Antipetismo ou anti-bolsonazismo?
"Bolsonaro encarna o antipetismo, que tem como agenda positiva o uso da violência para combater a violência, a afirmação dos valores do machismo, da discriminação racial, de gênero, de todo tipo, a suposta luta contra a corrupção", diz o sociólogo Emir Sader; Fernando Haddad "conta com uma extensa agenda positiva", afirma ele; "Retomada do crescimento econômica e das políticas de inclusão social, dos direitos dos trabalhadores, dos recursos para políticas sociais, de que as propostas de reforma dos bancos, de reforma tributária, são alguns dos instrumentos"
As terceiras vias fracassaram. Está reinstalada a polarização, só que desta vez com o Bolsonazi no lugar dos tucanos. Está desenhado o segundo turno.
A última pesquisa do Ibope tem uma boa e outras más notícias para Bolsonazi. A boa é que ele subiu 2 pontos e de se consolida num patamar que lhe garante a participação no segundo turno. As ruins, é que ele empata com o Haddad no segundo turno em 40%, com uma tendência de alta muito mais rápida do petista. E, pior ainda, a rejeição de Bolzonazi, elemento decisivo no segundo turno, quando se vota contra o outro, é muito mais alta do que a do Haddad: de 42% contra 29%.
O primeiro turno está configurado. Haddad e Bolzonazi vão ao segundo turno, a ordem ainda não está definida. Mas como se desenha o segundo turno?
A história política brasileira se articulou, nas ultimas três décadas por uma acirrada disputa de agenda: quem consegue impor o consenso nacional? Quem consegue convencer os brasileiros da questão central do país?
Na saída da ditadura, na primeira disputa eleitoral, Collor conseguiu convencer a maioria dos brasileiros de que o problema central do país era o Estado. Os servidores públicos seriam marajás e o protecionismo estatal sobre o mercado interno nos condenava a ter carroças em lugar de carros com tecnologia avançada. Estava instalado o consenso neoliberal. Contando com o fracasso e a desmoralização do governo Sarney, Collor conseguiu virar a página da questão democrática, cujo impulso se esgotava, sem que o país tivesse agregado a democratização social e econômica à democratização política.
A derrubada do Collor viu a recolhida do bastão pelo FHC, cujo projeto inicial era ser o Tony Blair brasileiro, uma terceira via depois do trabalho de privatização do Collor. Mas como Collor viu interrompido seu governo, FHC teve que vestir o terninho da Margareth Thatcher e fazer o trabalho pesado do neoliberalismo. Conseguiu, porque foi capaz de dar continuidade ao diagnóstico do Collor de que, nas palavras do Reagan, "O Estado deixou de ser solução para ser problema". E governou tendo como eixo o ajuste fiscal para promover o Estado mínimo e a centralidade do mercado. FHC ganhou duas eleições no primeiro turno, como consequência desse consenso nacional.
Desde o Collor o PT e o Lula foram erigidos em adversários, em diabos, em alternativas retrogradas, estatistas, como oposição central ao neoliberalismo. Quando a maioria dos brasileiros foi convencida pelo Lula de que o controle da inflação, por si só, não atacava a questão central do Brasil, a questão da desigualdade, o Lula e o PT passaram a triunfar, em quatro eleições seguidas. Para deslocar o antipetismo como questão central do Brasil, o Lula promoveu sua imagem como a do "Lulinha, paz e a amor" e lançou a Carta aos brasileiros, para saltar do patamar histórico do PT de pouco mais de 30% e ganhar as eleições de 2002 no segundo turno.
Durante os governos do Lula o PT consolidou a agenda social como a prioritária no Brasil e se impôs como forca hegemônica no país. Ao sair do governo com 87% de apoio, Lula expressava essa hegemonia.
Ao longo do primeiro governo da Dilma essa hegemonia foi se enfraquecendo – em grande parte pela falta do discurso política de convencimento da população, de persuasão – e desembocou numa vitória apertada em 2014, porque a direita tinha recuperado capacidade de impor seus consensos. A corrupção e o suposto caos econômico passaram a ocupar o centro das preocupações da opinião pública e a direita estava em condições de triunfar, retomando o medo ao petismo. Assim se deu o golpe de 2016.
O fracasso do governo golpista e a recuperação da iniciativa da esquerda, pelo resgate da imagem do Lula como o principal líder político nacional, personificando a centralidade das questões sociais, recolocou a esquerda em condições de voltar a disputar o governo. Retornou a disputa aberta da agenda prioritária no país.
Bolsonaro encarna o antipetismo, que tem como agenda positiva o uso da violência para combater a violência, a afirmação dos valores do machismo, da discriminação racial, de gênero, de todo tipo, a suposta luta contra a corrupção. Da manutenção do antipetismo – hoje reforçado pela luta contra a corrupção – como preocupação central dos brasileiros, depende o destino da candidatura do Bolsonazi. Ele conta contra ele a enorme rejeição, decisiva no segundo turno, quando se vota contra e a rejeição é o índice fundamental.
Haddad, por sua vez, tem como objetivo colocar o antibonsonazismo e tudo o que ele representa, como o que os brasileiros mais querem evitar: violência, discriminação, autoritarismo. Para isso conta com uma extensa agenda positiva: retomada do crescimento econômica e das políticas de inclusão social, dos direitos dos trabalhadores, dos recursos para políticas sociais, de que as propostas de reforma dos bancos, de reforma tributária, são alguns dos instrumentos. Tem também a agenda positiva de recuperação e fortalecimento da democracia, assim como do clima de debate púbico no lugar do ódio, da violência e da discriminação.
O segundo turno será decidido pelo caudal de votos de cada um no primeiro, mais os que conquistar. A rejeição de 42% é um grave obstáculo para o Bolsonazi, 13% a mais do que o Haddad, isto é, pelo menos 13 milhões de eleitores a mais. O Bolsonazi sobe de 28 a 40% no segundo turno, ganhando 12%, enquanto o Haddad sobre de 19 para 40, conquistando 21%. Uma parte são votos do Lula que ainda não tinham claro a opção do Haddad, outra parte são transferências de outros candidatos, inclusive praticamente a totalidade dos votos do Ciro.
O segundo turno se apresenta assim favorável ao Haddad. O clima de anti-bolsonazismo tende a predominar, com uma frente democrática muito ampla, que deve levar à vitória do Haddad.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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