Aniversário de Mark Twain e sua permanente atualidade
"Mark Twain foi um autor que apontou o dedo contra o imperialismo do seu país"
Nascido em 30 de novembro de 1835, Mark Twain é um gênio universal tanto pelo valor da obra literária, quanto dos artigos e pensamentos, em que seu humor e combate são insuperáveis. Numa rápida olhada, recolhemos:
“Se você não lê o jornal, você está desinformado. Se você lê o jornal, está mal informado.
Uma consciência limpa é o sinal certo de uma memória ruim.
O medo da morte decorre do medo da vida. Um homem que vive plenamente está preparado para morrer a qualquer momento.
Não fui ao funeral, mas enviei uma bela carta dizendo que aprovava.
É melhor manter a boca fechada e parecer estúpido do que abri-la e remover todas as dúvidas
A ação fala mais alto do que as palavras, mas não com tanta frequência (como as palavras falam).
O homem que não lê não tem vantagem sobre o homem que não sabe ler.
Sanidade e felicidade são uma combinação impossível.
Quando eu tinha 14 anos, meu pai era tão ignorante que dificilmente eu podia suportar o velho. Mas quando eu tinha 21 anos, fiquei atônito com o quanto o velho tinha aprendido em sete anos”.
Eu poderia escrever um artigo inteiro somente com citações do gênio. E seria agradável para mim e mais ainda para o leitor. Mas devo acrescentar duas ou três coisas sobre Mark Twain. Ele foi anti-imperialista, antirracista, anti-hipócrita nos seus romances, contos, artigos e conferências. Muitos ainda não sabem. O autor de Tom Sawyer estava e está longe de ser um escritor para crianças e adolescentes. O livro Patriotas e Traidores: Anti-Imperialismo, Política e Crítica Social, uma seleção de artigos e ensaios de Mark Twain, acende e acorda no leitor vários movimentos e surpresas.
A introdução do livro, assinada por Maria Sílvia Betti, é bem esclarecedora. Ela nos fala que Twain foi, durante décadas, até a segunda metade do século 20, expurgado, purificado, censurado. Ou por razões de Estado, de propaganda, de política externa norte-americana, ou de negócios, o que vem tudo ao fim dar no mesmo. Recebemos e lemos todos um Mark Twain ótimo para os muitos jovens, um bom humorista de costumes para adultos, e um escritor absolutamente cego ao sangue arrancado a outros povos pelo imperialismo do governo dos Estados Unidos. Twain seria um inofensivo indivíduo de museu, espécime do século 19, com um babado charuto na boca. Segundo Maria Sílvia Betti, o biógrafo oficial e executor do testamento literário de Twain foi também um ativo personagem da execução mortal da sua memória;
“O que caracteriza a relação de Paine”, o biógrafo e testamenteiro homicida, “com o material ficcional e ensaístico de Mark Twain é seu desejo de acomodar a imagem do autor aos moldes do estereótipo que a opinião pública foi levada a fixar e que, evidentemente, deixava de lado os aspectos de sua crítica ao imperialismo norte-americano. A preocupação de Paine a esse respeito é explicitada em uma carta que ele dirige a um editor da Harper & Brothers em 1926, sugerindo que todos os esforços possíveis fossem feitos para evitar que outros ensaístas ou pesquisadores escrevessem sobre o autor, sob pena de verem a imagem do Twain ‘tradicional’, que haviam preservado, começar a perder o brilho e a transformar-se. O apelo do biógrafo à casa editora encontra respaldo num argumento poderoso dentro da lógica do mercado editorial: o fato de que, em sua avaliação, o material literário de que a Harper era proprietária sofreria, se isso acontecesse, um processo de depreciação, decorrente da agregação de aspectos que destoariam dos já estabelecidos pela fortuna crítica do escritor”.
O Twain que até então conhecíamos, ao lado do criador de Huckleberry Finn e de Tom Sawyer, era um Twain dos primeiros tempos, do contista das cidadezinhas do oeste dos Estados Unidos, da Célebre Rã Saltadora, do contador de anedotas, como na História de um Inválido. Dizia-se dele, até, que não era um pensador, mas uma força natural que sacudira o mundo pelo riso, como um primitivo, como um Adão norte-americano que tudo vira com olhos inocentes. A sua técnica narrativa, dizia-se, era essencialmente oral, e grande era a preferência pelas narrativas autobiográficas. Já se vê, pelo espólio que se impunha a Twain, o quanto se pode caluniar uma pessoa sob um manto de elogios. Ora, o Twain resgatado é infinitamente melhor e mais humano. Ele é o contista de uma obra-prima sufocada pela tradição de censura, sufocada já a partir do título, “O homem que corrompeu Hadleyburg”. Esse conto, cuja recuperação do tema por Howard Fast sofreu perseguição do macarthismo, é uma história com o ardor de um açoite sobre toda hipocrisia. Nela, uma cidadezinha orgulhosa de sua absoluta honestidade, virtuosa a ponto de ser a mais incorruptível dos Estados Unidos, pois que se protege ostensivamente de toda tentação como frades reclusos …. enfim, após três gerações de homens de moral imaculada, ela chega ao fim do conto sem um só cristão íntegro.
Mark Twain foi um autor que apontou o dedo contra o imperialismo do seu país, tão atual, tão moderno, que parece apontar contra os Estados Unidos imperialista de todos os tempos, ao parodiar o cinismo das desculpas para a guerra:
“Fomos traiçoeiros, mas foi apenas para que o bem emergisse do mal aparente. É verdade que esmagamos um povo iludido e confiante; atacamos os fracos e sem amigos que confiavam em nós…. apunhalamos um aliado pelas costas e esbofeteamos o rosto de nosso hóspede; compramos uma mentira de um inimigo que nada tinha para vender; roubamos a terra e a liberdade de um amigo confiante; convidamos nossos jovens a apoiar no ombro um fuzil desacreditado e os obrigamos a fazer o trabalho que geralmente é feito por bandidos, sob a proteção de uma bandeira que os bandidos aprenderam a temer, não a seguir; corrompemos a honra americana e maculamos seu rosto perante o mundo, mas cada detalhe visava o bem….”
Esse Twain, enfim, é um Twin, é um gêmeo nosso, um irmão de humanidade. É um bravo que se volta contra a covardia de linchamento de negros, contra a perseguição a chineses na Califórnia, contra o império dos negócios que sobrevivem sobre um mar de sangue. O movimento final que temos é o de abraçar esse gêmeo, esse gênio latino, europeu, asiático, africano. E como ficou bom voltar a ler as aventuras de Tom Sawyer e de Huckleberry Finn.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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