Abraham Weintraub: uma ópera grotesca em quatro atos
Foi alternando entre nada fazer, de um lado, e destruir o que já havia sido feito, por outro, que Abraham Weintraub encenou o papel de ministro da Educação, em uma República tornada claudicante
Superando o teatro na Grécia clássica, cujas representações duravam em média seis dias e se prestavam homenagens a Dionísio, divindade da fertilidade e do vinho, com fantasias e máscaras, assistiu-se, por aqui, durante 14 meses, à encenação de um drama grotesco, que, ao contrário da divindade grega, nada fecundou e coisa alguma produziu na arena educacional.
Foi alternando entre nada fazer, de um lado, e destruir o que já havia sido feito, por outro, que Abraham Weintraub encenou o papel de ministro da Educação, em uma República tornada claudicante. O caráter de simulacro próprio do gênero dramático, assumiu, na encenação de Weintraub como ministro de Estado, contornos de uma ópera grotesca, marcada pela impossibilidade de definir com clareza se se estava diante da realidade ou de um quadro ficcional. Assim como as criaturas monstruosas das pinturas de Brueghel ou da literatura de Goethe, o que se pode observar nesses últimos 14 meses foi a representação de um protagonista essencialmente grotesco, que deu vida a um mundo alheado, segundo o qual se deveria destruir todo “Ato” que mantivesse uma dívida simbólica com o passado.
Ato I - Plano Nacional de Educação: princípio constitucional, positivado no art.214 da Lei Magna, e aprovado em 2014, pela Lei n˚ 13.005, o dispositivo legal não apenas expressava uma política de Estado já que definia um planejamento decenal para a área, como também representava uma possibilidade de reordenar a engenharia federativa educacional do país, na medida em que previa a atuação supletiva da União, sobretudo em relação aos municípios, em termos de recursos para fazer face às responsabilidades legais sob sua competência. Ao longo da atuação/encenação do ministro, a importante peça de planejamento manteve-se intocada, deliberadamente tornada letra morta. Privilegiou-se, ao contrário, atacar universidades, cortar bolsas de pesquisa, contingenciar recursos para a educação básica, negar a ciência, usurpar as práticas democráticas e a autonomia universitária, que definiu como “balbúrdia universitária”, em demonstração clara do raciocínio superficial e simplista, que definia o “dono” da pasta.
Ato II – FUNDEB: Importante fundo contábil que representa cerca de 80% dos recursos disponíveis para a educação em grande parte dos municípios brasileiros, e que termina em dezembro de 2020, nunca foi objeto de preocupação do então ministro. Sua “atuação” nesse âmbito só se deu recentemente, quando o relatório da comissão especial da PEC n˚ 15/2015, que dispõe sobre o novo FUNDEB, já se encontrava concluído. Coube, então, ao ex-ministro se movimentar no sentido de reagir de modo contrário à complementação mais significativa da União ao novo fundo. Com isso, a redação da PEC passou a prever a ampliação do aporte financeiro da União por meio de recursos já constantes do orçamento da pasta, que é o salário-educação. Ou seja, prevaleceu um texto no qual persiste a inequidade federativa, já que o ente mais frágil em termos de recursos próprios, o município, é também o responsável pelo maior número de matrículas, na maioria dos casos, se comparado aos outros dois entes federados.
Ato III – Pandemia – Articulado aos dois primeiros atos, o terceiro diz respeito a total inação do Ministério da Educação no contexto da pandemia. Embora seus efeitos mais imediatos recaiam sobre o sistema de saúde, a educação é também uma área fortemente atingida. Uma das razões está relacionada ao fato, como se disse, de que a maioria das matrículas da educação básica está sob responsabilidade dos municípios e dos estados. A questão é que o necessário distanciamento social e o fechamento do comércio levaram a que dois importantes tributos próprios destes entes federados, sobre os quais se vinculam 25% para a educação, o ISS e o ICMS, tivessem uma queda expressiva. Nota Técnica produzida pela FINEDUCA (2020) nos dá conta, por exemplo, de que, em um cenário positivo, a crise econômica desencadeada pela pandemia levaria à redução de recursos no financiamento da educação básica da ordem de R$ 17,2 bilhões e, em um cenário mais pessimista, a uma perda de R$ 52,4 bilhões de reais. Independentemente do modelo de volta às aulas, se remoto ou presencial, municípios e estados terão que fazer um esforço fiscal praticamente impossível, dada a atual situação econômica, para garantirem o direito constitucional à educação. Em um contexto como este, é absolutamente necessária a atuação forte da União, de modo a coordenar estratégias eficazes que reduzam os impactos da catástrofe sanitário-fiscal sobre a oferta da educação. O fato é que, como protagonista medíocre, o que se viu foi o ministro restringir-se a culpar prefeitos e governadores, na esteira do discurso do presidente, além de colocar em pauta uma agenda ideológica no MEC.
Ato IV ou O Gran Finale grotesco – Ações Afirmativas - De antemão, como nos libretos da ópera, já se sabia que do “herói” somente se esperaria, como um último ato, a confirmação do funesto. E assim se deu. No dia 16 de junho, Weintraub revoga a Portaria Normativa n˚ 13/2016, que dispunha sobre a possibilidade de Política de Ação Afirmativa no âmbito da Pós-Graduação brasileira. Contrariando toda evidência científica, negando a existência de um racismo institucional que persiste e desviando-se do próprio arcabouço jurídico brasileiro que já afirmara a constitucionalidade das Políticas de Ações Afirmativas, o ministro optou por ignorar que da “adoção de novas bases para a integração da população negra à sociedade nacional depende a realização de um projeto democrático e inclusivo para o Brasil do século 21”, como lucidamente nos alertou Mário Lisboa Theodoro, em instigante artigo de 2008. Assim, obedecendo ao mesmo script com que chegou ao MEC, Weintraub deixou a pasta com um gesto à altura de sua mediocridade, demonstrando a forma com que fora talhado, sua frustração pessoal-acadêmica, e, portanto, a impossibilidade de qualquer ato sublime. Como se sabe, a ópera nasce de outro gênero dramático, que é a tragédia, mas contém um elemento que desta se diferencia, que é a possibilidade de um final feliz. É de clareza solar que a “saída” de Weintraub responde à expectativa de felicidade da ópera grotesca em que fora o protagonista. Resta saber apenas se este final feliz resolve a trama de uma ação dramática cuja distribuição de papéis encontra-se nas mãos de um espírito também claudicante.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

