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Abuso infantil: como se ouve o que houve a partir da denúncia?

Pesquisa apontou que muitos processos que envolvem abusos de crianças demoram de 4 a 8 anos para serem sentenciados. Um problema seríssimo de impunidade, falta de proteção e, quando não houve o abuso, uma produção de tensão para o acusado, levando-o a perder o emprego ou destruir suas relações sociais

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No dia 18 de janeiro de 2018, debatemos pela TV 247, o documentário “(H)Ouve?”, que é resultado de minha tese de doutorado no Instituto de Psicologia da UFRJ. A tese-documentário problematiza como atendemos, no Sistema de Garantias de Direitos brasileiro, crianças e adolescentes (supostas) vítimas de violência sexual. Incluo o vocábulo “supostas”, para garantir o tratamento de denúncia como hipótese, isto é, denúncia que ainda será investigada, fugindo assim da armadilha emotiva que trata denúncia como verdade. 

O filósofo Michel Foucault, em seu livro “Os Anormais”, sugere que “ninguém é suspeito impunemente. O mais ínfimo elemento de demonstração [...] bastará para acarretar certo elemento de pena” (p. 10), isto é, há um sujeito universal para os chamados de “suspeitos” e que são transversalizados por análises étnicas e de classe. Importante salientar que estas características étnicas e de classe serão observadas não só para os acusados, mas para os que acusam, já que há uma diferença no atendimento da política pública, e isto fica evidente nos dois casos reais (Miguel e Nicole) apresentados no documentário.

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Importante falarmos aqui que essa discussão da denúncia como verdade é um fragmento de problematização dentro da tese, não é o tema central, mas aqui destacado porque a jornalista Gisele Federicce, da TV 247, ao me entrevistar, fez uma analogia desse aspecto à situação de Lula, condenado sem provas a partir da delação premiada de Leo Pinheiro da OAS.

Pensar em denúncia como verdade na situação do ex-presidente Lula pode nos afastar de uma realidade muito importante: não é a primeira vez que se condena sem provas. Em minha pesquisa de mestrado (2008), analisei processos concluídos para levantar os atendimentos psicossociais. Mergulhada naqueles processos acessei o depoimento de uma promotora, que dizia que, na falta de prova, fortes indícios poderiam ser validados como prova. Então, há tempos, pelo menos há 11 anos, está naturalizada que a sentença dos magistrados se dê a partir apenas de fortes indícios. De fato, é uma nova forma de operar justiça, já que escolhemos pela deturpação do “princípio da inocência” para o que podemos chamar aqui de princípio da culpabilidade, ou seja, o acusado é culpado e ele tem que provar que não o é. Entretanto, o que está previsto em lei é o princípio da inocência, que é o contrário desta lógica da culpabilidade. A presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios fundadores do Direito, que garante a liberdade dos indivíduos. Está previsto no art. 5º, LVII da Constituição de 1988, e seu enunciado explicita: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. E quem tem o ônus da prova é quem acusa. Temos também outro princípio constitucional que reforça a presunção da inocência: “in dubio, pro reo” (na dúvida, a interpretação e decisão serão favoráveis ao réu). Podemos visualizar este princípio no Código de Processo Penal, na regra prescrita no artigo 386, II:

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Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a 

causa na parte dispositiva, desde que reconheça: 

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II - não haver prova da existência do fato;

No documentário “(H)Ouve?” discutimos o perigo que há na busca da celeridade para a finalização do caso em busca de um tempo razoável do processo jurídico. Sem dúvida, o que vimos na pesquisa é que muitos processos que envolvem abusos de crianças demoram de 4 a 8 anos para serem sentenciados. Muitas crianças tornam-se adolescentes e muitos adolescentes alcançam a maioridade. Um problema seríssimo de impunidade, falta de proteção e, quando não houve o abuso, uma produção de tensão para o acusado, levando-o a perder o emprego ou destruir suas relações sociais, caso sua rede de relação saiba do processo. Por isso a criação do método do Depoimento Especial. A ideia é que com um atendimento a equipe técnica subsidie o juiz em sua sentença. Este atendimento se daria em sala separada da sala de audiência tradicional, onde o psicólogo atenderia a criança por meio de um ponto eletrônico que a ligaria à sala do magistrado. Este poderia fazer perguntas durante o atendimento para que a psicóloga, assistente social ou pedagoga pudesse “traduzir” para a criança por meio da técnica de entrevista investigativa. O mentor deste projeto é a ONG World Childhood, da Rainha Silvia da Suécia. 

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A controvérsia sobre este método de atendimento ainda existe, apesar da lei nº 13.431/2017 ter sido sancionada oficializando o método do Depoimento Especial. Um dos motivos é que a lei não foi discutida publicamente, agravando sua legitimidade e ferindo o devido processo legislativo garantido pela Constituição Federal de 1988. Outros dois motivos que acaloram a polêmica ou que agravam a discussão  é como tratamos o sigilo neste método de atendimento que envolve o profissional da Psicologia (questão Ética) e a obrigatoriedade dos psicólogos dos Tribunais de Justiça brasileiros realizarem o método. Psicólogas e psicólogos não atuam a partir de mesma abordagem teórica. Há pluralidades no campo psi, tanto pelo aspecto teórico, como técnico e ético. Devemos falar em Psicologia(s) na verdade.

A ideia do documentário é apresentar esta discussão à sociedade civil e aos profissionais e estudantes de Direito e Psicologia, para continuarmos aquecendo o debate em busca de produzir cada vez mais um atendimento baseado na proteção das crianças e adolescentes e também no cuidado àqueles que são acusados, e que, muitas vezes, não cometeram a violência. Violência sexual nem sempre deixa marcas físicas, pois pode envolver sexo oral, voyeurismo e exibicionismo; nesse sentido, no exame de corpo de delito não surgirão as almejadas “provas” da violência. Para além de tudo isso, é muito comum historicamente nas Varas de Famílias, em meio aos litígios nas separações de casais, vir à tona denúncia de abuso sexual durante o processo de regulamentação de visitas dos filhos, em que o acusado na maioria das vezes é o pai biológico, e quem acusa é a mãe. Uma escuta cuidadosa, ética, no lugar de uma escuta moralista, apressada para atender especialmente as produções de provas, faz-se mister para de fato protegermos as crianças e adolescentes e não condenarmos inocentes. Uma discussão delicada por envolver um tema tabu, em nossa cultura, necessita de atenção jurídica e psicossocial adequadas. Continuar o debate é o convite do documentário “(H)Ouve?”, que encontra-se disponível na TV 247. 

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