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William Robson Cordeiro

Jornalista, músico e Professor. Doutor em Jornalismo pela UFSC e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)

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A violência é tão fascinante e nossas vidas tão normais

Num país onde a violência é presente e a cultura da bala é dispensada em linhas inocentes de músicas tipo "Que Tiro foi Esse?", o Brasil decide jogar gasolina no fogo e passar o controle da segurança pública para o cidadão

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Num país onde a violência é presente e a cultura da bala é dispensada em linhas inocentes de músicas tipo "Que Tiro foi Esse?", o Brasil decide jogar gasolina no fogo e passar o controle da segurança pública para o cidadão. Não falo no "cidadão de bem", como o Bolsonaro costuma falar. Cidadão de bem, eufemismo de antipovo, é aquela figura que acredita que precisa andar armado para enfrentar (ele e somente ele) as questões complexas que envolvem a criminalidade pandêmica.

Nesta terça-feira (15), o presidente Bolsonaro assinou um decreto bastante vago e subjetivo que garante a posse de arma por brasileiros que sintam a necessidade de se armar. Talvez, os que fizeram sinal da arminha durante a campanha presidencial, os bombadões da academia e os ingênuos imersos em filmes de Rambo, esperavam sair com um 38 na cintura. Não será dessa vez.  Mas, parece que o decreto tem uma finalidade bem específica para atender a uma casta superior, a dos tais "cidadãos de bem".

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Bolsonaro afirmou durante a assinatura do decreto que "o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa" e por isso "como presidente vou usar essa arma". Para ele, o povo quer comprar armas, mas não se trata do povo pobre que mal tem o que comer. A atenção de Bolsonaro, como era de se esperar, é para a classe mais rica e, sobretudo, as que tem propriedades de terra. Está lá no decreto.

Estabeleça um exercício mental para relacionar o decreto da posse de armas com a intencionalidade do governo de extrema-direita de taxar movimentos sociais de "terroristas". A legítima defesa aos latifundiários (com direito a possuir até quatro armas de diferentes calibres) está garantida, como garantida está a liberdade de "metralhar" qualquer ação ou protesto.

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Ocupações a terras improdutiva? Bala. Ocupação a prédios abandonados? Bala. Protestos dos mais variados? Bala. Os cidadãos de bem, enfim, poderão se defender destes comunistas petralhas que visam tomar o nosso patrimônio. E simplesmente poderão alegar "legítima defesa".

Evidentemente que Bolsonaro não atendeu a promessa de campanha para a maioria do seu eleitorado que ainda baba ódio. Atendeu à pressão da bancada da bala para dar carta branca para atirar em integrantes dos Sem-Terra, Sem-Teto, seus maiores inimigos.  

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Acoplado ao decreto não há qualquer menção sobre políticas de controle destas armas, base de dados (não há sequer noção da quantidade das armas que circulam atualmente), nem projeto de segurança. Apenas uma facilitação para que donos de terras e comerciantes (não falemos dos pequenos grupos de servidores específicos) pudessem comprar seu pequeno arsenal, caso justificasse "necessidade". 

Neste sistema caótico de violência no Brasil não é exagero imaginar que a situação tende a se agravar. Afinal, armas têm apenas um objetivo e se elas são espalhadas a granel pelo país, não serão para pendurá-las na parede. E como apontam estatíticas a respeito: quanto mais armas, mais violência.

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Neste cenário, o Estado mostra-se incapaz de enfrentar o crime e crê que o pequeno comerciante pode enfrentar sozinho esta complexidade, simplesmente comprando um revólver e enfrentando um eventual assaltante que o surpreenda. Dá para imaginar quanto finais felizes teremos em casos assim, de reação a assaltos?

A iminência do risco e dos acidentes que poderão vir está intrínseca até no decreto: que a residência do requerente tenha cofre ou local com tranca, caso abriguem crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental.

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Afora pontos subjetivos como a "efetiva necessidade", o decreto é uma satisfação meia-boca para os eleitores raivosos que votaram no Bolsonaro. Estes eleitores querem andar armados e sair dando tiros por aí. Querem ganhar a discussão sem ter razão. Seja no bar, no trânsito, na discussão do condomínio, no xaveco frustrado na festa. No entanto, o decreto garante que apenas um grupo bem específico possa fazer coisas do tipo, como julgar quem é "terrorista" para atirar, matar e, em seguida, justificar legítima defesa.

Cazuza uma vez disse que a burguesia brasileira são formadas por "caboclos querendo ser ingleses" . Estes caboclos querem que Bolsonaro faça o serviço completo. Garantir não apenas a posse, porém o porte também. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, já vislumbrou esta possibilidade ao tentar retardá-la com este decreto, como afirmou Merval Pereira, na edição desta terça-feira, de O Globo.

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E se isso acontecer, não será surpresa alguma. Bolsonaro foi eleito sobre esta plataforma. Mais violência, mortes, balas perdidas, não vêm ao caso. O importante foi tirar o PT do poder, não foi?

Estes cablocos querem transformar o Brasil em faroeste e isso já remete à música do Legião Urbana. Bolsonaro prometeu com sinal da arminha, símbolo maior neste "Velho Oeste", que os brasileiros não tardarão e resolverão entre si quem será o atirador mais rápido. E nesta trilha sonora: "a violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais".

 

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