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Washington Araújo

Mestre em Cinema, psicanalista, jornalista e conferencista, é autor de 19 livros publicados em diversos países. Professor de Comunicação, Sociologia, Geopolítica e Ética, tem mais de duas décadas de experiência na Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal. Especialista em IA, redes sociais e cultura global, atua na reflexão crítica sobre políticas públicas e direitos humanos. Produz o Podcast 1844 no Spotify e edita o site palavrafilmada.com.

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Ancelotti faz gol de placa contra o passado ao não chamar Neymar

A exclusão de Neymar da convocação para a seleção brasileira simboliza mais que uma escolha técnica: é o adeus a um legado tóxico

Neymar Jr. (Foto: Reprodução/TV Globo)

A exclusão de Neymar da convocação para a seleção brasileira simboliza mais que uma escolha técnica: é o adeus a um legado tóxico, e a chance de a Seleção recomeçar limpa e livre das sombras do excesso.

A lista de convocados divulgada ontem, 26 de agosto de 2025, pelo técnico Carlo Ancelotti, trouxe um recado direto, quase cirúrgico, à Seleção Brasileira: quem não estiver 100% física e mentalmente, está fora. “Jogador que joga na equipe nacional precisa estar 100% na sua condição física. Este critério é muito, muito importante para nós”, disse Carletto, em sua habitual serenidade italiana. E concluiu: “Há muita concorrência  em todas as funções. Então, quem não estiver 100%, vai ser substituído.”

Foi uma forma elegante de afirmar que a régua é clara: jogar bem. E nesse critério, o maior problema do chamado “menino Ney” não foi apenas a sucessão de lesões, mas o 6x0 sofrido diante do Vasco, quando vestia a camisa do Santos, símbolo de um declínio que insiste em se prolongar artificialmente nas páginas da imprensa esportiva. Ancelotti começou bem: olha para o presente e para o futuro, enquanto boa parte da crônica desportiva insiste em tratar ex-jogadores como se ainda fossem protagonistas.

Antes de prosseguir, faço uma ressalva: não me detenho na análise dos nomes convocados, tarefa que deixo aos sempre atentos Casagrande e Juca Kfouri, já que meu conhecimento sobre futebol é da altura de uma gilete deitada.

Já passou da hora de considerar Neymar um ex-jogador da Seleção. O craque que um dia prometeu ser herdeiro do brilho de Pelé e Garrincha tornou-se um fóssil reluzente da era dos dinossauros, deslocado na paisagem do futebol moderno. Seu legado é desabonador: uma sequência de gestos malcriados, abusos verbais, encenações teatrais e uma atração fatal pela vida boêmia, pelos holofotes das celebridades fúteis e pelo universo das redes sociais.

Seus escândalos extrapolaram os gramados. A começar pela acusação de sonegação fiscal no Brasil entre 2011 e 2014, que lhe custou congelamento de bens e multas milionárias. Depois, o episódio da transferência nebulosa para o Barcelona em 2013, batizado de “Neymargate”, que derrubou dirigentes e expôs valores ocultos de dezenas de milhões de euros. Por fim, a multa ambiental em Mangaratiba, em 2023, quando foi punido em R$ 16 milhões por erguer um lago artificial em sua mansão, desafiando a lei como se ela fosse apenas uma bola a mais para driblar.

Enquanto Neymar se perde na caricatura de si mesmo, outros jogadores nos estádios do mundo constroem carreiras sólidas dentro e fora de campo. Vini Júnior, com sua maturidade precoce, é hoje o rosto de uma nova geração que alia talento à disciplina. Lionel Messi, silencioso e sereno, ergueu-se como lenda sem precisar de escândalos para consolidar sua grandeza. Cristiano Ronaldo, símbolo do profissionalismo obsessivo, é testemunho de como o rigor e a ética moldam não apenas um jogador, mas um atleta exemplar.

O excesso, em Neymar, transformou-se em destino: fama desmedida, indulgência constante, egocentrismo sem freios. E o que poderia ter sido uma trajetória de ouro acabou se tornando um folhetim de desperdícios.

Ao não convocar o santista, Ancelotti faz mais do que optar por um critério físico ou técnico: ele dá um sopro de saúde moral à camisa amarelinha. A Seleção não pode viver prisioneira de nomes que já não pertencem ao presente. O recado é simples e definitivo: chega de museu. O Brasil precisa olhar para frente — com disciplina, talento e responsabilidade.

Neymar será lembrado não pelo que conquistou, mas pelo que desperdiçou.

Para o leitor pode soar contraditório eu afirmar que não entendo de futebol e, ainda assim, tratar da festejada não convocação do Neymar. Mas não consigo separar o jogador da pessoa — e optei por critérios que considero mais poderosos: ética, cidadania, empatia. E a falta disso, para uma seleção pentacampeã, é a maior derrota.

Quando um jogador estrela chega ao ponto de questionar até a circunferência da bola e parece defender a quadratura dela, não há mais retorno: é simplesmente hora de cada um seguir o seu caminho.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.