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Regina Lucena

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As agências reguladoras e a lenda do curupira

Dessa vez, entidades ligadas à defesa dos usuários dos serviços de saúde suplementar, os planos de saúde, se voltam contra a nomeação do médico José Carlos de Souza Abrahão para diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)

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Volta e meia, somos surpreendidos por notas, notícias e manifestos contra as indicações para a direção das agências reguladoras. Criadas como parte da panacéia de gestão por resultados na década de 1990, as agências eram então coerentes com a proposta do Estado regulador – menos intervenção, regulação exercida indiretamente e de forma menos rígida. Partia-se da premissa que o Estado ajudaria somente pelo fato de não atrapalhar as relações de mercado. Dessa forma, as agências teriam muitas vantagens, por seu desenho institucional: num cenário ideal, seriam ocupadas por técnicos das agências que responderiam, de modo consistente e independente, por determinado setor. Garantida a sua autonomia, as decisões estariam isoladas de influências políticas e das pressões eleitoreiras, o que levaria à perfeita regulação dos serviços e melhor desempenho dos setores regulados. Um céu de brigadeiro.

Na prática e com o passar dos anos, a deterioração dos serviços regulados pelas agências depõe contra esse modelo de regulação. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas em 2013, apenas 2% dos consumidores recorrem aos órgãos de regulação para resolverem suas queixas sobre serviços de telecomunicações, energia elétrica e planos de saúde. A falha no cumprimento da finalidade das agências é agravada pelas recorrentes críticas e suspeições quanto ao processo de escolha e indicação dos seus quadros dirigentes. Dessa vez, entidades ligadas à defesa dos usuários dos serviços de saúde suplementar, os planos de saúde, se voltam contra a nomeação do médico José Carlos de Souza Abrahão para diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As entidades questionam a ligação do indicado com instâncias que representam o interesse do setor, como a Confederação Nacional de Saúde Hospitais, Estabelecimentos e Serviços.

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Não é a primeira vez que a ANS enfrenta crises desse tipo. Há pouco, em outubro de 2013, o ex-diretor Elano Figueiredo renunciou a seu mandato no órgão, depois que a Comissão de Ética da Presidência da República recomendou a sua destituição do cargo, em razão de ter omitido, no currículo que enviou ao governo e ao Senado, a sua atuação anterior em empresas privadas de planos de saúde. O caso é emblemático das muitas indicações questionáveis para dirigentes das agências, seja por conflitos de interesses, seja pela partidarização desses órgãos. A verdade é que as agências reguladoras vivem uma situação de crise permanente, sem uma normatização conjunta e clara (o projeto de lei das agências reguladoras foi arquivado em 2013, depois de quase dez anos perambulando pelo Congresso Nacional) e expostas ao risco real de ocupação por interesses contrários aos usuários, a quem deveriam servir – é como se o lobo estivesse sempre prestes a cuidar das ovelhas.

O pesquisador Álvaro Nascimento apontou, com precisão, a existência do "triângulo da modernidade cínica" nas agências reguladoras, formado por três vértices: o Senado Federal, responsável por aprovar todos os nomes de dirigentes das agências reguladoras; os dirigentes das agências; e as empresas reguladas. O financiamento de campanhas eleitorais quebraria definitivamente qualquer possibilidade de isenção na relação entre esses três vértices. Os inegáveis avanços na regulamentação de serviços e as sistemáticas punições aos maus prestadores parecem ainda insuficientes com relação à proteção esperada e desejada dos usuários dos serviços prestados por grandes empresas e operadoras, num desequilíbrio total de forças. A autonomia das agências, que deveria protegê-las contra qualquer espécie de interferência política, acaba por blindá-las contra o envolvimento da população nas suas decisões e atuações, que ficam restritas aos órgãos de governo e, quando muito, a entidades de defesa do consumidor e da saúde coletiva. Assim é que as agências se tornaram uma espécie de Curupira às avessas. Se na lenda brasileira, o guardião das florestas corre de maneira inalcançável com os pés virados para trás, as agências, que deveriam ser as guardiãs do interesse público, correm contra quem deveriam proteger, sem que seja possível mantê-las no nosso campo de visão. Resta saber quem ganha essa corrida.

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