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Jean Menezes de Aguiar

Advogado, professor da pós-graduação da FGV, jornalista e músico profissional

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Art. 142, ‘chefe supremo’ e o sonho autoritário

Este 142 é cópia do art. 90 da autoritária Constituição de 67 e ocupou o art. 176 da democrática Constituição de 1946. Ou seja, zero de novidade

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O jurista alemão Robert Alexy (Teoria da Argumentação Jurídica) ensina que há dois tipos ‘totalmente diferentes de discussão jurídica’: o da ciência do direito e o que se encontra nos meios de comunicação. O primeiro não interessa num artiguinho destes. Mas o segundo promete.

Há um cruzamento interessante na discussão leiga. Qualquer pessoa tem sua própria visão de mundo, ideologia, lado político e preferência por este ou aquele candidato. Isso não se discute. O problema começa quando conceitos jurídicos entram na conversa. Aí nasce uma formidável jactância do saber e muitos se transformam em juristas de almoços de domingo.

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A Constituição da República, no idoso e burocrático art. 142, entrou na moda nesta atualidade derrotada a partir de Sábado 1º/1/2023, às 14:59h. Há quem acredite, verdadeiramente, que o artigo art. 142 possa validar um provinciano golpe de Estado, ou seja, crime. Ou requentar uma estapafúrdia intervenção militar, ou seja, crime. Ávidos e gulosos de uma leitura literal, e por isso errática da Constituição, acham que ela só precisa ser ‘lida’, como alfabetizados que são e se gabam de ser. São os novos-deslumbrados descobridores do constitucionalismo.

O que diz o artigo 142: ‘As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.’

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Este 142 é cópia do art. 90 da autoritária Constituição de 67 e ocupou o art. 176 da democrática Constituição de 1946. Ou seja, zero de novidade. No direito comparado as Forças Armadas estão nos artigos das Constituições: Argentina 99; Colômbia 216-222; Bolívia 97, 207-213; Paraguai 129, 172-173; Portugal 275-276; Alemanha 87-A; Bélgica 182-186; Estados Unidos I, 8 e II, 2. A Itália relega a 12 palavras a referência às Forças Armadas, no art. 52 impondo a elas o princípio democrático. A França utiliza também um único artigo, o 15, apenas para reconhecer o presidente como chefe.

Assim, o Direito Constitucional em todas as democracias conhece o tema muito bem. No Brasil, desde a Constituição do Império de 1824, art. 147, já havia: ‘A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legítima…’

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Começa-se a perceber que o brega patriorrevolucionarismo-2022 de invocar o artigo 142 como sanha golpista, pode até encantar novos conscientes políticos e outros desocupados, mas não tem qualquer futuro numa simples análise jurídica consistente.

Utilizemos, de início, Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967), seguramente, a coleção de grande referência dos constitucionalistas brasileiros.

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O pomposo conceito de ‘autoridade suprema’ do art. 142 jamais autoriza possa o presidente da República dar um golpe de Estado. Ou seja, cometer os crimes previstos no Código Penal, art. 359, L e M, de quebra, arrastando oficiais superiores, que se mancomunariam com ele, para a safadeza da delinquência coletiva, enfrentando ainda um crime conexo de associação criminosa, art. 288 do Código Penal. Quem toparia aderir à idiotice?

Há quem pense devotamente que se isso tudo não ‘funcionar’, as Forças Armadas ainda poderiam, com base neste simplório-tudo artigo 142, tirar do armário o espartilho-trans ‘poder moderador’, velharia histórica de séculos atrás e moderar, seja este troço o que for.

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Forças Armadas atendem a um princípio bivalente de hierarquia e disciplina. O que não quer dizer que tenham que obedecer a ordens ilegais e cometer crimes, como indiscutível e amplamente se ameaçou em discursos oficiais.

Mas o binômio constitucional militar ‘hierarquia e disciplina’ é totalmente restrito à lei e à Constituição. Pontes de Miranda, discutindo o princípio, encerra a conversa: ‘Não há ordem a que se tenha de obedecer se é ilegal, com mais força, se inconstitucional.’ Ou seja, Forças Armadas jamais poderiam cometer ilegalidade e ponto final.

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Viu-se que o presidente derrotado, desde a primeira semana do cargo, repetia, semanalmente, que era ‘comandante em chefe’ das Forças Armadas, fala que nenhum presidente civil das democracias utiliza. Uma ‘psiquê’ para terapeutas fazerem uma tese, afinal, não é todo dia que um capitão ‘desligado’ do Exército consegue mandar em generais da ativa. Este frisson reiterado de ‘comandante em chefe’, impressionou leigos em direito e edificou enganos jurídicos totalitários.

‘Hierarquia’, juridicamente, diz respeito a círculo ao qual ela própria é exercida; não guarda relação com governação ou comando efetivo. Também não tem a ver com a ordem estatal, concluindo Pontes sobre o assunto: ‘estar no reino e governar são coisas diferentes. O rei reina, e não governa’. Parece que o já ex-de-fato-presidente acreditou que podia tudo em relação às ‘suas’ Forças Armadas.

Já o conceito de ‘disciplina’ diz respeito à obediência à ordem, só que ‘dentro do quadro ou serviço, que por sua vez é obediente a quem, dentro da Arma, pode mandar’. Por isso a célebre diferença entre o presidente da República ter a ‘direção política’ da guerra e não ter a ‘direção militar’ da guerra. Para cima, no último círculo de hierarquia das Forças Armadas não há mais Forças Armadas, somente o presidente, que, como presidente, obviamente, não pertence às Forças Armadas.

Nem se queira contestar que, no caso, estar-se-ia diante de um ‘capitão’, e por isso ele seria pertencente às Forças Armadas. Juridicamente isso vale zero na relação jurídica do art. 142, exclusiva ao cargo de presidente da República e tão só, sendo irrelevante se o sujeito é médico, bombeiro, desocupado ou ‘atleta’.

Daí, quatro crenças que atormentam o leigo. A primeira, supor que na Constituição exista o tal ‘direito absoluto’; não existe. A segunda, querer vaidosamente que uma mera leitura da Constituição valha como uma das 9 possíveis interpretações jurídicas (gramatical, lógica, teleológica, sistemática, extensiva, restritiva, histórica, autêntica, sociológica); não vale. A terceira, um vezo cultural que vê hierarquia em tudo e acha que basta um presidente ‘ordenar’ qualquer coisa que pronto, uma ação salvívica ocorrerá. A quarta, a sedução da semelhança ideológica com o autoritarismo radical que transforma ignorância em esperança num crime de golpe de Estado. Como bônus, a bobajada de salvar o país do comunismo, um totalitarismo mental de confundir o g&ec irc;nero esquerda com a espécie comunismo.

Nas crenças e esperanças alimentadas pela singela ignorância, o presidente, seus crédulos de internet e os patriorrevolucionários de estradas e porta de quartéis encontraram um muro constitucional intransponível, impedindo o golpe, conhecido juridicamente no mundo todo como Estado Democrático de Direito.

Uma pá de cal para teimosos, sobre o artigo 142 autorizar ou não a intervenção militar ou golpe de Estado seria o caso de se pedir um único livro de Direito Constitucional, só um, que contivesse isso escrito. Não existe.

Dois detalhes importantes: idêntica competência constitucional é dada aos três chefes de Poder, e só a eles, de convocar (!) as Forças Armadas para a garantia da garantia da lei e da ordem: os presidentes da República, da Mesa do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Vê-se aí absoluta igualdade e simetria entre os três presidentes. A conclusão é: as Forças Armadas não agem espontaneamente, autonomamente, precisam ser convocadas por qualquer um dos três presidentes de Poder.

Outra conclusão jurídica é que em nada, zero, as Forças Armadas se equiparam, como entidade, ao conceito constitucional de Poder.

Na grande obra especializada da atualidade (Canotilho e outros, Comentários à constituição do Brasil), vê-se que, além da convocação por qualquer dos presidentes de Poder, à garantia da lei e da ordem, a missão das Forças Armadas é a ‘defesa nacional’, o que Cretella Jr. em seus Comentários à Constituição ensina como defesa contra agente externo. De toda sorte, toda e qualquer atuação das Forças Armadas se vê estritamente comprometida por forte controle legislativo e jurisdicional, situação óbvia comum a qualquer Estado Democrático de Direito.

Um bom método de os novos politizados que pedem ou apoiam golpe de Estado obterem conhecimento com segurança seria um artefato antigo que saiu de uso que se chama ‘livro’, qualquer um de Direito Constitucional serve. Por outro lado, quem precisa de certezas se pode inventar a própria loucura?

Jean Menezes de Aguiar

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