Arrecadação seletiva
A seletividade irá gerar desequilíbrio, com a sobrecarga tributária, sem gerar os efeitos positivos para a saúde, e fortalecerá a regressividade
A reforma tributária aprovada e já na fase final de regulamentação criou o Imposto Seletivo que incidirá sobre “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”. O objetivo é inibir o consumo de produtos que estariam enquadrados no escopo desse tributo, na chamada “extrafiscalidade”, ou seja, seria justificada a intervenção do Estado não com a finalidade de arrecadar, mas sim induzir comportamentos, desestimulando o consumo; regular a economia, controlando a inflação, equilibrar a balança comercial ou proteger a indústria nacional ou alcançar finalidades sociais: Promover a função social da propriedade ou a proteção ambiental com o estímulo ou desestímulo de determinadas ações por parte dos agentes econômicos e cidadãos.
Além de adotar um conceito aberto, “bens e serviços prejudiciais à saúde” gerando a dúvida: qual produto está totalmente isento de causar danos à saúde? A seletividade fez escolhas que podem ser consideradas discriminatórias, por exemplo, ao focar em bebidas açucaradas, entende que esse produto seria o único a ter açúcar na sua composição e que, portanto, merece essa taxação adicional.
Nesse sentido, importante considerar alguns dados relevantes: A coibição do consumo do açúcar seria justificada pela necessidade de conter a obesidade da população, que cresceu no mundo 103% no período de 2006 e 2023, porém, o consumo de refrigerantes, caiu 53% nesse mesmo tempo; quanto a participação calórica, dados oficiais apontam que as bebidas açucaradas representam 1.7% das calorias consumidas pela população brasileira (POF/IBGE); o Fundo Monetário Internacional identifica que o impacto desse tipo de imposto sobre a saúde é incerto; nos países que adotaram essa incidência houve a migração para produtos similares, com imposto menor e com teores superiores de açúcar; deve também ser considerado o incentivo ao consumo de produtos informais, que se não pagarem impostos e não respeitarem os regulamentos técnicos, ficarão claramente mais baratos, estimulando o consumo. A ANVISA afirma que os refrigerantes foram a categoria que apresentaram os melhores resultados na diminuição de açúcar entre todos os alimentos e bebidas (- 37.55%), a meta era chegar a 10.6g/100 ml e os refrigerantes alcançaram 6,62 g/100 ml; por fim, o setor é o maior comprador de frutas do Brasil e gera dois milhões de empregos.
Esses fatos expressam números relevantes e demonstram que o impacto para a pretendida melhora da saúde da população não encontra respaldo na realidade, logo, o objetivo subjacente é de aumentar a arrecadação, invalidando o objetivo almejado pela extrafiscalidade.
Vale ainda lembrar os princípios expressos na Constituição Federal, especialmente no § 3º do artigo 145: “O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação…” que remete ao ditame da neutralidade, para que na definição do Imposto Seletivo não seja gerado um total desequilíbrio, estimulando a sobrecarga tributária e informalidade. Outra disposição, expressa no § 4º que “as alterações na legislação tributária buscarão atenuar efeitos regressivos".
Ora, a seletividade irá gerar desequilíbrio, com a sobrecarga tributária, sem gerar os efeitos positivos para a saúde, e fortalecerá a regressividade, uma vez que onerará a população de baixa renda.
Em verdade, a adoção da seletividade sobre bebidas açucaradas não atende os fundamentos técnicos que norteiam sua aplicação e afrontam regras constitucionais, devendo ser mitigada em seus efeitos com limites que devem ser incorporados na regulamentação em trâmite na Câmara Federal.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

