Agroecologia ao seu alcance; o mito da baixa rentabilidade “bio”
A ciência prova que a agricultura orgânica é eficaz. As críticas lançadas pela grande produção agrícola convencional se desvanecem
Por Sergio Ferrari - Durante décadas, o debate sobre o presente-futuro da agricultura confrontou duas visões quase antagônicas. Por um lado, o modelo convencional, focado na maximização dos rendimentos, para o qual combina tecnologia, agroquímicos e imensas monoculturas. Por outro lado, propostas orgânico-bio ou agroecológicas, consideradas interessantes, mas questionadas por serem "menos produtivas". Por trás de ambas as visões estão a produção agroexportadora em larga escala e as alternativas ecológicas defendidas, entre outras, pelos movimentos sociais do mundo rural.
Um rigoroso trabalho de campo de 47 anos em 97 fazendas orgânicas em Therwill, na Suíça, patrocinado conjuntamente pelo Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica (FiBL) e pelo Centro Federal de Competência Agrícola (Agroscope), concluiu que elas alcançaram, em média, um nível de rendimento equivalente a 85% do das fazendas convencionais e que essa diferença depende, em grande medida, pelo tipo de cultura analisada. Assim, por exemplo, a soja orgânica atingiu níveis semelhantes aos da soja convencional e pequenas diferenças foram registradas nas culturas forrageiras, como capim trevo e milho para silagem, enquanto a diferença foi maior no caso do trigo e da batata orgânicos.
De acordo com esse estudo, conhecido como DOC (D para bioDinâmico, O para bioOrgânico e C para Convencional), a grande lacuna que separa a produção orgânica da produção convencional tem a ver com o impacto ambiental de uma e de outra. Na verdade, a orgânica usa 92% menos pesticidas e 76% menos nitrogênio mineral do que a agricultura convencional. Nas culturas orgânicas, a redução do uso de fertilizantes nitrogenados é o principal fator de um impacto climático muito menor. O excesso de nitrogênio nos fertilizantes é convertido em óxido nitroso, um gás com consequências negativas com grande impacto para o clima.
Como afirmado nesse estudo, é verdade que a redução no uso de fertilizantes e produtos fitossanitários produz mais variação no rendimento em sistemas orgânicos do que nos convencionais, o que determina uma produtividade menos estável. No entanto, o risco de contaminação da água e dos alimentos (para humanos e animais) com substâncias nocivas é significativamente menor.
Prestigiosa certificação de agricultura orgânicaAs culturas convencionais, também conhecidas como agricultura industrial ou tradicional, incorporam o uso intensivo de insumos externos, como fertilizantes sintéticos, pesticidas e herbicidas, além de sementes melhoradas para maximizar a produção. Essas culturas são o pilar essencial do modelo agroexportador das empresas transnacionais, particularmente as de alimentos e agroquímicos. Um modelo que aposta na eficiência e na alta produtividade por meio de tecnologias modernas aplicadas a grandes áreas dedicadas a monoculturas, ou seja, o plantio de um único tipo de espécie em uma área enorme. Por exemplo, entre outros, soja, eucalipto, dendê, pinho, milho ou cana-de-açúcar.
Além do grande número de pesquisadores dedicados ao projeto DOC, sua importância reside em seu quase meio século de estudos comparativos e seu acúmulo sistemático de dados. Elementos essenciais nesse tipo de pesquisa porque os efeitos resultantes da conversão de um sistema agrícola convencional para um biodinâmico ou orgânico só se tornam evidentes depois de muito tempo. Esse longo período de "espera" responde, entre outros fatores, à lentidão dos processos de transformação do solo, como o acúmulo de matéria orgânica estável. Até o momento, cerca de 140 publicações científicas especializadas, bem como inúmeras teses de mestrado e doutorado, foram alimentadas pelos resultados sistemáticos do DOC.
Esse estudo fornece outras conclusões que não são menos relevantes. Em solos cultivados organicamente, por exemplo, foram identificados níveis de húmus aproximadamente 16% mais altos, e com até 83% mais atividade dos organismos do próprio solo, do que em parcelas convencionais. Sem dúvida, um efeito particularmente positivo para o solo, agora em melhores condições para armazenar mais água e reduzir o impacto da erosão (https://www.fibl.org/fr/infotheque/message/depuis-deux-generations-essai-doc-compare-rentabilite-agriculture-biologique-agriculture-conventionnelle).
Teses confirmadas no Sul Global
A pesquisa do DOC inspirou iniciativas semelhantes na Suíça, como os projetos FAST e Burgrain (promovidos pela Agroscope), bem como em outras nações. Por exemplo, vários ensaios comparativos de sistemas de cultivo de longo prazo (ou SysCom, para "Comparação de Sistemas"), como os realizados pela FiBL na Bolívia (cultivo de cacau), Índia (algodão) e Quênia (uma gama mais ampla de alimentos básicos, principalmente milho e batata).Outras experiências práticas na África confirmam as conclusões optimistas do estudo DOC sobre a produção orgânica. A Organização Não Governamental suíça SWISSAID, juntamente com sua contraparte local na Tanzânia, lançou um projeto de pesquisa que confirmou de maneira contundente os benefícios dos mecanismos econômicos identificados pelo estudo em Therwil (https://www.swissaid.ch/fr/articles/une-etude-demontre-les-effets-positifs-de-lagroecologie/).
Em um artigo recente, a SWISSAID concluiu que "após cinco anos de transição, os agricultores que participam do projeto CROPS4HD reduziram massivamente seus gastos com insumos externos". Esse projeto visa melhorar a qualidade dos alimentos e a resiliência agrícola em geral através da utilização de culturas "órfãs", ou subutilizadas, mas que, no entanto, respondem muito bem em ambientes marginais e também têm um elevado valor nutricional.
A análise econômica revela que, paradoxalmente, as fazendas convencionais apresentam os maiores custos de produção por hectare devido à sua dependência de fertilizantes químicos e pesticidas, o que confirma a armadilha econômica dos lucros desmedidos do agronegócio. A SWISSAID explica que a produção orgânica redistribui os lucros entre os agricultores, não entre os acionistas de empresas transnacionais e das empresas agrícolas que investem na Bolsa de Valores. No caso da Tanzânia, as fazendas que mais progrediram no processo de transição agroecológica resultam em custos mais baixos e renda líquida mais alta, confirmando que o rendimento relativamente menor de 15% é amplamente compensado pelos benefícios deixados nas mãos dos produtores. Essa reapropriação econômica é acompanhada por uma diversificação estratégica: o projeto desenvolve espécies "órfãs", ou seja, com pouco ou nenhum melhoramento de plantas e sem perspectivas atuais de exportação, mas muito importantes para a soberania alimentar local, como o amaranto, o painço, o fonio e ervilhas Bambara. Dessa forma, foram criando-se novas cadeias de valor controladas localmente.
Essa relativa independência produtiva não representa apenas uma vantagem para o meio ambiente; constitui também uma alavanca fundamental de uma forma diferente de poder econômico a serviço dos agricultores diretos. No sistema convencional, os agricultores costumam ser o elo mais fraco de uma cadeia de valor maior do que eles. Como resultado, eles estão sujeitos à volatilidade dos preços de fertilizantes e pesticidas, um mercado controlado por um punhado de multinacionais, enquanto sofrem pressão dos supermercados sobre os preços de venda de seus próprios produtos. Grande parte do valor que esses agricultores geram é capturado por seus fornecedores, processadores e distribuidores.
Em um mundo que luta contra as mudanças climáticas, a erosão da biodiversidade e os mercados voláteis, os promotores deste projeto na Tanzânia acreditam que a resiliência e a autonomia dos agricultores não são mais opções, mas imperativos. Especialmente nos países mais vulneráveis do Sul, onde cada interrupção nas cadeias de abastecimento agrava a insegurança alimentar da população.
As desqualificações derretem. O mito de que os orgânicos requerem custos mais altos está começando a desaparecer. E o orgânico é projetado não apenas como algo saudável e ecologicamente correto, mas também como acessível à economia popular.
Tradução: Rose Lima
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




