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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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A visita de Trump ao rei Charles III

Visita de Trump expõe fragilidade política de Starmer e reforça uso da pompa real como arma de legitimação

Rei Charles III e Donald Trump (Foto: Kirsty Wigglesworth/Pool via Reuters)

A visita de Estado de Donald Trump ao Reino Unido, iniciada em 17 de setembro de 2025, representa muito mais do que um mero ritual diplomático: é um ato político carregado de simbolismo, um exercício calculista de poder, imagem e realpolitik que expõe as fissuras da aliança e as contradições do governo Starmer. Sob a pompa real e a cortina de fumaça de investimentos bilionários, escondem-se divergências profundas, escaladas autoritárias e uma crise política britânica agravada pelo espectro de Jeffrey Epstein e pela ascensão da ultradireita.

Contexto e protocolo real

Trump e Melania chegaram ao Aeroporto de Stansted na noite de terça-feira (16) e foram levados ao Winfield House, residência oficial do embaixador dos EUA. Hoje cedo, participaram de uma recepção solene no Castelo de Windsor, com guarda de honra, desfile militar e encontro com o rei Charles III, a rainha Camilla, o príncipe William e a princesa Kate.

A encenação real como ferramenta política

A recepção no Castelo de Windsor, meticulosamente orquestrada, foi um "Trump festival" deliberadamente desenhado para apelar ao narcisismo do presidente norte-americano. Pela primeira vez na história, um mandatário dos EUA é agraciado com duas visitas de Estado – um gesto que Charles III estendeu não por mérito diplomático, mas por uma relação pessoal que remonta aos anos 1980. O ritual incluiu:

  • Um desfile militar com 1.300 soldados, cavalaria e sobrevoos de caças F-35 e Red Arrows.
  • Um banquete oferecido pelo monarca na Mesa de Waterloo (50 metros de comprimento) com a baixela de ouro de 200 anos da Coleção Real.
  • A presença de William e Kate como anfitriões simbólicos, estratégia para vincular a imagem de Trump à juventude e à continuidade da monarquia.

Para Trump, fascinado pela realeza desde a infância (influenciado por sua mãe escocesa), as imagens ao lado do rei são um "troféu" de legitimidade global. Para o Reino Unido, é uma jogada de soft power desesperada: usar o brilho da coroa para mascarar a fragilidade pós-Brexit e garantir vantagens comerciais.

A agenda segue com reuniões no nº 10 da Downing Street com o primeiro-ministro Keir Starmer e outros ministros britânicos para tratar de comércio, inteligência artificial, segurança e energia.

Reforço da "relação especial"

O Reino Unido aposta nessa visita para reafirmar a histórica “relação especial” com os Estados Unidos, abalada nos últimos anos pela imprevisibilidade de Trump. Para Starmer, o encontro é uma oportunidade de mostrar liderança e garantir benefícios práticos — como investimentos e cooperação tecnológica — sem parecer servil aos olhos de uma sociedade britânica dividida sobre Trump e suas políticas.

Legitimação simbólica para Trump

A pompa real tem efeito direto na política doméstica americana. As imagens no Castelo de Windsor e o banquete com a família real servem como validação simbólica para Trump, reforçando sua narrativa de estadista respeitado no exterior. Ele utilizará cada foto e cada cerimônia para fortalecer sua posição na arena eleitoral dos Estados Unidos (EUA).

Negociações e geopolítica

Além do simbolismo, há substância. Por trás da pompa, as agendas de Trump e Starmer colidem frontalmente em questões cruciais. Há divergências geopolíticas instransponíveis. Estão na pauta temas estratégicos:

  1. Ucrânia e OTAN: Trump reiterou sua recusa em impor novas sanções à Rússia, apesar da invasão de drones em território da OTAN (Polônia). Sob pressão de Starmer, manteve a retórica de que a Europa deve "dar o primeiro passo" contra a Rússia e a China – incluindo tarifas de 50% a Pequim e Nova Délhi, medida inviável para o Reino Unido.
  2. Gaza e Palestina: Enquanto Starmer planeja reconhecer o Estado palestino ainda em setembro na ONU, Trump reafirmou apoio incondicional a Netanyahu e criticou a ofensiva diplomática britânica.
  3. Livre-comércio vs. protecionismo: O acordo comercial anteriormente anunciado é superficial: redução de tarifas de 27,5% para 10% em automóveis britânicos e de 50% para 25% no aço – longe da eliminação prometida. Setores como farmacêutico, alumínio e whisky permanecem sob barreiras.

Em um mundo marcado pela rivalidade EUA-China e pela guerra na Ucrânia, Trump busca mostrar que os EUA mantêm capacidade de liderança e alianças sólidas.

Crise política britânica: o espectro de Epstein e a ultradireita

A visita ocorre no pior momento possível para Starmer, cujo governo está acuado por:

  • O caso Mandelson: A demissão do embaixador em Washington por seus vínculos com Jeffrey Epstein expôs a negligência do premiê em vetar nomes comprometidos. Trump, também associado a Epstein, evitou o tema, mas projeções noturnas no Castelo de Windsor com imagens dos dois com o financiador falecido lembraram ao mundo o escândalo.
  • A ascensão da ultradireita: A marcha de 150.000 pessoas convocada por Tommy Robinson (com apoio de Elon Musk e Steve Bannon) exigindo a expulsão de imigrantes e a dissolução do Parlamento. Trump já endossou publicamente a retórica de "liberdade de expressão" de Robinson, pressionando Starmer a adotar políticas anti-imigratórias.
  • Fragilidade interna: Starmer enfrenta baixa popularidade, deserções no Partido Trabalhista e risco de “moção de confiança” em 2026. Sua estratégia de evitar confrontos com Trump é vista como "ajoelhar-se" perante valores antagônicos ao trabalhismo. Esses aspectos lembram que, por trás da pompa, há uma batalha de narrativas e que a opinião pública britânica não está unânime em saudá-lo.

Segurança e protestos: a fortaleza de Windsor

O dispositivo de segurança foi o maior desde a coroação de Charles III, com espaço aéreo fechado, franco-atiradores nas torres do castelo e 1.600 policiais mobilizados. Houve prisões por projeções "maliciosas" com imagens de Trump e Epstein e protestos massivos da "Stop the Trump Coalition" em Londres, criticando a "alfombra vermelha" a um presidente autoritário.

A escolha de Windsor (e não Londres) como palco evitou manifestações de maior escala, mas confirmou que Trump é uma figura que divide profundamente opiniões no Reino Unido.

Pompa sem substância, risco sem recompensa

Esta visita é um emblema da diplomacia do espetáculo: investimentos em IA e nuclear (US$ 42 bi) são anunciados como triunfos, mas encobrem falhas geopolíticas graves. Starmer não conseguirá alterar as posições de Trump sobre Ucrânia ou Gaza, e as concessões comerciais são limitadas. Pior: ao associar-se a um líder que flerta com a ultradireita e cuja sombra de Epstein persiste, o governo britânico arrisca a própria credibilidade democrática.

Como resumiu o analista Manuel Serrano em artigo na SIC Notícias, intitulado Trump no Reino Unido: “Pensar em avanços diplomáticos parece-me uma ilusão. Para Trump, o importante é estar com o rei e tirar fotografias".

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.