Mahatma dos Santos avatar

Mahatma dos Santos

Diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep)

1 artigos

HOME > blog

ANP abre futuro energético do Brasil aos interesses estrangeiros

As petroleiras estrangeiras incorreram no risco exploratório mesmo em um contexto global marcado por conflitos, incerteza e volatilidade

ANP (Foto: Saulo Cruz/MME)

O resultado do 5° Ciclo de Oferta Permanente da Concessão da ANP, realizado no dia 17/06, fortalece a presença de petroleiras estrangeiras no Brasil, desrespeita o debate público e o diálogo social sobre parâmetros exploratórios e regulatórios de novas fronteiras e coloca em risco soberania energética nacional.

O protagonismo dos consórcios liderados por empresas privadas neste leilão emudece os interesses de curto prazo que avaliaram como positiva a arrecadação de R$ 989,2 bilhões com bônus de assinatura, diante da fragilização da participação da Petrobras e da perda de controle do Estado brasileiro sobre a velocidade e riqueza gerada pela exploração econômica dessas áreas.

O leilão ofertou 172 blocos dispersos em cinco bacias sedimentares – Foz do Amazonas, Santos, Pelotas, Potiguar e Parecis -, dos quais 34 foram arrematadas sob regime de concessão. Do total de área ofertadas, a Petrobras ficou com 37,6% e apenas 24,2% na condição de operadora. As petroleiras estrangeiras serão operadoras de 60,2% das áreas arrematadas, com destaque para a estadunidense Chevron que operará 30,6% do total de área arrematada e a ExxonMobil por 13,4%, ambas na Bacia da Foz do Amazonas.

O interesse da indústria de óleo e gás se concentrou nas áreas de maior potencial exploratório, a Bacia de Santos, no polígono do pré-sal, e na Bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial Brasileira. Juntas essas duas áreas foram responsáveis por 98,8% de toda a arrecadação com bônus de assinatura e 87,2% do total de áreas arrematadas. O que reforça o caráter estratégico dessas áreas não só para o Ineep, mas aos olhos da indústria de óleo e gás global.

Na bacia da Foz do Amazonas, área com potencial de reservas estimadas em 10 bilhões de barris recuperáveis, segundo cálculos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a americana Chevron em parceria com a CNPC, estatal chinesa, arrematou 53,1% das áreas contratadas, enquanto a Petrobras em consórcio com estadunidense a Exxon ficou com apenas 46,9% das áreas arrematadas. A Chevron lidera o total de blocos e áreas arrematadas também na condição de operadora, a empresa estadunidense operará nove dos 19 blocos da Foz do Amazonas e 57,8% das áreas arrematadas. A Petrobras, por sua vez, será operadora de apenas 23,5% das áreas arrematadas na Foz do Amazonas, o equivalente a cinco blocos (o mesmo número da Exxon), mesmo depois de liderar os esforços de atendimento das exigências de licenciamento ambiental na região.

Na Bacia de Santos, apenas petroleiras privadas estrangeiras arremataram áreas leiloadas. Do total de 54 blocos leiloados, 11 foram arrematadas, o que resultou em um bônus de assinatura de R$ 133,4 milhões. A petroleira australiana Karoon arrematou 6 blocos, a inglesa Shell outros 4 blocos e a norueguesa Equinor um bloco.

As petroleiras nacionais se destacaram na aquisição dos três blocos na Bacia de Pelotas (RS) e no único bloco arrematado na Bacia de Parecis, única área terrestre. Na Bacia de Pelotas o predomínio foi do consórcio Petrobras e Petrogal Brasil, que arrematou todos os blocos e pagou um bônus de assinatura de R$ 11,4 milhões. Na Bacia de Parecis, a novata Dillianz arrematou um bloco por R$ 601,8 mil. Não foram adquiridos blocos exploratórios na Bacia Potiguar.

O apetite das majors privadas no leilão reforça o caráter estratégico da Foz do Amazonas e da Bacia de Santos tanto para indústria de óleo e gás internacional quanto para segurança energética global. Renunciar à soberania e controle dessas áreas é um erro do Estado brasileiro.

As petroleiras estrangeiras incorreram no risco exploratório mesmo em um contexto global marcado por conflitos geopolíticos, incertezas comerciais, volatilidade dos preços do petróleo no mercado internacional, avanços das novas rotas tecnológicas de baixo carbono e sensibilidade ambiental de parte das áreas leiloadas.

A opção açodada da ANP, MME e do Estado brasileiro em leiloar áreas estratégicas sob o regime de concessão significa perda arrecadatória e controle dos recursos naturais brasileiros no curto prazo, reforça uma agenda de retrocessos regulatórios, fragiliza a Petrobras e, principalmente, é abrir mão da soberania energética nacional e renda do petróleo no longo prazo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.