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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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A vida presta. Pessimismo é coisa de rico

'A expressão popularizada por Fernanda Torres durante sua jornada rumo ao Oscar tornou-se um símbolo de um otimismo possível', escreve Sara Goes

Fernanda Torres (Foto: Reprodução)

Faltam algumas horas para a entrega do Oscar, e confesso que não tenho energia para ficar acordada até tarde. Os dentes de cima do Luiz Inácio estão crescendo, e ele está numa fase insone que esgota minha energia. Mas a vida presta. Já mencionei em outro artigo que estou sempre atenta ao chat do Boa Noite 247, e certa vez um superchat me fez cair na risada: "Pessimismo é coisa de rico". A frase virou bordado, que virou presente que fez outra pessoa achar graça e refletir. A frase, lançada no calor das discussões, ilustra uma verdade profunda sobre o discurso político no Brasil. O pessimismo que cerca os governos de Lula não é apenas reação às dificuldades políticas. Há uma leveza ilusória nesse pessimismo, que permite à elite se distanciar das responsabilidades concretas do presente, enquanto o peso das decisões reais recai sobre os que não podem se dar ao luxo da descrença. Ele é, em grande parte, um privilégio de quem pode se dar ao luxo de não enxergar as mudanças concretas que ocorrem. Enquanto parte da elite intelectual e econômica prevê o caos a cada novo dia, a realidade se impõe de maneira muito diferente para quem tem menos.

O roteiro do pessimismo se repete, funcionando como uma profecia autorrealizável: ao insistir na narrativa de que tudo dará errado, os agentes políticos e econômicos agem de forma a tornar essa previsão mais provável, alimentando um ciclo de desconfiança e sabotagem. Contra Lula, sempre há a convicção de que o pior acontecerá: o golpe é iminente, a economia afundará, o Congresso o engolirá, seus aliados o trairão, sua base desmoronará. Quando esses eventos não se concretizam, não há alívio, apenas uma nova previsão sombria, um novo argumento para sustentar o ceticismo.

A desconstrução desse pessimismo pode ser ilustrada pelo caso Bolsonaro. A princípio, a crença era de que o ex-presidente jamais seria sequer citado nas investigações do 8 de janeiro. Depois, de que os militares seriam intocáveis. Um a um, esses prognósticos foram ruindo. Bolsonaro foi investigado, depois citado, depois denunciado. Vieram as contestações: o STF não tem competência, Alexandre de Moraes é suspeito, a delação precisa ser anulada. Mas o processo avançou, e os indiciamentos se acumularam. Agora, o desespero se volta à fase final: não deveriam ser julgados na Turma, mas no Pleno; há nulidades, há cerceamento de defesa. Cada etapa que avança exige um novo argumento que justifique a incredulidade anterior. Nesse enredo, Gonet também era um golpista, não mais ou menos do que o vice Geraldo Alckmin, cujo feitiço de jovialidade lançado por Lula se quebraria a qualquer instante.

A verdade é que os advogados de Bolsonaro não precisam de argumentos jurídicos sólidos. Precisam de repercussão. Seu objetivo não é convencer os tribunais, mas sim influenciar a opinião pública, criar um manto de legitimidade sobre suas teses. O oposto do que ocorreu na República de Curitiba, onde as teses da Lava Jato foram aceitas sem contestação popular, enquanto hoje há uma atenção constante ao devido processo.

Enquanto isso, a vida segue para aqueles que não têm tempo para alimentar previsões catastróficas. O pessimismo é um luxo de quem não precisa se preocupar com o básico, uma leveza insustentável para quem carrega o peso da realidade cotidiana. A expressão "A vida presta", popularizada por Fernanda Torres durante sua jornada rumo ao Oscar pelo filme Ainda Estou Aqui, tornou-se um símbolo de um otimismo possível—não porque a vida seja maravilhosa, bonita ou fácil, mas porque, apesar de tudo, ela presta. Porque é isso: a vida presta. Não porque seja fácil, mas porque há momentos em que ela presta que só. Como quando vejo um sorriso meio banguela com 2 dentes e meio, ou quando percebo que, entre tantas previsões sombrias, o mundo real tem suas brechas de esperança. E, no meio de tudo isso, seguimos em frente – com dentes novos, com lutas novas, e com a certeza de que há muito mais a construir do que a temer.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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