CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Eric Nepomuceno avatar

Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

416 artigos

blog

Argentina, um Brasil que fala espanhol

À parte ter sido eleito de forma legítima e enfrentar mais resistência, Macri é um paralelo quase perfeito para Temer

À parte ter sido eleito de forma legítima e enfrentar mais resistência, Macri é um paralelo quase perfeito para Temer (Foto: Eric Nepomuceno)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

via CartaCapital,  em 17/08/2016 

Para entender o que acontece na Argentina desde a quinta-feira 10 de dezembro do ano passado, quando Mauricio Macri chegou ao poder, basta olhar em volta: mesmo considerando as diferenças, algumas fundamentais, o Brasil de Michel Temer é a Argentina falada em português, e vice-versa.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Antes de mais nada, é importante recordar a mais contundente das diferenças. Macri chegou ao poder levado pelos votos de 51,4% dos eleitores, diante dos 48,6% conquistados por seu adversário, Daniel Scioli, apoiado pela ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Uma vantagem estreita, inferior a 3 pontos: 700 mil votos, num universo eleitoral de 32 milhões. Michel Temer, por sua vez, não obteve um único e solitário voto: chegou à Presidência interina levado pelo golpe institucional em curso.

Outra diferença significativa: apesar de exercer a Presidência de forma legítima, Macri entra em seu sétimo mês de mandato enfrentando uma resistência cada vez mais ampla e dura nas ruas.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Isso se explica pelo fato de a Argentina, além de politizada, ser, depois de Cuba, o país mais sindicalizado das Américas. Crescem, com persistente constância, as multitudinárias mobilizações de protesto contra a política de terra arrasada do que foi feito nos últimos 15 anos, principalmente as conquistas sociais.

Algumas medidas, como o aumento de até 700% nos serviços públicos (luz, gás, transporte), foram suspensas temporariamente pela Justiça. A inflação continua acima de 40% anuais, o desemprego cresce, aumenta a repressão a movimentos sociais, e sabe-se lá qual será o preço final a ser pago pelo retorno do neoliberalismo exacerbado.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

milagros e Macri

Apesar da prisão de Milagro Salas, o projeto neoliberal de Macri enfrenta manifestações crescentes de oposição (Foto: Leo Ramirez/AFP)

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Uma das mais ativas dirigentes sociais argentinas, Milagro Salas, do estado miserável de Jujuy, foi presa assim que Macri assumiu, e presa está até hoje.

Deputada do Parlasul, o Parlamento do Mercosul, ela é acusada de atentar contra a ordem pública, graças às multitudinárias manifestações populares que encabeçava. Também é acusada de desvio de recursos públicos. Fotos de um BMW supostamente de sua propriedade, em cujo banco traseiro havia maços e maços de dólares, foram amplamente divulgadas.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Seus advogados comprovaram facilmente que eram fotos armadas, mas isso quase não chegou aos grandes meios de comunicação, que, lá como cá, praticam um jornalismo bandoleiro.

Medidas que beneficiam o capital internacional apareceram entre as primeiras ações de Macri. Acordos arduamente negociados entre o Estado argentino e credores externos foram sumariamente atropelados, com a rendição veloz diante da voracidade de fundos especulativos, não à toa batizados de ‘fundos abutres’, que lucraram bilhões.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O novo governo esperava, assim, acalmar os investidores internacionais e canalizar recursos em moeda forte para o país. Por enquanto, colheu promessas imensas e investimentos ínfimos.

Uma das primeiras medidas de Macri foi desvalorizar o peso argentino em 40% ante o dólar. Passados sete meses, o peso já está sobrevalorizado e o país vive o insólito fenômeno de ter uma inflação em dólar.

Volta a febre das privatizações, tão característica do ultraneoliberal ex-presidente Carlos Menem, que vendeu a preço vil parte substancial do patrimônio nacional dos argentinos.

Recorda-se, até hoje, uma das privatizações absurdas: a da Aerolíneas Argentinas, linha aérea estatal, vendida para a espanhola Iberia, na época igualmente estatal. Ou seja, um Estado “privatizou” patrimônio público, vendendo-o a outro Estado.

Foram os Kirchner (primeiro, Néstor, e depois sua sucessora e viúva, Cristina) que recuperaram parte desse patrimônio, nacionalizando empresas, como a petroleira YPF e a Aerolíneas. Tempos passados: tudo pode mudar.

Em outra coincidência com o que acontece por aqui, Macri coalhou seu governo e as principais empresas estatais com altos executivos extraídos diretamente de setores da iniciativa privada cujos interesses estão exatamente na mesma área.

Se aqui o interino Temer pescou entre os dirigentes (e também acionistas) do Itaú o novo presidente do Banco Central, máxima autoridade reguladora justamente do mercado financeiro, na Argentina o efetivo e legítimo (afinal, foi eleito pelo voto popular) Macri pescou em multinacionais altos executivos designados para ministérios e secretarias nacionais que controlam a mineração, o petróleo, o transporte, as concessões de infraestrutura, além, claro, da equipe econômica.

Impressiona a velocidade olímpica com que o novo governo eliminou subsídios sociais, suspendeu das exportações impostos que ajudavam a manter baixos os preços de produtos de primeira necessidade no mercado interno. A explosão inflacionaria derreteu parte consistente do comércio, liquidando pelo menos 150 mil empregos no setor varejista de março para cá. Só no primeiro semestre de 2016, e apesar dos dissídios que concederam aumentos substanciais aos salários, o poder aquisitivo real dos trabalhadores argentinos retrocedeu 12%.

Desemprego e inflação na Argentina

A inflação supera os 40% anuais e o desemprego e a repressão crescem

A política de resgate da memória, recuperação da verdade e instauração da justiça, levada adiante por Néstor Kirchner através de seu então secretário de Direitos Humanos, o advogado Eduardo Luis Duhalde, é outra vítima da sanha devastadora do novo governo.

Sabendo ser praticamente impossível desfazer o que foi feito, e que transformou a Argentina no país latino-americano que mais avançou nas investigações sobre o terrorismo de Estado durante a mais recente ditadura militar (1976-1983), Macri prefere corroer pelas bordas.

Muitas instituições dedicadas ao apoio a vítimas da política de lesa-humanidade, além das que levam adiante investigações sobre o que as trevas do esquecimento forçado ocultam, perderam pessoal e recursos. Ao mesmo tempo o governo incentiva tribunais a liberar para o regime de prisão domiciliar vários genocidas condenados à prisão perpétua.

Outra claríssima coincidência entre o governo interino do Brasil e o legítimo governo argentino está nas mudanças da política externa.

Voltam os tempos de alinhamento automático e servil com Washington. A política externa “ativa e altiva” iniciada com Lula da Silva e levada, a rigor, em banho-maria por Dilma, e que – apesar de rusgas bilaterais – sempre funcionou de maneira harmônica com a da Argentina ao longo dos últimos 13 anos, está condenada.

O golpe contra a Venezuela no Mercosul, por exemplo, é, de fato, um golpe contra a própria existência do bloco: ao impedir que se cumpram os estatutos e o país assuma a presidência rotativa, torna-se claro, de toda clareza, que agora os tempos são outros.

serra e servilismo

Serra dá um golpe no Mercosul e retornam os tempos de servilismo de Carlos Menem (Fotos: Jessika Lima/AIG-MRE e Ricardo Ceppi/dpa/Fotoarena)

A grosseria contumaz de José Serra é só a parte mais visível da sanha demolidora. Também nesse campo os novos tempos significam um acelerado retorno a tempos passados.

Para completar o quadro, lá – como cá, ou vice-versa – há uma intensa politização da Justiça, sempre com a cumplicidade unânime dos meios hegemônicos de comunicação.

Definitivamente, Brasil e Argentina nunca estiveram tão próximos, a não ser em tempos de ditadura.

Quando despertarem, verão que o sonho de integração virou pesadelo.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO