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Francisco Dominguez

Professor de ciência política na University of Middlesex

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Argentina enlouqueceu: Javier Milei é eleito presidente

Javier Milei não é apenas um político de extrema direita; ele também é um personagem muito estranho.

Javier Milei (Foto: Reuters/Agustin Marcarian)
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Publicado em Londres - https://morningstaronline.co.uk/article/f/argentina-goes-loco-javier-milei-elected-president

A América Latina e o mundo ficaram atônitos ao saber que, em 19 de novembro de 2023, o político de extrema direita da Argentina, Javier Milei, havia sido eleito presidente com 56% dos votos.

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Seu rival, o peronista Sergio Massa, ministro da economia do governo anterior de Alberto Fernandez, obteve 44% dos votos. O apoio da coalizão eleitoral Juntos por el Cambio, que obteve 24% no primeiro turno, foi crucial para garantir a vitória de Milei.

Javier Milei não é apenas um político de extrema direita; ele também é um personagem muito estranho.

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Sofreu humilhação e violência física de seus pais, por isso, durante anos, não teve nenhum relacionamento com eles; foi vocalista da banda de rock Everest; no ensino médio, ganhou o apelido de "El Loco" ("o louco") por causa de suas explosões de raiva; enfrentou processos judiciais por questões relacionadas a plágio, violência de gênero, associação ilícita e pelas finanças de sua campanha eleitoral; alegou falar com Deus; vive com quatro cachorros (que ele chama de "meus filhos de quatro patas") que ele batizou com nomes de economistas famosos; alega falar com "Conan", um cachorro morto que ele possuía; e em programas de bate-papo na TV falou sobre sexo a três e outras façanhas sexuais.

Uma biografia relata que ele fez seu primeiro amigo aos 33 anos e teve seu primeiro amor aos 47; ele é carismático, altamente agressivo, ofensivo e foi rotulado de misógino; ele se opõe veementemente ao aborto e às políticas feministas e declarou ser a favor da "liberalização" da venda de armas e órgãos humanos.

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Ele se vê como um guerreiro lutando nas guerras culturais do mundo e acha que a educação sexual é um plano marxista para destruir a família. Ele se define como libertário ou "anarco-capitalista" e é admirador de Margaret Thatcher, Donald Trump e Jair Bolsonaro.

Suas propostas são ultra-neoliberais e incluem a substituição do peso argentino pelo dólar americano e a eventual abolição do banco central do país; a abolição de todos os ministérios, exceto economia, justiça, interior, segurança, defesa e relações exteriores; a abolição de todos os subsídios, especialmente o de energia, juntamente com uma reforma econômica que visa a reduzir drasticamente os gastos públicos e sociais, bem como os impostos; e ele favorece a desregulamentação econômica total.

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Além disso, Milei também confirmou sua determinação de realizar uma onda de privatizações de serviços como saúde, educação e todas as empresas estatais, especialmente o sistema de mídia pública e as empresas estatais de petróleo e gás YPF e ENARSA.

Ele também reestruturará a AFIP (Receita Federal da Argentina) e a ANSeS (Administração Nacional de Seguridade Social) e prometeu "entregar a Argentina Airlines aos seus funcionários".

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Em relação à política externa, Milei propõe romper relações com o Brasil e a China e se opõe à entrada da Argentina no Brics porque "não promoverá acordos com comunistas". Em vez disso, ele disse que a Argentina se alinhará com os EUA e Israel, países que ele visitará antes de sua posse.

Milei também rejeita a entrada da Argentina no Brics porque é um grupo que favorece e promove a desdolarização do comércio. A principal assessora de relações exteriores de Milei, Diana Mondino, em uma entrevista à Sputnik News, disse que a Argentina não levaria adiante os planos de se juntar ao Brics.

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Romper os laços com o Brasil será prejudicial para a Argentina, mas romper com a China seria desastroso: em 2022, a Argentina exportou 92% da soja e 57% da carne para o país, e a China realizou investimentos substanciais no setor de energia do país e em sua indústria de lítio.

Ideologicamente, Milei é um ultraconservador que defende a ditadura militar de 1976 e nega que ela tenha assassinado mais de 30.000 pessoas, um número que ele diz ser de apenas 8.753, resultado de uma "guerra" na qual as forças do Estado cometeram "excessos", mas "os terroristas também", como ele rotula as vítimas da ditadura.

Milei foi um associado político do genocida militar General Antonio Bussi, condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade (repressão, desaparecimentos forçados, sequestros, torturas e assassinatos) na província de Tucumán durante a ditadura.

Em 2022, Milei firmou um acordo político com a Fuerza Republicana, liderada pelo filho de Bussi, Ricardo. Além disso, Milei combina um populismo antissistema com uma versão extrema do liberalismo econômico, idealmente com "nenhuma participação do Estado" na economia do país.

Sua noção de anarco-capitalismo inclui, entre outras coisas, a flexibilização das leis trabalhistas do país. Em sua propaganda, ele amalgamou funcionários do governo, burocratas sindicais, a classe trabalhadora e os 40% dos argentinos que dependem de benefícios sociais, rotulando-os de "parasitas e ladrões".

Milei considera o Estado pior do que a máfia e propõe o armamento de indivíduos como uma "solução" para garantir a segurança pública contra o crime. Para simbolizar seu compromisso de realizar cortes drásticos nos gastos do Estado, ele fez campanha com uma motosserra em movimento nas mãos.

Em seu discurso de vitória, Milei declarou que, na implementação de suas políticas econômicas, não haveria espaço para gradualismo e, contra aqueles que resistirem à eliminação do que ele rotulou de "privilégios" (ganhos da classe trabalhadora), "seremos implacáveis".

É inimaginável que um choque econômico como esse possa ser implementado sem graves ataques aos direitos políticos e democráticos, ao direito de greve, ao direito de manifestação e até mesmo ao direito de organização. As opiniões de Milei são contrárias à democracia liberal, pois ele a considera governada por uma "casta".

Os apelos de Milei para expurgar a "casta política" são quase idênticos ao compromisso de Trump de "drenar o pântano" e, assim como o mantra "Make America Great Again" do último, o argentino repete constantemente sua intenção de restaurar sua nação a uma posição de grandeza "no mundo que ela nunca deveria ter perdido". Ele até usa bonés com o slogan "Make Argentina Great Again".

Internacionalmente, ele se uniu ao partido de extrema direita da Espanha, o Vox, a Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo no Brasil, e a pessoas como o extremista de direita do Chile, José Antonio Kast. Trump tuitou uma mensagem eufórica prevendo que Milei "realmente fará a Argentina voltar a ser grande". Milei entrou em contato com Jair Bolsonaro para convidá-lo pessoalmente para sua posse.

O que está por trás da derrota peronista foram as políticas de austeridade impostas pelo FMI ao governo de Alberto Fernandez, que recebeu uma economia extremamente endividada, legado do governo Macri, que contraiu um empréstimo de US$ 57 bilhões (127 vezes maior do que a capacidade de endividamento da Argentina).

Entre 2018-20, o FMI concedeu a Macri os maiores empréstimos de sua história: US$ 100 bilhões (US$ 56 bilhões em 2018 e US$ 44 bilhões em 2020). Assim, entre 2012-21, a Argentina teve o maior aumento da dívida pública: 40,5 pontos percentuais do PIB.

Quando Fernandez assumiu o cargo em 2019, a dívida do país era de mais de US$320 bilhões e, em novembro de 2023, havia chegado a US$ 420 bilhões - uma situação terrível.

Em agosto de 2023, o Financial Times informou que: "A Argentina enfrenta uma pressão cada vez maior para desvalorizar sua moeda novamente enquanto seu governo luta para evitar o colapso econômico [...] com uma inflação de mais de 100% ao ano; cerca de 40% das pessoas vivendo na pobreza; e uma recessão se aproximando."

A vitória de Milei nas primárias levou a uma desvalorização de 18% do peso e a um aumento das taxas de juros para 118% com o objetivo de restaurar a confiança, além de um aumento generalizado dos preços dos bens de consumo de dois dígitos da noite para o dia. Não é de se admirar que os eleitores desmoralizados e desencantados tenham aderido em tão grande número às propostas simplistas de Milei.

No entanto, dada a experiência do país com o neoliberalismo, a dolarização e a austeridade do FMI no passado, o governo de Fernandez não mobilizou sua base política para exercer pressão sobre o FMI a fim de obter concessões para melhorar a posição de negociação da Argentina.

Os planos de Milei de reduzir os gastos públicos de 38% para 15% do PIB envolverão cortes severos em áreas altamente sensíveis, como aposentadorias, subsídios ao transporte (12 e 2,5% do PIB, respectivamente) e benefícios de assistência social para 40% da população.

A dolarização da economia, tecnicamente muito difícil de ser implementada, exacerbará enormemente a desigualdade e a pobreza, uma situação que, no passado, levou a uma agitação social militante, tornando as administrações não peronistas incapazes de concluir seu mandato.

Considerando a importância do Brasil e da China para a economia argentina, resta saber se Milei está realmente disposto a implementar uma ruptura tão auto prejudicial.

O ponto em que Milei também pode causar danos substanciais é sua oposição à continuidade do desenvolvimento de uma moeda comum Brasil-Argentina para seu comércio mútuo, mas também para a América Latina como um todo. Isso complicaria substancialmente, mas não interromperia, o processo em andamento de integração regional.

A eleição de Javier Milei como presidente levará a Argentina a uma crise gigantesca e multifacetada, levando seu governo de extrema direita a atacar os direitos e as conquistas do povo.

Suas prometidas políticas ultra-neoliberais brutais serão complementadas por uma implacável repressão e perseguição aos oponentes. Portanto, devemos construir o mais amplo movimento de solidariedade para defender a democracia e os direitos democráticos do povo na Argentina.

Artigo foi traduzido por Franklin Frederick

O Dr. Francisco Dominguez é um acadêmico e especialista em economia política contemporânea da América Latina e membro do executivo da Cuba Solidarity Campaign no Reino Unido.

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