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Murilo Henrique Garcia

Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestrando no Programa de Pós Graduação em História pela mesma instituição, na linha de pesquisa sobre Poder, Linguagens e Instituições

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Afinal, movimentos de direita são movimentos sociais?

Estamos passando por momentos de grandes transformações em nossa sociedade. Os meios de se comunicar, as crises da democracia liberal, as crises de representatividade e etc, e no olho do furacão talvez seja mais complexo de se conceituar e formular explicações

Desde 2013 um número significativo de novas ações coletivas, tanto à direita quanto à esquerda, tem surgido. Pessoas com interesse de se politizar e defender as causas que acreditam como pertinentes têm se organizado cada vez mais utilizando os espaços virtuais (como vídeos e lives no YouTube ou Facebook e correntes no WhatsApp). Nessas ações coletivas, muitos grupos que possuem pautas em comum acabam por surgir: Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre e até alguns com uma nova roupagem como o Revoltados On Line (que surge em 2006 com o propósito de caçar pedófilos virtuais). Mas afinal, como compreender esses grupos?

Segundo o sociólogo estadunidense James Jasper, no livro Protesto: uma introdução aos movimentos sociais (2016), há um número relevante de estudiosos que compreendem movimentos sociais como atitudes progressistas e os movimentos reacionários como contramovimentos. O autor também aponta que normalmente quem o faz utiliza de metodologias distintas de análise à cada tipo de movimento. Nesse sentido, Jasper oferece uma noção interpretativa culturalista: dentre todas as formas de se explicar um movimento, todas possuem dimensões culturais. Maria da Glória Gohn, pesquisadora e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Sociologia dos Movimentos Sociais: Um Blanaço das Teorias Clássicas e Contemporâneas (2011), nos explica que quando novos dados não se encaixam em velhas teorias, surgem paradigmas. Estes são novas formas de se compreender um fenômeno. Gohn, então, sistematiza três grandes paradigmas: o norte-americano, o europeu e o latino-americano. A grosso modo esses paradigmas podem ser entendidos da seguinte forma:

1. Os norte-americanos seriam métodos de análise com base nos sistemas sociopolíticos e econômico, ou seja, análises de estrutura acerca de organização, sistema e entre outros. Entre 1980 e 1990 as teorias norte-americanas passam a contemplar um novo paradigma: o processo político e as relações com as bases culturais.
2. Na Europa é possível encontrar duas espécies de paradigma: o paradigma marxista e o dos novos movimentos sociais. Gohn explica que cada uma delas se desdobram em outras várias correntes teóricas. A perspectiva marxista, embasada no materialismo histórico-dialético, propõe os estudos a partir das lutas de classes e nos processos históricos relacionados às contradições do capitalismo e da ordem burguesa. O paradigma dos novos movimentos sociais, por sua vez, trabalha com os processos micro sociais, ou seja, recortes que nos ajudam a compreender como se formam os novos sujeitos e os novos tempos.
3. Na América Latina os estudos estavam relacionados a processos de descolonização, processos emancipatórios, lutas relacionadas à reforma agrária, lutas de minorias e também de movimentos sindicais. De acordo com Gohn o paradigma marxista foi predominante durante a década de 1970, e entre 1980 a 1990 a abordagem passa a ser dos novos movimentos sociais.

Desse modo as teorias que estudam as ações coletivas passam a englobar as culturas do sujeito, pois, de acordo com Jasper, são os processos culturais que nos auxiliam a dar significado ao mundo e a tudo que nos cerca. O autor divide a cultura em três grandes componentes: a cognição, que são as palavras que usamos ou nossas convicções sobre a realidade; a emoção, porque nos permite compreender melhor as narrativas (a quem odiar ou amar) e, por fim, a moral, que junto com a emoção é capaz de nos mobilizar intensamente. Este último faz parte de outros vários trabalhos de James Jasper (1997, 2001 e 2018).

Voltando para a realidade social e política que nos encontramos, algumas teorias apontam que os movimentos passaram de pautas de demandas identitárias às demandas coletivas, como Occupy WallStreet, a Primavera Árabe ou os Indignados. Gohn, em Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes (2017), já sobre os acontecimentos recentes, sugere então a seguinte divisão para os estudos a respeito dos movimentos sociais: os movimentos clássicos (sindicatos, partidos etc); os novos (identidade cultural) e os novíssimos (os movimentos que surgem entre 2013 e 2016, que são heterogêneos e, por vezes, dentro deles próprios, discordantes política e culturalmente).

Não necessariamente sobre o espectro político dos novíssimos movimentos, mas pela sua formação em composição em si, Gohn parece não concordar em chamá-los de movimentos sociais. Por mais que existam essas correntes que a autora menciona, de estudos culturais, a perspectiva de Gohn é de que não o são, porque um movimento social é “mais estruturado, tem opositores, identidades mais coesas, determinados projetos de sociedade […]” e também, “um movimento social é fruto de uma construção social e não algo dado a priori, fruto apenas de contradições”. A professora acredita que o membro de um movimento social não é alguém intermitente que participa por furor de convites on-line, mas sim algo estruturado e composto de bases organizadas. Especificamente sobre o Movimento Brasil Livre, por exemplo, a autora diz que se assemelham mais a um grupo de pressão.

Os debates em Ciência Política sobre a definição de Grupos de Pressão são grandes. No entanto, podemos compreendê-los como um grupo de pessoas com determinados interesses sociais, políticos ou econômicos que utilizem de recursos materiais e humanos para influenciar a opinião pública e/ou o corpo político para cumprir um objetivo. Se analisarmos o Movimento Brasil Livre da ótica sugerida pela autora, podemos concluir que possivelmente são um grupo de pressão, já que, conforme o livro-biografia do grupo Como um grupo de desajustados derrubou a presidente: MBL: A origem (2019), haviam articuladores nos corredores do Congresso fazendo lobby pelo impeachment de Dilma.

Retornando à pergunta que dá título a este texto e numa tentativa sucinta de respondê-la: algumas teorias sugerem que, independentemente do espectro político, movimentos sociais são “esforços persistentes e intencionais para promover ou obstruir mudanças jurídicas e sociais de longo alcance, basicamente fora dos canais institucionais normais sancionados pelas autoridades” (JASPER; 2016, p. 23). No entanto, estamos passando por momentos de grandes transformações em nossa sociedade. Os meios de se comunicar, as crises da democracia liberal, as crises de representatividade e etc, e no olho do furacão talvez seja mais complexo de se conceituar e formular explicações. Mas mesmo diante de todas essas transformações e dificuldades a perspectiva oferecida por Jasper nos possibilita analisar a composição de um movimento de ação coletiva, algo que nos auxilia a compreender nossa realidade e nossa cultura.

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[1] Graduado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto e mestrando no Programa de Pós Graduação em História pela mesma instituição, na linha de pesquisa sobre Poder, Linguagens e Instituições.

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, F. S.. O papel dos grupos de interesse e pressão na formatação e fortalecimento da democracia brasileira: o caso do Departamento Intersindical Assessoria Parlamentar (DIAP) durante o processo da constituinte (1987/1988) brasileira. Aurora (UNESP. Marília), v. 5, p. 32–39, 2009.

CASTELLS, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: Movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

GOHN, Maria da Glória. Manifestações e protestos no Brasil: correntes e contracorrentes na atualidade. São Paulo: Cortez, 2017. (Coleção questões da nossa época; v. 59).

GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos Movimentos Sociais: Um Balanço das Teorias Clássicas e Contemporâneas. Canadian Journal of Latin American and Caribbean Studies/Revue canadienne des études latino-américaines et caraïbes, 36:72, 199–227, 2011.

GOODWIN, Jeff; JASPER, James; POLLETTA, Francesca. Passionate Politics: Emotions and Social Movements. Chicago, University of Chicago Press, 2001.

JASPER, James. Protesto: uma introdução aos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

____________. The Art of Moral Protest: Culture, Biography and Creativity in Social Movements. Chicago: University of Chicago Press, 1997.

____________. The Emotions of Protest. Chicago: University of Chicago Press, 2018.

KATAGUIRI, Kim; SANTOS, Renan. Como um grupo de desajustados derrubou a presidente: MBL: A origem. Rio de Janeiro: Record, 2019.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.