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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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As aves de rapina conseguirão devorar a Eletrobrás?

Frente do prédio da empresa Eletrobras, no Rio de Janeiro, Brasil (Foto: REUTERS/Pilar Olivares)
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O país possui grandes rios de planalto (grandes quedas-d'água) alimentados por chuvas tropicais abundantes, que mantêm a maior reserva de água doce do mundo. Essa característica, ao longo dos anos, promoveu o estabelecimento de uma matriz elétrica essencialmente hidráulica. Tem-se mais ou menos uma participação de 61% desse tipo de fonte na geração de energia elétrica no país. A geração é o segmento mais complexo dentro do setor elétrico, pois é a parte responsável por operacionalizar as usinas. Os investimentos são altos com manutenção, equipamentos, tecnologia, turbinas, parte elétrica, substituição de peças. Além de tudo, o segmento ainda sofre nos períodos de estiagem. Cerca de 31% desse mercado é dominado pela Eletrobrás.

A iniciativa privada já detém no Brasil:  60% da geração de energia instalada; 39% da transmissão (que interliga o sistema); 71% da distribuição (que entrega a energia ao consumidor final). A privatização da área de energia começou nas empresas de distribuição, a partir de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Na época, a forte resistência, principalmente dos trabalhadores das empresas públicas, inviabilizaram imediatamente a privatização das usinas de geração, que era a intenção também de FHC. Mas hoje a geração já é 60% privada, por isso querem tomar a Eletrobrás. Algumas distribuidoras também se mantiveram públicas, em boa parte graças à luta dos trabalhadores, que impediram, no “osso do peito”, a privatização das empresas (tenho a oportunidade de acompanhar, um pouco, a luta dos trabalhadores eletricitários em Santa Catarina). 

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A expansão da geração na última década, ocorreu com leilões à iniciativa privada. A maioria teve como vencedores grupos locais como Odebrecht e Camargo Corrêa. Só que essas grandes empreiteiras, que concorriam com as empresas norte-americanas, foram praticamente destroçadas pela operação Lava Jato (tramada no Departamento de Estados dos EUA e hoje completamente desmascarada). Como se sabe, a operação Lava Jato foi deflagrada contra a Petrobrás. Porém, à medida que o processo foi se desenvolvendo, os EUA perceberam também que podiam aproveitar a operação para liquidar empresas do setor privado, que concorriam diretamente com as empresas estadunidenses.

A tarifa média brasileira de energia elétrica é superior à praticada em outros países. Segundo o ranking de tarifas do Global Petrol Prices de 2019, o Brasil possui a 37ª tarifa elétrica mais alta do mundo, numa lista de 110 países (quase no terço de preços mais elevados). Atrás dos países desenvolvidos, mas com preço maior, comparado àqueles em nível de desenvolvimento semelhante. Fazendo a comparação com 2020, ajustando por Paridade de Poder de Compra, a relação se mantém, com o país estando em posição melhor do que a maioria daqueles desenvolvidos, mas pior do que países como Polônia, África do Sul, China, México, Índia, entre outros. Qual o problema dessa colocação? É que o Brasil reúne condições que lhes assegura uma energia com baixíssimo custo de produção. 

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Segundo os especialistas, pagamos não o preço pela geração da energia hidráulica produzida na grande maioria aqui (61%), mas o equivalente a como se estivéssemos produzindo energia usando carvão, petróleo ou gás natural, a exemplo de outros países que não dispõem de recursos naturais abundantes, como nós. Nesse aspecto, a energia elétrica se parece com derivados do petróleo. O Brasil é uma potência petrolífera, capaz de prospectar, perfurar, extrair, refinar e distribuir o petróleo, como a descoberta da maior jazida do terceiro milênio, anunciada em 2006, demonstrou. Mas isso não faz a menor diferença para o bem-estar do povo brasileiro. Como o preço interno dos combustíveis está atrelado à variação internacional do petróleo, e à variação do dólar, os brasileiros pagam pelos derivados do petróleo como se recebessem seus salários em dólares. 

Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), a tarifa residencial da conta de luz, entre 2015 e 2021 subiu 114%, enquanto a inflação como um todo acumulou alta de 114%. Isso representa mais do que o dobro, na comparação com o IPCA. Segundo a Associação, no período apontado, a energia elétrica residencial teve um aumento médio anual de 16,3%, quando o IPCA apresentou uma variação de 6,7% ao ano.  Além do impacto cruel no orçamento dos mais pobres e dos 74 milhões de consumidores residenciais das áreas urbanas, cerca de 4,5 milhões de agricultores brasileiros também pagam a tarifa absurdamente alta e que, uma vez que a atividade agropecuária exige um consumo maior de energia elétrica, a consequência direta disso é a elevação dos custos de produção dos alimentos

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Os estudiosos calculam que um cartel formado por 15 grupos empresariais controla a indústria da eletricidade no país, ou seja, detém as unidades de produção, as usinas, as linhas de transmissão, as distribuidoras que comercializam e entregam a energia elétrica para quase 80 milhões de unidades consumidoras no Brasil. São esses grupos que financiam parlamentares para defender seus interesses no Congresso Nacional, e defender, por exemplo, a privatização do setor. Estes são os verdadeiros donos das riquezas, que ficam por trás dessas corporações que rapinam e pilham o país. São bancos privados brasileiros e estrangeiros, bem como fundos de investimentos nacionais e internacionais. São instituições preocupadas apenas com os lucros, sem nenhum compromisso com o fornecimento de energia, de forma adequada, para a maioria da população. 

O alto custo da energia aos consumidores finais leva à falência de pequenos e médios empreendimentos, expulsa famílias inteiras do campo, fecha as portas de estabelecimentos comerciais, fecha postos de trabalho, desemprega muita gente, aprofunda nossa dependência e empurra mais famílias para condições de sobrevivência abaixo da linha da miséria. O imposto cobrado nas tarifas de energia elétrica (ICMS, PIS, Cofins) é de 33,17% (ICMS, PIS, Cofins). Este imposto é de uma regressividade absoluta, porque não discrimina o consumidor, e quem paga mais, em termos relativos, é o pobre. Para um rico uma conta mensal média de R$ 300,00 não faz diferença, para o pobre, a tarifa média (em torno de R$ 150,00), é uma verdadeira “paulada” no orçamento familiar. 

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As grandes aves de rapina que abocanharem a Eletrobrás não precisarão construir nada. Pegarão prontas as usinas, instalações, redes etc., um verdadeiro negócio da China. Prestemos a atenção por um instante no lucro líquido da Eletrobrás nos últimos anos:

2018: R$ 13,3 bilhões

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2019: R$ 10,7 bilhões

2020: R$ 6,4 bilhões

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2021: R$ 4,1 bilhão (1º Semestre)

É lucro líquido “na veia” do Tesouro e da estatal. Qual governo, em sã consciência, entregaria um patrimônio desses, estratégico sobre todos os pontos de vista, e que gera um rio de lucro líquido todo mês? A resposta é: somente um governo vendilhão e contra os interesses do Brasil.  

As empresas que levarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações. Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo no seu caixa, puro lucro. Alguém pode acreditar que Paulo Guedes, que quer privatizar a Eletrobrás e outras estatais de qualquer forma, esteja interessado no bem do Brasil? Esse é o cidadão que foi pego com a boca na botija com milhões de dólares em paraísos fiscais, portanto sem pagar um tostão de impostos sobre o lucro, para o Brasil. Vocês imaginam que um sujeito desses, que ganha dinheiro com a própria política econômica que ele mesmo coordena, seria capaz de se preocupar com os interesses do país em algum momento? 

A Eletrobrás, possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia do país, incluindo as de Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. Domina 31% do setor elétrico brasileiro e possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país. Atua nos segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo que produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das pessoas e cobrar por esse serviço. E estão trabalhando para entregar a empresa de bandeja ao capital internacional. 

Segundo estudo da FGV, após o golpe de 2016, houve mais de 15 operações de fusões no setor elétrico, que somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, R$ 80,5 bilhões (mais de 93%) representaram aquisições em que os compradores eram empresas estrangeiras. Este dado mostra a relação direta entre privatização e desnacionalização. Ter um complexo sistema de energia elétrica entregue às multinacionais é um problemaço para o país. A Aneel, (Agência Nacional de Energia Elétrica), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300 funcionários. Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico. 

O governo vai realizar a privatização da Eletrobras após uma série de investimentos públicos no setor, especialmente realizados antes do golpe de 2016. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado. Esse é um negócio inacreditável da privatização no Brasil, não existe burguesia mais subserviente ao capital internacional, do que a brasileira. Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que obtiveram mais lucros em anos anteriores. E, por serem, em sua maioria, estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas e, pela estrutura internacionalizada, drena todo o lucro para fora do país. 

Ao contrário do que ocorre no Brasil, Estados Unidos, China e Canadá mantêm o domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente e pelo governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Lá, o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica do país, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros.

A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil. Cerca de 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura. Imaginem tudo isso nas mãos de uma empresa privada, e estrangeira, que só se interessa pelo lucro? Uma usina hidrelétrica jamais deveria ser privada porque ela tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca tenha como transformar a água em energia. Mas cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento.

A previsão dos especialistas é que a privatização da Eletrobras vai impactar também o emprego de trabalhadores de outras áreas (por exemplo, turismo) que dependem de atividades na água, já que as hidrelétricas definem o fluxo de muitos rios. É uma lei universal: onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, é garantido que vem o aumento de preços. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, poder haver apagões energéticos no futuro. 

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