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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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América Latina: terra em transe

O Peru ainda não se recuperou da sua destruição dos anos 1990. Não será pela posse de uma nova presidência que ela será superada

Pedro Castillo preso após ser destituído da Presidência do Peru (Foto: Reuters | Polícia Nacional do Perú)
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Por Emir Sader

Quando o panorama geral latino-americano parecia caminhar para um horizonte de estabilidade política, com uma maioria de governos antineoliberais, de que a eleição de Lula parece ser o ápice, o continente volta a tremer.

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Em meio a uma crise interna do próprio governo peronista argentino, o Judiciário se aproveita para impor uma arribaria condenação à vice-presidenta Cristina Kirchner. Ela reage tocando em um ponto chave da América Latina: o conluio entre os meios de comunicação e o Judiciário, para tutelar os governos, com o fantasma dos militares continua pairando sobre os países.

O discurso da Cristina é um marco na luta contra o lawfare e as tentativas de judicialização da política. Ela não aceita a situação em que querem colocá-la na condição de condenada por corrupção e impedida de ter cargos públicos. Nas suas palavras: querem me ver presa ou morta.

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Declarou que não vai se colocar sob a proteção de algum cargo público, nunca mais vai se candidatar a nenhum cargo, lutará de peito aberto. Se coloca na condição de quem seguirá perseguida pelos seus algozes, que quase conseguiram matá-la e que agora querem excluí-la da vida política argentina. 

A vida política argentina nunca mais será a mesma. Na verdade, se trata de mais um capítulo desde a tentativa de assassiná-la, dia primeiro de setembro deste ano. Cristina nunca deixou de ocupar o centro da vida política argentina, desde que foi eleita presidente, em 2007 e foi reeleita presidenta até 2015. Ela representa a atualização do peronismo, através do chamado kirchnerismo,

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o mais importante, forte e expressivo movimento popular argentino, desde seu surgimento, há quase oitenta anos.

Cristina rebate, colocando em cheque o sistema judiciário argentino. Toca no ponto nevrálgico mais agudo da transição democrática que a América Latina vive: a tentativa da tutela que o Judiciário, aliado aos meios de comunicação, tenta impor à democracia latinoamericana. 

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A vida política argentina nunca será a mesma desde o discurso de Cristina. Todos têm que se situar em relação ao desafio que ela aceita e às acusações que ela faz à coligação midiático-jurídica, que ela chama de Partido Judicial. 

O próprio processo de redemocratização está em cheque. Ou ele se livra dessa tutela,  ou fracassará.

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O auto-golpe no Peru é mais um episódio do longo processo  de ruptura institucional que o país vive desde a década de 1990. Naquele momento chegava ao Peru o projeto neoliberal, encarnado no país pelo escritor Vargas Llosa que, favorito no primeiro turno, teve em Alberto Fujimori seu adversário. Fujimori assumiu um perfil anti-liberal e anti-autoritário, que teve uma vitória arrasadora.

Fujimori assumiu abertamente um governo autoritário, que se prolongou por toda a década de 1990, que combinou esse tipo de governo com o mesmo modelo neoliberal de Vargas Llosa. Seu governo combateu, de forma não menos violenta, a oposição da guerrilha do Sendero Luminoso.

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A ação simultânea do Fujimori e do Sendero destruiu radicalmente o sistema político peruano. Ao final dessa década, o Congresso impôs um parlamentarismo, que lhe permitiu, através de procedimentos ágeis, derrubar presidentes.

Foram cinco presidentes derrubados por impeachments, incluídos até o ex-presidente Alan Garcia que, acusado ele também por corrupção, para evitar sua prisão, se suicidou. A filha de Fujimori se candidatou sucessivamente nas eleições posteriores ao fim do governo do seu pai.

Essa sucessão de governos derrubados fez com que nas eleições de 2021, um professor e líder popular de uma cidade longínqua da província peruana, Pedro Castillo, conseguiu derrotar a filha de Fujimori, Keiko Fujimori, por uma diferença muito pequena. Ela concentrou seus voos em Lima, enquanto Castillo tinha sua votação concentrada na província.

Sem partido político, nem forças de apoio consistentes, Castillo fez um governo errático, da esquerda à direita, mudando de posição e composição do governo reiteradamente. Como resultado dessa trajetória errática, Castillo, isolado também no Congresso.

Mesmo com o contínuo crescimento econômico do país, Castillo não conseguiu se transformar no líder autoritário que setores da opinião pública, especialmente de Lima, passou a pedir, para reimpor a “ordem” no país.

O ato último do governo de Castillo transformou-o em mais um presidente deposto. Desta vez, depois de tentar um auto-golpe de fechamento do Congresso e instalação de um regime de exceção.

Depois de fugir e tendo finalmente que se entregar, foi preso. Sua vice-presidente, Dina Boluarte, que imediatamente assumiu como mais uma presidente sem vínculos sociais sólidos, sem um projeto de governo consistente.

O Peru ainda não se recuperou da sua destruição dos anos 1990. Não será pela posse de uma nova presidência que aquela destruição será superada.

“Quando se estrepou o Peru’?”, comentam dois amigos conversando em um café, no grandioso livro de Vargas Llosa, Conversação na Catedral, como quem dava por seguro que o país tinha se estrepado. Quando o Peru, que se estrepou lá atrás, superará esse que parece um destino?

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