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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

92 artigos

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A verdade sempre aparece

Os podres poderes na expressão consagrada de nosso poeta Caetano Veloso voltaram a se expor de forma escancarada

Lula (Foto: ABr | Reprodução)

O título “A verdade sempre aparece” encontra respaldo direto na história recente do país e na própria trajetória de Luiz Inácio Lula da Silva. A frase foi dita por Lula durante sua condenação injusta no âmbito da Operação Lava Jato, conduzida pelo então juiz Sergio Moro, em um processo cujo objetivo evidente era retirá-lo da disputa presidencial de 2018, quando liderava todas as pesquisas de intenção de voto.

Preso injustamente e impedido de concorrer, Lula indicou o professor Fernando Haddad para substituí-lo. Haddad, um candidato ético, com trajetória consistente nos cargos públicos que ocupou, como ministro da Educação entre 2005 e 2012 e prefeito de São Paulo de 2013 a 2016 não contou, entretanto, com o beneplácito da ala política conservadora, reacionária e antipetista, representada pela elite financeira do país e pelos conglomerados da mídia corporativa. Esses setores abriram caminho para a vitória de um deputado medíocre e corrupto do baixo clero, Jair Bolsonaro.

Pouco tempo depois, a engrenagem política por trás da farsa judicial ficou escancarada, o mesmo juiz que condenou Lula aceitou o cargo de ministro da Justiça no governo diretamente beneficiado por sua sentença. Anos mais tarde, com as condenações anuladas, a suspeição reconhecida e os fatos devidamente expostos, confirmou-se aquilo que Lula afirmara desde o início. A verdade sufocada momentaneamente pelo abuso de poder, pela manipulação política e pela atuação da grande mídia, com destaque para a Rede Globo, que diariamente tratou de desconstruir a imagem de Lula e de seu partido no Jornal Nacional não foi derrotada, apenas aguardou o tempo necessário para vir à tona.

Esse mesmo padrão se repete no silêncio eloquente da Globo ao deixar de noticiar os grampos ilegais ordenados por Sergio Moro contra autoridades com foro privilegiado, além de juízes e desembargadores. Moro e a rede da família Marinho mantiveram uma relação estreita de exclusividade na divulgação de atos oriundos da extinta Operação Lava Jato, muitos deles marcados por arbitrariedades e pela reiterada violação do devido processo legal.

Os recentes achados envolvendo Moro decorrem de um inquérito em andamento no Supremo Tribunal Federal, instaurado com autorização do ministro Dias Toffoli. A apuração busca esclarecer possíveis ilegalidades em procedimentos conduzidos pela 13ª Vara Federal de Curitiba, a partir de informações prestadas pelo delator, o ex-deputado estadual Tony Garcia.

No curso da investigação da Polícia Federal, destinada à apreensão de documentos vinculados a processos sob a condução de Moro, foi localizado também um vídeo que registra uma confraternização de caráter íntimo, divulgada pela mídia como a “festa da cueca” envolvendo magistrados, inclusive integrantes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, instituição que condenou Lula em ações da Lava Jato posteriormente anuladas pela Suprema Corte em 2021.

Com uma atuação absolutamente adversa ao direito, ilegal e antijurídica, Sergio Moro passou de “herói do combate à corrupção”, premiado pela Rede Globo como Homem do Ano em 2015, a ex-juiz suspeito, ex-ministro bolsonarista inepto e senador da extrema direita completamente desmoralizado.

Em reação às descobertas, Moro recorreu às redes sociais para se defender, classificando as acusações como “factoides” e “fantasiosas”. Alegou que os fatos remontariam a cerca de duas décadas e que, à época, prevalecia no STF o entendimento de que gravações realizadas por um dos interlocutores dispensariam autorização judicial. Sustentou ainda que o áudio mencionado não teria sido utilizado em processos posteriores. Auto defesa falaciosa.

Essa linha defensiva, contudo, esbarra na tese levantada pela Polícia Federal, que trabalha com a possibilidade de crime continuado. Nesse cenário, embora a defesa possa alegar prescrição das práticas ilegais cobertas pela prescrição, há outros fatos que estão sendo desvelados que asseguram a continuidade delitiva do ex juiz, hoje senador.

O conjunto dessas informações recolocou sob intensa exposição o passado obscuro de Moro à frente da Lava Jato, reacendendo debates e provocando forte repercussão no meio político e na imprensa progressista, ao mesmo tempo em que persiste o silêncio constrangedor da Globo.

Essas revelações também conduzem a uma reflexão necessária sobre o papel das Corregedorias do Judiciário, responsáveis pela fiscalização das Varas Federais. Compete ao Corregedor assegurar o regular funcionamento dos juízos e o cumprimento das normas administrativas. No caso da 13ª Vara Federal de Curitiba, a fiscalização caberia à Corregedoria Regional vinculada ao TRF-4, dentro de uma cadeia hierárquica que culmina no STF. Ainda assim, corporativismos profundamente enraizados parecem ter blindado práticas irregulares por anos. Parte dos atos atribuídos a Moro, inclusive, prescreveu em razão do tempo decorrido até a abertura do atual inquérito sob relatoria de Dias Toffoli.

Os podres poderes na expressão consagrada de nosso poeta Caetano Veloso voltaram a se expor de forma escancarada. Aos 80 anos, Caetano foi às ruas no último domingo, ao lado de milhares de brasileiros espalhados por diferentes regiões do país, para denunciar a desfaçatez institucional do Congresso Nacional, hoje convertido no verdadeiro antagonista dos interesses populares. Indignado, o artista se manifestou nas redes sociais contra a aprovação, em 17 de dezembro, do Projeto de Lei que altera a Lei de Execução Penal e o Código Penal para modificar critérios de dosimetria da pena e a progressão de regime. 

O relator do projeto no Senado, Esperidião Amin (PP-SC), acolheu a questionável “emenda de redação” apresentada por Sergio Moro (União-PR), que restringe a aplicação do PL aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro e exclui crimes comuns do benefício da redução de penas. A proposta foi aprovada por ampla maioria, com 48 votos favoráveis contra 25 contrários e segue agora para a fase de sanção presidencial.

Essas engrenagens de poder corrompidas seguem operando sem pudor, em prejuízo direto da população. A aprovação do PL indicou um possível arranjo de bastidores entre Congresso, STF e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Wagner, contudo, afirmou ter agido por conta própria, alegando que buscava viabilizar outras pautas de interesse do governo, como o corte de incentivos fiscais e o aumento da tributação sobre bets, fintechs e juros sobre capital próprio. Afirmou, ainda, que não adiantaria atrasar a votação, pois a oposição tinha mais votos para aprovação do PL.

A ministra da Secretaria de Gleisi Hoffmann referiu nas redes sociais que: “a condução desse tema pela liderança do governo no Senado na CCJ foi um erro lamentável, contrariando a orientação do governo que desde o início foi contrária à proposta. O presidente Lula vetará esse projeto. Condenados por atentar contra a democracia têm de pagar por seus crimes”. Um dia após a aprovação da dosimetria no Senado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixou claro que pretende vetar integralmente o texto. 

O grande favorecido por essa mudança é o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Condenado a 27 anos e três meses pela Suprema Corte, ele poderá cumprir somente dois anos e quatro meses em regime fechado. Caso o projeto fosse derrotado no Congresso, Bolsonaro permaneceria preso, no mínimo, até 2033. A investida da oposição não foi motivada pela redução das penas dos golpistas do 8 de janeiro, os ditos “bagrinhos”, a razão principal que moveu a extrema direita e centrão foi a de beneficiar única e exclusivamente o Bolsonaro.

Diante disso, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), ao lado de outros líderes da Câmara, ingressou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal contra a aprovação, pelo Senado, do Projeto de Lei da Dosimetria (PL 2.162/2023). Na ação, foi sustentado que o trâmite legislativo apresentou falhas formais relevantes e violou o rito regimental, uma vez que, após sofrer alterações no Senado, o texto deveria ter retornado à Câmara dos Deputados para nova apreciação antes de ser encaminhado à sanção presidencial.

O professor Gustavo Sampaio, da Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao portal UOL, referiu que o PL da Dosimetria aprovado no Senado: “É um pleno casuísmo e equivocado em todo sentido. Isso pode gerar uma ação direta de inconstitucionalidade”.  Também argumentou que a emenda de redação proposta por Moro é na realidade uma modificação no mérito do projeto aprovado na Câmara.  

O projeto segue agora para sanção ou veto presidencial. Pela Constituição, o presidente tem até 15 dias úteis para decidir. Em caso de veto, o Congresso terá até 30 dias corridos para apreciá-lo em sessão conjunta. Caso o prazo expire sem votação, o veto passa a trancar a pauta. Analistas avaliam que há chances concretas de manutenção do veto, o que torna o futuro do PL incerto.

Como se não bastasse a revolta do poeta Caetano Veloso e de milhares de brasileiros, que sob sol escaldante de norte a sul saíram de suas casas em pleno domingo para protestar nas ruas do país contra as manobras e artimanhas do Congresso Nacional contrárias às reais demandas do povo, os parlamentares optaram por virar as costas ao clamor popular de “sem anistia” e “não ao PL da dosimetria”, cedendo à lógica do toma lá dá cá para beneficiar um membro da família Bolsonaro.

Esse cenário se agrava diante de episódios recentes que expõem a degradação ética do Parlamento, como o caso envolvendo os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ), investigados por supostas movimentações irregulares de cotas parlamentares para cobrir “despesas inexistentes”. Em 19 de dezembro, por autorização do ministro Flávio Dino, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos parlamentares e a seus assessores.

Neste último artigo do ano, retomo conscientemente o verbo esperançar, não como gesto retórico, mas como afirmação política e histórica. Ainda que os protestos populares nas ruas possam, à primeira vista, parecer incapazes de produzir efeitos imediatos, é no médio e no longo prazo que sua força política se consolida e se revela. Nessa perspectiva, penso que as manifestações populares de setembro e dezembro tenderão a repercutir no processo eleitoral de 2026, quando a sociedade brasileira rememorará as vozes que ecoaram, sob condições adversas, em defesa da democracia, da justiça social e de um Parlamento comprometido com os interesses coletivos. A experiência histórica demonstra que tais mobilizações não se dissipam no tempo, acumulam sentido político, orientam escolhas e reafirmam que, mesmo diante de tentativas de silenciamento e distorção institucional, como advertiu Luiz Inácio Lula da Silva, a verdade, ainda que adiada, invariavelmente vem à tona.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.