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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

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Armas e professores

Revólver (Foto: Divulgação)

Já pareceria demais montar um palanque na Praça dos Três Poderes para fazer proselitismo de armas de fogo. No lugar, encontram-se o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal -, o que há de mais representativo na constituição do país para se deixar conspurcar com temas que levam à morte, ao conflito, ao assassinato. Ainda por cima, um dos presentes, deputado federal e filho do Ex, julgou-se no direito de comparar professores, em quaisquer de seus níveis, a traficantes de drogas ou pior do que eles, corrigiu em seguida. Vivemos numa sociedade que, por estranhos desvios históricos, vem assistindo a descaminhos perversos, como o suicídio do Reitor Luís Carlos Cancellier, da Federal de Santa Catarina, perseguido injustamente e levado ao suicídio, e a existência de escolas cívico-militares, inventadas na contramão das tendências mundiais, felizmente encerradas por decisão governamental. 

Não firmamos de fato, como nações desenvolvidas, a hipótese do respeito ao magistério e da importância do aprendizado para a melhoria dos padrões de excelência de nosso comportamento. Braços da crise econômica e social alcançam e ferem crianças em diferentes educandários, como se, para nos elevarmos, precisássemos mostrar que somos corajosos, andamos com revólveres e fuzis a tiracolo. O parlamentar que se entregou a excessos de retórica, achando que se saía bem, não domina refinadas normas da boa educação. Por isso, cospe na escolaridade que recebeu como garoto privilegiado junto a tantos outros desfavorecidos com poucos ou nenhum recurso. Não está tão distante da delegada Erika Marena, responsável pela tragédia provocada pela operação “ouvidos moucos”, que vitimou o antigo Reitor. Trata-se, sem dúvida, de assunto para ser revisto pelo Estado, com a punição devida aos arrogantes infratores à testa da justiça de então. Lembremos que Cancellier ficou nu diante de outros presos durante trinta horas, algemado e acorrentado nos pés, antes de o encerrarem na Casa de Custódia. O interrogatório demorou três horas. Foi como destruíram a autoestima do docente e o conduziram a atentar contra a vida, atirando-se do sétimo andar de um shopping. 

Cabe assinalar que a ideia de uma escola de disciplina militar, representa em si novo ataque aos que se dedicam ao magistério, como se não tivessem competência para se encarregar de suas tarefas e necessitassem de gente fardada, premiada com gratificações extras. A medida transita na mesma faixa da extinção da filosofia, da sociologia e da história nos currículos obrigatórios. Escola e conhecimento pedem ao contrário liberdade, não opressão. É por via da livre transmissão de saber que se acende a fagulha e que vamos cada vez mais longe em nosso desenvolvimento. De nada resolve cercar as escolas de muros e entregá-las a militares treinados para a guerra, quando estamos em paz e aspiramos ao conhecimento intelectual. Por experiência própria não ignoramos o que representou em malefícios entregar o poder a um capitão com pretensões a pequeno ditador e admirador de torturadores. Nossos valores escorriam pelos ralos... Hoje temos nítida convicção de que Cancellier não morreu em vão. Será lembrado como alguém que, ainda que em espectro, obcecará cada um dos algozes que o torturaram e desmoralizaram com prazer sádico. É um compromisso.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.