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José Luis Oreiro

Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Pesquisador Nível IB do CNPq, Membro Senior da Post Keynesian Economics Society e Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

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A Ucrânia já ganhou?

"Independente dos sentimentos que cada um de nós possa ter por Putin, precisamos analisar os fatos com o cérebro e um coração de gelo, não com o fígado"

Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky (Foto: Reuters)
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Por José Luis Oreiro, no site A Terra é Redonda

Comentários ao artigo de Luiz Carlos Azedo no jornal “Correio Braziliense”

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Em geral, gosto muito dos artigos do competente jornalista Luiz Carlos Azedo que sabe fazer análises refinadas sobre os bastidores da política em Brasília. Seu artigo intitulado “Nas entrelinhas: Não adianta ficar Putin, a Ucrânia já ganhou”, contudo, não foi o caso. Publicado  em 01 de março de 2022 é um exemplo clássico do erro que o personagem Don Victor Corleone no filme “O poderoso Chefão 3” advertia ao seu sobrinho (que iria sucede-lo na chefia da famiglia Corleone) jamais deveria cometer: “não odeie seus inimigos, pois isso afeta o seu julgamento”.

Independente dos sentimentos que cada um de nós possa ter por Putin e pela clara violação ao direito internacional que a Rússia cometeu ao invadir um país soberano, violando a Carta da ONU e todo o direito internacional, precisamos analisar os fatos com o cérebro e um coração de gelo, não com o fígado.

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O artigo começa com a frase “política e moralmente, o presidente russo já está derrotado; pode até ocupar Kiev (…) porém, cedo ou tarde terá que bater em retirada”. Aqui Azedo mistura alhos com bugalhos. O objetivo de uma guerra não é (necessariamente) ganhar pontos com a opinião pública mundial ou mostrar superioridade moral sobre o resto da comunidade de nações, mas (i) destruir as forças do inimigo e (ii) ocupar os objetivos estratégicos definidos nos planos de ação militar. No que se refere aos objetivos da guerra não só a Ucrânia está muito longe de alcança-los, como, ao contrário, é a Rússia que, após apenas 5 dias de conflito, está as portas de Kiev e Karkov, as mais importantes cidades do país e praticamente já cortou o acesso da Ucrânia ao mar de Azov e está prestes a conquistar todo o litoral da Ucrânia no mar negro, deixando o país sem nenhuma saída para o mar.

A não ser que a OTAN esteja disposta a escalar o conflito, mandando tropas para lutar na Ucrânia, o que converteria o conflito na Terceira Guerra Mundial, é uma questão de tempo até que a Rússia assuma o controle das regiões que realmente importam na Ucrânia do ponto de vista militar. Nesse contexto, A Rússia, não a Ucrânia, já ganhou.

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Para um observador externo a “demora” da Rússia em tomar Kiev e Kharkov é um sinal claro de que a resistência ucraniana está sendo mais forte do que a esperada pelos russos. Isso pode ser em parte verdade, mas a história militar da Segunda Guerra Mundial mostra ad-nausean que a tomada de um grande centro urbano exige combates rua a rua, casa a casa os quais tendem a cobrar um preço muito alto das forças invasoras. Para reduzir esse custo as forças atacantes devem lançar, inicialmente, uma pesada barragem de artilharia sobre a cidade a ser conquistada de forma a reduzir a pó a infraestrutura defensiva.Foi exatamente isso que o exército soviético fez sobre Berlim em abril de 1945 (vejam https://www.youtube.com/watch?v=1bMjda0rCjY) e mesmo assim levou quase um mês para conquistar a capital do III Reich.

Uma hipótese plausível é que Putin não esteja querendo lançar, neste momento, um ataque dessa magnitude para não criar um ressentimento incurável entre os ucranianos, os quais ele deseja que voltem a fazer parte do “Grande Império Russo” que ele planeja reconstruir há muito tempo.

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Mas voltemos ao texto do Azedo. A segunda parte de sua argumentação é que “cedo ou tarde” a Rússia será obrigada a se retirar da Ucrânia. Ok, isso é uma hipótese possível. A questão a ser feita é: por que isso ocorreria? Aqui Azedo faz duas analogias históricas desprovidas de qualquer sentido. A primeira é com o Iraque na primeira guerra do golfo. De fato, o Iraque ocupou o Kuwait em 1991 e alguns meses depois foi obrigado a bater em retirada. Mas isso não ocorreu pela sublevação da população local, mas pela ação militar coordenada pelos Estados Unidos, Reino Unido e França que concentraram na Arábia Saudita uma força militar várias vezes superior – em número e qualidade do equipamento militar – as forças do Iraque. Não me parece que a OTAN esteja, no momento, disposta a intervir militarmente para salvar a Ucrânia, mas apenas a mandar pouco mais do que “apoio moral” para o país.

A segunda analogia sem sentido é com a retirada de Napoleão Bonaparte da Rússia em 1812. Aqui cabem algumas observações: (i) Le Gran Armeé nunca conseguiu destruir o exército russo, o qual constantemente se negava a dar combate ao invasor francês, ciente que a Rússia era grande o suficiente para fazer recuos táticos sem comprometer o curso da guerra e (ii) A França não estava preparada para uma guerra longa e muito menos para enfrentar o general “inverno russo”. Não me parece que nenhuma dessas situações está posta na guerra da Ucrânia, até porque se tem uma coisa que os russos estão bastante acostumados é com seu próprio inverno, o qual costuma ser mais ameno na Ucrânia dada sua posição mais ao sul.

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Embora Azedo não tenha tratado no seu artigo, uma força que poderia levar Putin a bater em retirada seria o custo das sanções econômicas sobre a Rússia. O congelamento de parte das reservas internacionais do Banco Central da Rússia e a exclusão de alguns bancos russos do sistema Swift produziram uma corrida aos bancos na Rússia, uma forte desvalorização do rublo e o aumento da taxa básica de juros para 20% ao ano, o que certamente irá elevar a inflação na Rússia e produzir uma contração do nível de atividade econômica, afetando de forma bastante negativa o povo russo.

Mas aqui cabem duas observações. Em primeiro lugar, existe muito jogo de cena nas sanções econômicas do Ocidente sobre a Rússia. A exclusão do sistema Swift não atingiu os pagamentos dos países europeus ao gás importado da Rússia, o que garante, por si só, a continuidade de parte importante das exportações da Rússia para a Europa. Além disso, o suposto congelamento dos ativos dos oligarcas russos atinge apenas os ativos que eles tenham em bancos na Europa e nos EUA, não o grosso de suas aplicações financeiras que estão em paraísos fiscais como as ilhas virgens britânicas, onde ministros da economia de países sul-americanos também costumam manter seu dinheiro para a aposentadoria.

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Em segundo lugar, ao contrário do Brasil que amarrou as mãos dos policy makers com regras fiscais como o Teto de Gastos e com a “autonomia do Banco Central”, as autoridades russas podem lançar mão de vários instrumentos de política econômica – como a adoção de controles de saída de capitais do país sobre residentes na Rússia, adotada para amortecer os efeitos dessas sanções sobre a economia russa.Por fim, devemos deixar claro que essas sanções econômicas têm um efeito boomerang sobre o Ocidente: o aumento dos preços do petróleo, gás, trigo, milho, óleo de girassol e soja irá produzir um aumento da inflação não apenas na Rússia, mas no mundo inteiro, podendo obrigar os Bancos Centrais da Europa, Inglaterra e Estados Unidos a antecipar a elevação da taxa de juros prevista apenas para o segundo semestre. A elevação dos juros combinada com a aceleração da inflação seria um balde de água fria na recuperação das economias dos Estados Unidos e União Europeia após os efeitos dramáticos da crise da covid-19. Em outras palavras, as sanções econômicas do Ocidente sobre a Rússia também irão se voltar contra os países ocidentais.

O lado doméstico desse imbróglio é que as chances de reeleição de Jair Messias Bolsonaro irão virar pó nos próximos meses quando os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia atingirem em cheio a economia brasileira. É melhor o “Messias” já ir se acostumando com a ideia de ter que passar a faixa presidencial para Luís Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023.

*José Luis Oreiro é professor de economia na UnB. Autor, entre outros livros, de Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana (LTC).Publicado originalmente no blog do autor.

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