Florestan Fernandes Jr avatar

Florestan Fernandes Jr

Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247

252 artigos

HOME > blog

A volta de José Dirceu: o reencontro de uma geração com seu legado

De volta à vida pública, José Dirceu reaparece como uma afirmação de que a esquerda brasileira segue viva e disposta a disputar o futuro do país

A volta de José Dirceu: o reencontro de uma geração com seu legado (Foto: Lula Marques/ Agência Brasil)

“O grande nome do próximo governo não é Lula, é José Dirceu. Ele é o Golbery da esquerda (Golbery do Couto e Silva, general e ex-ministro da Casa Civil de Ernesto Geisel). É ele que tem que ser derrotado.”

Essa verdadeira declaração de guerra contra o então futuro chefe da Casa Civil de Lula foi feita a mim pelo senador Jorge Bornhausen, após uma entrevista no estúdio da TV Gazeta, em Brasília, em dezembro de 2002.

Bornhausen tinha razão: Dirceu era um nome central no primeiro mandato de Lula. Era visto, à época, como o estrategista que projetou uma imagem mais moderada do PT e do próprio Lula, gerando confiança no mercado financeiro e no empresariado nacional, movimentos decisivos para pavimentar a vitória de 2002.

Mas tanto o senador catarinense, quanto boa parte da direita subestimaram a capacidade de Lula de governar após a queda de seu chefe da Casa Civil em 2005, acusado por Roberto Jefferson de operar um esquema de compra de votos de parlamentares no Congresso Nacional.

Sem Dirceu, Lula se agigantou a ponto de ser reeleito em 2006, e em 2010, com 83% de aprovação popular, eleger sua sucessora, Dilma Rousseff.

Com o mandato de deputado cassado, José Dirceu mergulhou na defesa jurídica e desapareceu da cena política por quase duas décadas. Em outubro do ano passado venceu seu último embate judicial, quando o ministro Gilmar Mendes anulou todos os atos processuais de Sergio Moro que o envolviam na Operação Lava Jato.

Aos 79 anos, José Dirceu está de volta. Pretende concorrer, no próximo ano, a um mandato de deputado federal.

Na terça-feira (11/11) estive com ele, em um jantar com advogados e juristas. Foram quase quatro horas de conversa, em que o velho estrategista de Lula demonstrou a lucidez e o domínio político de sempre. Dirceu acredita na reeleição de Lula, ainda que reconheça a dificuldade do pleito. Vê motivos para o otimismo: os números positivos da economia, a força eleitoral de Lula e a resiliência do PT, partido que ajudou a fundar e que esteve presente em todos os segundos turnos presidenciais desde 1989.

A trajetória de Dirceu se confunde com a própria história recente do Brasil. O ex-líder estudantil, preso em 1968 no 30° Congresso da UNE, em Ibiúna, foi libertado no ano seguinte em troca da liberdade do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, sequestrado no Rio de Janeiro por integrantes da ALN e do MR-8, dois dos principais grupos armados contrários à ditadura militar.

Depois de cinco anos de exílio em Cuba, Dirceu retornou ao Brasil e viveu na clandestinidade até a anistia de 1979, quando reapareceu e participou da fundação do PT.

Guardo com carinho o dia em que José Dirceu e Lula convenceram meu pai a se filiar ao PT e a disputar uma vaga na Assembleia Constituinte; eleição que venceu, com dobradinhas memoráveis ao lado de Dirceu, Clara Ant e Ivan Valente.

Bom saber que Fernando Morais prepara uma obra biográfica sobre José Dirceu.

A volta dele à cena política não é apenas o retorno de um personagem à história, é o reencontro de uma geração com seu próprio legado. Dirceu simboliza o fio de continuidade de um projeto nacional que sobreviveu à ditadura, à criminalização da política e à perseguição judicial.

Num país onde as elites ainda tentam interditar lideranças populares, Dirceu ressurge como lembrança incômoda de que a esquerda brasileira, com todos os seus erros e acertos, segue viva, desafiando o poder e apostando, mais uma vez, na força do voto, da democracia e da justiça social.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados