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Maria Inês Detsi de Santos

Professora aposentada da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Graduada em Psicologia, com doutorado em Sociologia

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Afinal, o que é “ideologia de gênero”?

A Ideologia de Gênero, na nossa perspectiva, é portanto, aquela ideia que encobre e justifica desigualdades e relações de dominação, permitindo a sua reprodução social e manutenção.

A ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, durante evento em comemoração ao Dia Nacional do Cigano. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
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Em janeiro de 2019, circulou na mídia um vídeo no qual Damares Alves – ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos – afirmava que o Brasil vive uma “nova era” na qual “menina veste rosa e menino veste azul”. Questionada sobre tal afirmação, Damares respondeu que sua fala era “uma metáfora contra a ideologia de gênero”. 

Vamos, então, aqui, tentar responder à questão: o que seria “ideologia de gênero”?

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Esse termo, que circula no contexto social já há alguns anos, faz parte do discurso de grupos conservadores, cuja representação, no congresso nacional, se dá pela bancada evangélica, que tem como uma de suas bandeiras combater o que denominam de “ideologia de gênero”, contrapondo-a a uma visão fundamentada na biologia, que afirma serem as diferenças entre homens e mulheres  fundadas em diferenças anatômicas e fisiológicas, regidas por leis da natureza, portanto, independentes da cultura. 

Considerando que gênero não é um produto da natureza mas,  uma categoria sociocultural e histórica, poderíamos afirmar que “ideológica” é a argumentação do discurso conservador, na medida em que, concebendo as diferenças de gênero como naturais, acaba por justificar desigualdades e relações de dominação entre homens e mulheres, reforçando a sua reprodução e permanência.

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Para que possamos questionar essa visão “essencialista” com mais legitimidade, comecemos por  discutir sobre o conceito de GÊNERO, que é um conceito construído nos anos 80, pelos estudos feministas, para se referir à condição feminina (posteriormente os estudos se estenderam também à condição masculina), às relações entre homens e mulheres e ao campo simbólico, com suas representações do feminino e do masculino.

Os estudos feministas que tiveram como primeira tarefa, pesquisar sobre o Patriarcado e fazer sua crítica, constataram primeiramente, que não há uma identidade universal para as mulheres (nem para os homens), e que a condição feminina varia nas diferentes comunidades e sociedades. Nesse sentido, não é mais possível afirmar a existência de um único modelo de Gênero, para diferenciar homens e mulheres e para estabelecer relações entre eles. Por outro lado, tais pesquisas puderam também comprovar que, as relações de gênero são também relações de poder e que na maioria das sociedades o Gênero confere um lugar privilegiado aos homens e uma condição de subordinação às mulheres.

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Gênero é, portanto, um conceito que se refere a um sistema social de relações, de papéis e de representações sociais, construído a partir da percepção sobre as diferenças biológicas entre homens e mulheres. Ou seja, não são as diferenças em si que produzem o Gênero, mas sim, um determinado olhar sobre as diferenças biológicas. Dessa forma, ainda que essas diferenças tenham um caráter universal, as diferenças de Gênero (papéis, atividades, qualidades morais etc.) são extremamente variáveis. Isso serve para comprovar que tais diferenças são culturais e não biológicas, como alguns acreditam.

O sistema de Gênero define espaços – “lugares sociais”, atribui identidade, valor, prestígio, status aos sujeitos.  Constitui – e ao mesmo tempo justifica – hierarquias. 

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O Gênero tem um caráter social, contextuado, histórico e relacional. Faz parte da socialização e da sociabilidade das pessoas, estando nas práticas educativas,  na família, na escola, no lazer, no trabalho, na política, e no campo simbólico, através de imagens, ideias que circulam na sociedade, como os dogmas religiosos, as teses científicas, os produtos culturais como literatura, música, filmes, novelas, programas da TV, vídeos da internet etc.

O movimento feminista, nas suas duas vertentes – produção de conhecimento e luta política, trouxe grandes avanços sociais, para questões relacionadas a Gênero, contribuindo para mudanças na esfera da subjetividade e para uma maior igualdade entre homens e mulheres.

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Fazendo um breve balanço, podemos dizer que:

Na área de estudos foi possível conhecer os sistemas de Gênero, nas diversas sociedades, identificando o que é comum a vários contextos, e o que é específico a determinado grupo. Foi também possível perceber que Gênero diz respeito à vida social, coletiva e ao campo da subjetividade e que Gênero está presente em todas as relações sociais: relações de classe, étnicas, geracionais etc.

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No campo das lutas, o feminismo contribuiu para a inserção das mulheres nas diversas esferas da vida social e para a sua maior participação política. Possibilitou também um aumento da escolarização e profissionalização das mulheres, e sua inserção na vida pública em condições de maior igualdade com os homens.

As lutas feministas conseguiram também influenciar as agendas dos Estados, que passaram a criar e desenvolver políticas sociais voltadas para a questão de gênero, obtendo como resultado uma redução das desigualdades entre homens e mulheres e uma mudança na esfera das mentalidades. No entanto, a equidade de gênero está longe de se concretizar. No Brasil, há vários exemplos: permanecem disparidades entre os salários de homens e de mulheres, mesmo quando se trata de exercer as mesmas atividades; a inserção das mulheres nos partidos políticos ainda é menor que a dos homens, mesmo com a criação de cotas; continuam a existir formas específicas de violência sobre as mulheres, apesar da criação de leis que visam a punir os crimes contra mulheres e protege-las da violência de gênero,  como é o caso da Lei Maria da Penha, criada durante o período dos governos do PT. 

Esse breve panorama descrito acima indica que a questão de Gênero não é ainda um assunto do passado e que merece toda a nossa atenção e envolvimento.

Voltando ao termo usado pelo discurso conservador – “ideologia de gênero”, nos cabe, agora discorrer brevemente sobre o que seria Ideologia, para que nosso entendimento avance mais um pouco. 

O termo “ideologia” está longe de ter apenas um significado, exigindo de quem o define, um posicionamento que não é apenas teórico, mas também político. No senso comum, se usa a palavra Ideologia para significar um conjunto de ideias sobre algo. Essa é uma definição mais geral e superficial, que dá um sentido de neutralidade ao conceito. Não será esse nosso caminho. 

Faremos uma opção por um sentido crítico de Ideologia, que é costumeiramente o empregado no campo da sociologia, e que tem como referência a famosa obra de Marx e Engels:  “A Ideologia Alemã”, escrita em 1845/46  e que serve, até hoje de fundamento teórico para os estudos de autores contemporâneos que discutem esse tema. 

Na perspectiva marxista, Ideologia tem uma conotação negativa, no sentido de ser uma falsa ideia que se torna dominante, em determinado contexto social, permitindo o encobrimento da realidade e a manutenção da dominação da classe burguesa  sobre as classes trabalhadoras.

Dois autores que trabalham com o conceito de Ideologia, e que oferecem contribuições interessantes são Michael Löwi e John B.Thompson. 

O primeiro nos diz:

Podemos definir como Ideologias “o conjunto das concepções, ideias, representações, teorias que se orientam para a estabilização ou legitimação ou reprodução da ordem estabelecida. São todas aquelas doutrinas que têm um certo caráter conservador no sentido amplo da palavra, isto é, consciente ou inconscientemente, servem à manutenção da ordem estabelecida.” (LOWY, 1989 p. 13)

Já Thompson afirma:

“Fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos desde que eles sirvam, em circunstâncias históricas específicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação. (...) Podemos compreender os fenômenos simbólicos como ideológicos (...) somente quando situamos os fenômenos simbólicos nos contextos sócio históricos (...) somente ao examinar as maneiras como as formas simbólicas são empregadas, transmitidas e compreendidas por pessoas situadas em contextos sociais estruturados.” (THOMPSON, 1995 p. 76)

A definição de Thompson traz uma contribuição que consideramos bastante importante: ele afirma que uma ideia, para ser entendida como uma Ideologia, precisa ser contextualizada, sendo necessário conhecer como está sendo empregada, quem a utiliza e se seu uso tem a finalidade de “sustentar relações de dominação”. 

Voltando, então, à fala da Damares, poderíamos dizer que, numa sociedade em que as cores rosa e azul são marcadores simbólicos de um contexto histórico em que as diferenças de Gênero não são apenas diversidade, mas principalmente desigualdade, produzir tal fala significa,   em última instância, produzir Ideologia, para justificar as desigualdades de Gênero e relações de dominação sobre as mulheres. 

A Ideologia de Gênero, na nossa perspectiva, é portanto, aquela ideia que encobre e justifica desigualdades e relações de dominação, permitindo a sua reprodução social e manutenção. 

Bibliografia básica sugerida

Sobre Gênero:

LOPES, Guacira Louro. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes 

                  - Gênero, sexualidade e educação: das afinidades políticas às tensões teórico-metodológicas http://www.scielo.br/pdf/edur/n46/a08n46

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução Christine R. Dabat e Maria Betania Ávila. Recife: SOS Corpo, 1991

Disponível no Site: http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/categoriautilanalisehistorica.pdf

Sobre Ideologia:

Löwi, Michael – Ideologias e Ciência Social – elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez – Também disponível no site:  https://julianrgblog.files.wordpress.com/2017/02/leitura-loewy-2010-ideologias-e-ciencia-social.pdf

Thompson, Jhon B. – Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.

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