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Rogério Maestri

Engenheiro e professor na UFRGS

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Como os cientistas sociais são inúteis para projetar o futuro

É preciso matizar a interpretação. O Vietnã foi o palco de uma evolução do “estilo americano de guerra”

EUA tropas Afeganistão (Foto: Paulo Emílio)
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Estava procurando um texto que cobrisse as guerras religiosas do fim da idade média até os primeiros movimentos da economia capitalista. Para tanto me deparei com um pretensioso texto em português que em 521 páginas pretendia escrever História das Guerras, ou seja, o título não era um “Resumo sucinto dos principais conflitos: Sob o ponto de vista ocidental”, ou mesmo um título que restringisse ainda mais o assunto, mas era para ser um compêndio desde a Guerra do Peloponeso até a Guerra do Golfo (atenção: o livro encontra-se disponível na Internet de graça, por isso que li algumas de suas partes). 

Poderia se esperar um livro como a “Arte da guerra” supostamente escrito por um general Chinês Sun Tzu que milênios depois de escrito ainda é lido e citado por todos que falam em guerra, mas Sun Tzu pelo que se saiba não era um historiador ou cientista social, era um comandante de um imenso exército. Mas o mais interessante que o organizador do livro Demétrio Magnoli (organizador = uma pessoa que reparte a responsabilidade de escrever besteiras com os outros) cita no primeiro capítulo “No espelho da guerra” o nada famoso e praticamente desconhecido “Pacto Briand-Kellogg”, uma das maiores fantasias em termos de tratado de paz, que evitaria todas as guerras, um tratado “universal de paz” e foi assinado exatamente pelo país que mais provoca guerras dos mais diversos tipos na atualidade, os Estados Unidos. 

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Nesse primeiro capítulo há uma verdadeira babação de ovo dos Estados Unidos escrito pelo organizador, onde ele chega a escrever: 

“A visão moralista que orienta a política externa americana não pode ser explicada nos limites da razão geopolítica. A abominação da guerra e seu complemento paradoxal, o impulso da redenção do mundo pela força das armas, deitam raízes no sentido de missão e predestinação dos radicais protestantes que sonharam difundir pela Europa a Commonwealth de Cromwell, no século XVII, e mais tarde inspiraram os “pais fundadores” dos Estados Unidos. O dever moral dos revolucionários ingleses era espalhar as sementes da liberdade entre os povos oprimidos pela tirania das monarquias católicas.” 

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Pela data que foi escrito o livro, 2006, onde a Rússia e a China ainda não mostravam os dentes para as bravatas norte-americanas, era até razoável que alguém que não conhecesse nada de guerra escrevesse essas platitudes no início do texto. 

Mas quem quiser que leia o livro, com espírito crítico pelo menos, pois é necessário muito espírito crítico para, por exemplo, lendo o último capítulo escrito pelo organizador do livro “Guerras da Indochina” um título totalmente desvinculado do texto, pois na realidade ele fala somente da Guerra do Vietnam e a indochina era uma região bem mais ampla do que isso, ele escreve mais uma de suas visões que confirmam o título do artigo. 

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O Vietnã representou, para o pensamento militar americano, uma guerra de transição. O “estilo americano de guerra”, delineado na Guerra de Secessão, alcançou seu apogeu na Segunda Guerra Mundial. Esse “estilo” se baseava na mobilização geral das forças de uma poderosa economia industrial, numa rude estratégia de atrito, na superioridade oferecida por um poder de fogo arrasador, na tática de ofensivas diretas e decisivas. A Guerra da Coréia revelou, pela primeira vez, as limitações dessa tradição militar e a Guerra do Vietnã assinalou seu esgotamento. 

Mas é preciso matizar a interpretação. O Vietnã foi o palco de uma evolução do “estilo americano de guerra” e, sob certos aspectos, antecipou tendências que encontrariam plena expressão décadas mais tarde. Na Indochina, só ocorreu uma batalha aérea digna de nota: a Operação Bolo, em 2 de janeiro de 1967, quando 28 caças F-4 Phantom atraem diversos MiG-21 norte-vietnamitas para o combate sobre Hanói, derrubando sete deles. O domínio absoluto dos ares pelos Estados Unidos resultou na redefinição do papel da Força Aérea, que passou a funcionar como elemento de apoio direto às forças de terra. A estreita coordenação entre forças de ar e terra, inaugurada no Vietnã, aprimorou-se mais tarde e evidenciou todo o seu poder letal no golfo Pérsico. Além disso, no Vietnã, os Estados Unidos ensaiaram o uso intensivo das ações de comandos que figurariam com destaque na fulminante operação militar americana no Afeganistão, em 2001.”  

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Vamos analisar o texto e fazer uma espécie de quantos erros podemos achar. 

  1. A guerra da secessão não se caracteriza por uma “uma poderosa economia industrial”, o norte possuía uma capacidade industrial muito maior do que o sul, entretanto em todo o período inicial da guerra havia uma verdadeira equivalência entre os dois exércitos, e talvez o que podemos caracterizar na guerra da secessão era o emprego de tropas irregulares que agiam quase como guerrilhas devido a capacidade do armamento ter muito melhor possibilidade de acertar mais longe, muitos falam que na guerra da secessão foi a primeira guerra em que o uso de fileiras de artilheiros que não miravam em pessoas mas no grupo. 
  2. O que definiu melhor o exército norte-americano foi a guerra assimétrica de extermínio dos indígenas, e talvez por isso quando chegaram na primeira grande guerra, com “estilo americano de guerra” foram verdadeiros fracassos, pois nem capacete metálico utilizavam e tiveram que utilizar capacetes emprestados. 
  3. O papel “da Força Aérea, que passou a funcionar como elemento de apoio direto às forças de terra” não foi uma redefinição coisa nenhuma feito durante a guerra do Vietnam, pois o uso das forças aéreas como apoio direto às forças de terra era algo que nasceu com a aviação militar (como observadores no início) e os embates de caças contra caças sempre foi utilizado por todos os exércitos para obter a supremacia aérea e partir para o importante, que são e sempre foram os bombardeios. 
  4. Quanto ao “domínio absoluto dos ares pelos Estados Unidos” é uma imensa mentira, as perdas dos norte-americanos, que segundo o texto do pode parecer bem restrita, porém vamos aos dados reais fornecidos pelo governo norte-americano.

    Os Estados Unidos perderam no Vietnã quase 10.000 aeronaves, helicópteros e UAVs (3.744 aviões, 5.607 helicópteros e 578 UAVs sendo que dos se somarmos com as perdas dos (República do Vietnã, Coréia do Sul, Austrália, Tailândia, Nova Zelândia), perderam cerca de 12.500 aeronaves, helicópteros e UAVs

    Os norte-americanos tinham no Vietnam 11.835 helicópteros e perderam 5.607, ou seja, mais de 50%. 
  5. Quanto “fulminante operação militar americana no Afeganistão, em 2001” resultou na humilhante retirada em 2021. 

Eu vejo nos olhinhos do Demétrio Magnoli quando ele escreveu essas bobagens em 2006 uma visão de brilho e satisfação, porém se ele reler com cuidado hoje em 2021 provavelmente dos mesmos olhos vão escorrer lágrimas. 

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