à sua irresponsabilidade, os tornam alguns dos piores líderes franceses de todos os tempos, na linha de Sarkozy e Hollande. Vinte anos sofrendo com suas políticas, mas quem são os responsáveis? Somos nós os franceses, dizem eles, com um cinismo sem limites.
Irresponsabilidade política: todos responsáveis, exceto...
O Sr. Bayrou, em seu discurso de 25 de agosto de 2025, atribuiu a culpa pela situação atual a praticamente todos, exceto a ele mesmo e ao presidente Macron, que está no poder há oito anos! Primeiro, ele atribui a culpa ao continente europeu, “muitas vezes dividido” e que “deveria falar a uma só voz”. Em seguida, ele atribui a culpa a todo o povo francês, em particular aos mais vulneráveis: a dívida “foi consumida ano após ano pelos nossos concidadãos, nossos aposentados, nossos consumidores, os assalariados que não teriam acesso ao emprego”. Por fim, ele grita contra a irresponsabilidade daqueles que organizam o grande movimento social de bloqueio total da França para o dia 10 de setembro de 2025, atribuindo essa desordem que “destrói a sociedade” aos políticos de esquerda, especialmente a Jean-Luc Mélenchon e ao movimento France Insoumise (França Insubmissa) que, na sua visão distorcida, atiçam as brasas da revolta e até pilotam o movimento de 10 de setembro.
Em suas respostas aos jornalistas, Bayrou mostrou-se pouco democrático, referindo-se aos franceses como inconscientes que precisariam de um discurso alarmista do primeiro-ministro como de um choque elétrico: “o risco é a única condição para que os franceses tomem consciência” da gravidade da situação.
O refrão de sua canção era: todos são responsáveis, exceto eles, Macron e sua maioria que, no entanto, governam o país há mais de 10 anos (Macron foi ministro das Finanças do presidente Hollande entre 2014 e 2016). Um exercício incrível de irresponsabilidade política!
A demofobia de Bayrou não se encontra apenas no discurso, pois suas propostas orçamentárias mostram que, em caso de dificuldades, são sempre os mesmos trabalhadores e beneficiários de prestações sociais que têm de pagar. O jornal Le Figaro, que está longe de ser um meio de comunicação contrário a estas medidas, mostrou em que setores seriam realizadas as “economias” orçamentais de Bayrou para “economizar” 43,8 mil milhões de euros:
- “Ano branco” (7,1 bilhões): além dos aposentados, serão os desempregados e as pessoas mais vulneráveis (deficientes, crianças, pessoas sem recursos) que perderão poder de compra, por falta de atualização das diversas pensões, benefícios sociais etc.;
- “Moderação nas despesas sociais” (5,5 bilhões): revisão da veracidade das doenças de longa duração, repressão contra as licenças-saúde consideradas “abusivas” e limitação do aumento das despesas hospitalares. Não ouso imaginar o sofrimento social e físico que irá ser causado por essas medidas;
- “Participação das coletividades” (5,3 bilhões): o Estado repassa parte das economias às coletividades locais (municípios, departamentos e regiões), o que deverá resultar, a longo prazo, em um aumento dos impostos locais, nomeadamente do imposto predial após a anulação da taxa de habitação a partir de 2025, o que constitui mais um exemplo da irresponsabilidade política deste governo, que repassa o peso das suas decisões às coletividades locais;
- “Operadores públicos” (5,2 bilhões): muitos atores institucionais públicos terão que economizar e cortar drasticamente suas despesas;
- “Estado” (4,8 bilhões): essas despesas friamente denominadas “Estado” correspondem a uma perda de qualidade e quantidade dos serviços públicos oferecidos aos franceses, enquanto esses serviços públicos, exangues devido às políticas neoliberais, estão à beira da explosão, especialmente nos setores da saúde, educação e polícia. Esses 4,8 bilhões correspondem, assim, a um congelamento das despesas do Estado, à supressão de 3.000 cargos públicos e à não substituição de um funcionário público em cada três a partir de 2027, política que já foi tentada e abandonada pelo presidente Sarkozy durante seu mandato. Assim, para economizar 4,8 bilhões sem aumentar as receitas, o governo Bayrou está disposto a reduzir o número de... professores, enfermeiros, policiais?
- “Medidas de equidade fiscal” (4,2 bilhões): trata-se da instauração de uma contribuição de solidariedade sobre os rendimentos mais elevados, mas sem restabelecer o imposto sobre grandes fortunas (ISF). É o único esforço atribuído aos “rendimentos muito elevados”, que assim contribuem apenas com 10% deste novo esforço nacional e que, sem dúvida, saberão melhor do que outros limitar, através de artimanhas fiscais, a sua parte neste esforço;
- “Jornadas de trabalho suplementares” (4,2 bilhões): aqui, serão todos os assalariados franceses que perderão salário real, com a cancelamento de dois feriados no ano (segunda-feira de Páscoa e 8 de maio). Essa medida, apresentada por todos os comentaristas como uma cortina de fumaça, deve render cerca de 8 bilhões aos empresários, os quais deveriam repassar 4,2 bilhões ao Estado em encargos sociais (a menos que outros dispositivos venham complementar essa medida, caso em que ela se transformaria em um novo presente de 4+4 bilhões para as grandes empresas, sem contrapartida);
- “Medidas sobre nichos fiscais” (3,4 bilhões): Não, não se trata de uma revisão dos orçamentos faraônicos pagos às empresas sem contrapartida nos últimos anos. Trata-se, nomeadamente, de pôr fim à participação do Estado nas medidas de crédito fiscal para a pesquisa e crédito fiscal para o emprego nacional;
- “Luta contra a fraude” (2,3 bilhões): Não, o Sr. Bayrou não vai adotar o imposto chamado “universal” proposto pela França Insubmissa, que permitiria combater eficazmente a evasão fiscal e a fuga dos capitais franceses nos paraísos fiscais. Uma lei prevista para outubro de 2025 terá como principal objetivo reprimir as fraudes sociais, em meio a um conjunto de medidas contra a evasão fiscal (fadadas ao fracasso por não serem acompanhadas de recursos humanos suplementares). É de se prever que situações sociais dramáticas serão provocadas por essa medida, tirando o acesso a serviços e benefícios sociais de pessoas vulneráveis que preencheram incorretamente ou não preencheram o formulário correto dentro do prazo adequado. Qual será o custo social e humano dessa catástrofe anunciada?
- “Reformas estruturais” (1,8 bilhão): Opacas, essas reformas devem afetar todos os processos administrativos do Estado central.
Como podemos ver, esses dez trens de medidas visam um inimigo interno declarado, os franceses mais vulneráveis, os trabalhadores assalariados e os pequenos empresários, para resolver um problema, a dívida, para o qual contribuíram amplamente os incentivos fiscais ofertados às grandes empresas multiplicados nos últimos oito anos pelos governos de Macron, sem nenhum contrapartida em termos de criação de empregos, investimentos ou outros benefícios para a economia nacional.
De acordo com a associação ATTAC, “desde a eleição de Emmanuel Macron em 2017, as reduções de impostos e contribuições representam pelo menos 308,62 bilhões de euros de perda de receita para as finanças públicas” . De acordo com essa estimativa, teríamos, portanto, criado um aumento de mais de um quarto da dívida pública, dando sem contrapartida, nos últimos oito anos, sete vezes mais bilhões a essas grandes empresas do que a parte da dívida que Bayrou quer recuperar em seu plano de austeridade anunciado em julho de 2025! Nesse sentido, Bayrou, Macron e seus aliados não são apenas politicamente irresponsáveis; eles são, no que diz respeito à dívida pública, perigosos bombeiros-piromaníacos.
Traição política: transformar a França numa colónia plutocrática
Seria difícil negar, olhando para as políticas propostas por todos os governos desde pelo menos 2017: Macron, Bayrou ou, melhor dizendo, todo o bloco liberal (de uma parte do RN de Le Pen à Place Publique de Glucksmann) escolheu o seu lado, e não é o dos franceses. Podemos, portanto, falar de uma traição política por dois motivos principais: o desmantelamento da democracia e da soberania do povo e a transformação da França em uma colônia submetida aos grandes interesses econômicos e financeiros. Nos dois casos, trata-se do mesmo projeto político: retirar do povo francês todo o poder de decisão sobre a construção soberana de seu destino.
Os governos Macron e o famoso “bloco central”, seguidos aqui e acolá pelos sociais-liberais e parte da extrema direita, têm se empenhado há vinte anos em desestruturar a democracia francesa. Agitando como um mantra a “ameaça da extrema direita” nos meios de comunicação controlados pelas maiores fortunas da França, os diferentes governos usaram e abusaram do artigo 49-3 para cercear os debates parlamentares, quando não tinham uma maioria escandalosamente majoritária como durante o primeiro mandato de Emmanuel Macron (62% da Assembleia Nacional entre 2017 e 2022). De forma sistemática, os governos que se sucederam fizeram ouvidos moucos às reivindicações do povo e basearam suas políticas em sua legitimidade constitucional, muitas vezes contra as mensagens transmitidas pelos franceses nas ruas ou contra as promessas eleitorais feitas ao povo francês.
As promessas de Hollande (2012-2017) de “enfrentar as finanças” ficaram no papel, e suas medidas antissociais contribuíram para tornar confusa a divisão entre direita e esquerda aos olhos dos franceses, os quais agora não sabem mais em quem acreditar, ou em que projeto político confiar. Essa dinâmica foi acelerada por Macron, que se apresentava como “nem de direita nem de esquerda”, mas que conduziu uma das políticas de direita mais duras já implementadas na França sob a Quinta República (1958-...). O presidente Macron já havia ignorado a gigantesca revolta social dos coletes amarelos entre 2018 e 2019. Desde 2022, ele tem ignorado sistematicamente as manifestações de rua, como durante os protestos em massa contra a reforma da aposentadoria em 2023. Nas eleições legislativas de julho de 2024, ele ignorou o resultado das urnas, saindo de seu papel de árbitro institucional e recusando-se a nomear, como é tradição, a aliança eleitoral que ficou em primeiro lugar, a Nova Frente Popular. Ao longo do último ano, os franceses tiveram três primeiros-ministros e preparam-se para receber um quarto nas próximas semanas. Este caos institucional baseado na negação democrática, no uso abusivo do artigo constitucional 49-3, no desprezo pelas manifestações e movimentos sociais, na evitação sistemática do debate parlamentar e no total desrespeito pelos resultados das eleições exaspera os franceses, que desejam legitimamente ser ouvidos e respeitados como povo soberano.
A segunda traição do “bloco liberal” não é menos grave. Quando Bayrou, em 25 de agosto de 2025, afirma que “nosso país está em perigo porque corremos o risco de endividamento excessivo, à beira do endividamento excessivo”, ele coloca deliberadamente em risco econômico toda a nação, seus trabalhadores e seus empresários. A simples declaração de Bayrou provocou uma reação extremamente preocupante dos mercados financeiros. O jornal Le Figaro anunciou na hora seguinte que “O anúncio de François Bayrou sobre a responsabilidade de seu governo em 8 de setembro fez com que, entre 16h e 16h40, a taxa de empréstimo da França a 10 anos subisse de 3,483% para 3,493%, ou seja, um ponto base” . No dia seguinte, 26 de agosto, o CAC-40 sofreu uma queda de 2% na abertura da bolsa de Paris e, com um lamentável toque de varinha mágica do primeiro-ministro, a França (3,51% naquele momento) só poderá tomar empréstimos de 10 anos nos mercados financeiros a uma taxa de juros superior à da Grécia (3,46%), chegando quase ao nível da Itália, o país europeu que toma empréstimos à taxa mais alta por enquanto (3,60%) .
O Sr. Bayrou sabia que esse tipo de anúncio iria agravar a situação econômica do nosso país e colocar o povo francês com uma rédea mais apertada dos maiores credores financeiros. É preciso, portanto, analisar sua estratégia: o que ele esperava ao anunciar ao mundo e, sobretudo, ao mercado, que a França estava a caminho do agravamento de seu superendividamento? Na realidade, a estratégia é clara e diz muito sobre o campo que o Sr. Bayrou, o Sr. Macron e todos os políticos liberais escolheram. Com este anúncio, o Sr. Bayrou coloca-se do lado do mercado, exortando o povo francês a fazer os esforços necessários para evitar uma crise de superendividamento que ele próprio agravou com o seu anúncio. Trata-se de uma estratégia clássica de bombeiro-piromaníaco: se não querem a catástrofe que criámos, saltem de pés juntos para a nova fase de aprofundamento da catástrofe, e acatam as terríveis consequências. Bayrou e Macron dizem aos franceses: «A nossa política não funciona, dizem vocês? Nossa política funciona muito bem: estamos ao lado dos grandes atores do mercado financeiro que desejam continuar aumentando as desigualdades e a riqueza dos Rendimentos Muito Elevados! Nossa política, sem dúvida, não é do interesse daqueles que trabalham, daqueles que sofrem, mas quem se importa? Esses franceses podem muito bem manifestar ou bloquear o país em 10 de setembro, a catástrofe que construímos já está aí”. Além disso, os franceses podem contar com os meios de comunicação dirigidos por bilionários para atiçar as brasas da insegurança, para que, na hora das próximas eleições, os franceses votem em um governo de direita, seja ele social-liberal como Hollande e Glucksmann, ou de direita extrema como Le Pen, Bardella, Darmanin ou Retailleau.
Sim, é uma traição desistir diante das pressões antipopulares do mercado, e é uma traição pedir aos trabalhadores e aos franceses mais vulneráveis que façam novos esforços, quando seu poder de compra e seus serviços públicos não pararam de se deteriorar nos últimos anos e quando, no mesmo período, os bilionários franceses mais que dobraram suas fortunas. Para esses bilionários, tudo está bem, mas os franceses percebem que nem todos estão na mesma situação quando se trata de fazer esforços para “salvar o país”. Contra a soberania popular, e a favor dos grandes atores econômicos que controlam o mercado, Bayrou e Macron estão transformando a França em uma colônia mercantil, dominada e subjugada aos ditames do mercado internacional, enquanto os franceses estão bem cientes de que seu trabalho não é valorizado, que suas escolhas políticas não são respeitadas e que são vítimas de governos mais inclinados a obedecer ao mercado do que a respeitar as escolhas democráticas de seus cidadãos.
É por isso que o dia 10 de setembro será uma data-chave na história política francesa, muito mais do que a queda anunciada do governo Bayrou durante a votação de confiança na Assembleia Nacional ao qual ele anunciou se submeter em 8 de setembro, para tentar reduzir o impacto do dia 10. Os franceses têm a sensação de terem sido traídos e sabem muito bem que os mais ricos veem seus privilégios preservados pelas políticas neoliberais de Sarkozy, Hollande e Macron. Não estou dizendo que o dia 10 de setembro será um “4 de agosto de 1789” e marcará o fim dos privilégios dos plutocratas do nosso país como declarou-se o fim dos privilégios feudais na revolução francesa. Mas o dia 10 de setembro poderá criar as condições políticas para uma mudança na República, na qual a democracia, a igualdade, a justiça social e a unidade nacional do povo francês deverão ser os principais objetivos. Que venha, então, essa sexta República, que estabelecerá as bases para a soberania do povo, uma democracia saudável e aberta e uma solidariedade nacional renovada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

