África, Ásia e América Latina redesenham a nova ordem mundial
O Sul Global não quer mais ser apenas o “celeiro do mundo”, o “fornecedor de matéria-prima” ou o “consumidor periférico” das decisões tomadas em Washington
Nos últimos anos, o mundo testemunha um deslocamento silencioso, porém irreversível, na balança de poder global. Enquanto o Ocidente lida com crises internas, disputas geopolíticas e o esgotamento de seu modelo neoliberal, os países da África, Ásia e América Latina (AAA) começam a ocupar o centro do palco internacional.
Com discursos mais assertivos, parcerias estratégicas e articulações multilaterais, esses continentes — historicamente marginalizados pela lógica colonial e imperialista — preparam-se para moldar os rumos da nova ordem mundial.
O chamado Sul Global não quer mais ser apenas o “celeiro do mundo”, o “fornecedor de matéria-prima” ou o “consumidor periférico” das decisões tomadas em Washington, Bruxelas ou Wall Street. Ele se organiza, propõe, lidera. E o exemplo mais visível dessa reorganização vem ganhando força: o grupo do BRICS, que após sua expansão recente, se consolida como o principal articulador de um mundo multipolar.
Tarifas, tensões e oportunidades: o legado involuntário de Donald Trump
A ascensão do protecionismo nos Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, teve consequências profundas. A imposição de tarifas contra a China, o Brasil, a União Europeia e outros parceiros comerciais rompeu com décadas de hegemonia do livre mercado, defendido até então como dogma pelo Ocidente.
Mas esse movimento, embora visto com preocupação por economistas em geral, abriu algumas brechas estratégicas. A guerra comercial entre EUA e China, por exemplo, empurrou Pequim para uma aproximação ainda mais intensa com a África, com a América Latina e com parceiros asiáticos.
O Brasil, ainda que com uma ambivalência pragmática, viu suas exportações agrícolas se beneficiarem da tensão sino-americana. A China, por sua vez, passou a financiar infraestrutura, energia e tecnologia em países africanos e latino-americanos, oferecendo uma alternativa real à dependência ocidental.
A lição foi clara: quando as grandes potências se fecham, o Sul se conecta.
BRICS+ e o nascimento de um novo eixo geopolítico
Com a recente expansão dos BRICS — incluindo Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Indonésia — o bloco ganhou musculatura econômica, energética e diplomática. A nova composição representa mais de 40% da população mundial, cerca de um terço do PIB global e parte significativa da produção de petróleo, alimentos e tecnologias emergentes.
Mais do que números, o BRICS hoje encarna um projeto político de contestação à ordem liberal ocidental, simbolizada por instituições como o FMI, o Banco Mundial e a ONU em seu formato atual. O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), presidido por Dilma Rousseff, é um exemplo concreto da construção de mecanismos próprios de financiamento, com foco em projetos sustentáveis, infraestrutura e cooperação Sul-Sul.
O BRICS+ não é um bloco homogêneo, nem pretende sê-lo. Mas sua força está justamente na diversidade de suas realidades e na busca comum por autonomia, soberania e justiça econômica internacional.
África, Ásia e América Latina: três continentes, um mesmo destino
África: o gigante jovem e estratégico
Com uma população majoritariamente jovem, imensas reservas minerais e vasta riqueza ambiental, o continente africano é peça-chave no tabuleiro geopolítico do século XXI. Países como Nigéria, Etiópia, África do Sul e Quênia vêm assumindo papéis de liderança regional e global, exigindo mais representação nas instituições internacionais e renegociando a relação com ex-potências coloniais.
A presença chinesa no continente, ao lado de investimentos árabes, indianos e brasileiros, reforça o caráter estratégico da África na nova ordem.
Ásia: o motor econômico do mundo
A Ásia já é o centro dinâmico da economia global. A ascensão da China e da Índia, combinada ao crescimento industrial do sudeste asiático, constrói um eixo produtivo e tecnológico cada vez menos dependente do Ocidente.
Os acordos comerciais asiáticos, como a RCEP — sigla para Regional Comprehensive Economic Partnership, ou Parceria Econômica Regional Abrangente, acordo de livre comércio entre vários países da Ásia e do Pacífico —, e as parcerias bilaterais com países do Sul Global consolidam a liderança do continente como pilar de estabilidade e desenvolvimento alternativo.
América Latina: potência ambiental e geopolítica
Com suas reservas naturais, capacidade agrícola, matriz energética limpa e força cultural, a América Latina tem tudo para ser protagonista. Mas é preciso superar a fragmentação política e retomar a articulação regional, interrompida por ciclos de governos neoliberais.
A volta do Brasil ao cenário internacional, com protagonismo ambiental e diplomacia ativa, recoloca o país como elo vital entre os continentes do Sul. Parcerias com África e Ásia, impulsionadas por BRICS+, CELAC e Mercosul, são caminhos concretos para a construção de um novo sistema internacional baseado na equidade e na solidariedade.
O futuro que se constrói passa pelo multilateralismo. O mundo multipolar não é uma utopia; ele já está em curso. Mas sua consolidação depende da capacidade de articulação política, econômica e cultural dos países do Sul Global. Isso inclui criar suas próprias narrativas, desenvolver tecnologia independente, construir alianças entre povos e combater as tentativas de neocolonialismo disfarçado de “cooperação”.
América Latina, África e Ásia carregam as feridas do passado e os sonhos de um futuro justo, igualitário, sustentável e soberano. E, cada vez mais, assumem o lugar de autores da própria história.
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