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Jair de Souza

Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ

163 artigos

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As classes dominantes e o uso perverso do falso moralismo

Eduardo Leite é gay. Ele não pode ser do mesmo time de Bolsonaro, que é um facínora homofóbico. Isso de que os dois apoiam os mesmos projetos em relação a economia e de eliminação de direitos trabalhistas não tem nenhuma importância

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Por Jair de Souza*

Recentemente, fomos surpreendidos pela notícia de que Eduardo Leite, um político até então associado ao bolsonarismo, declarou publicamente sua condição homossexual. Tal feito ganhou enorme repercussão na mídia corporativa, que tratou de redesenhar a imagem de Eduardo Leite de modo a que seus vínculos anteriores com Jair Bolsonaro (o campeão da homofobia e da intolerância sexual no Brasil) se vissem atenuados.

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Mas, se Eduardo Leite é gay e Jair Bolsonaro é declaradamente um odiador de gays, por que os dois caminhavam juntos na política até pouco tempo atrás? E por que os meios de  comunicação, que não manifestaram nenhuma estranheza no momento em que os dois estabeleceram sua aliança, estão agora dando valor relevante ao fato de o primeiro ter assumido sua homossexualidade? 

Vamos tratar de esboçar uma resposta nas linhas seguintes. Mas, podemos antecipar a conclusão que extrairemos ao final: O determinante neste caso, assim como em quase tudo o que se refere à atividade política, é o tema da luta de classes.

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Aqueles que vivem da exploração do trabalho do povo têm um eterno problema no momento em que precisam atrair o voto das maiorias populares e, com isso, levar ao governo gente que esteja com eles afinada e disposta a usar sua função no aparelho do Estado em defesa dos interesses de seus patrocinadores.

Como fazer para induzir as massas populares intensamente espoliadas a votar em candidatos cujos propósitos são o de atuar fundamentalmente em benefício do pequeno número de grandes capitalistas que detêm o domínio econômico do país em detrimento do restante?

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Logicamente, trazer à tona temas relacionados  com as condições socioeconômicas das maiorias pode resultar no risco de que os explorados venham a se conscientizar da submissão à que estão condicionados e de quem os mantêm nessa situação. O perigo maior é o de que as classes exploradas acabem por se dar conta de que sua condição degradada é a contrapartida da opulência de seus exploradores. 

Portanto, a partir desta contradição básica, as classes economicamente dominantes passaram a entender que não seria de sua conveniência centrar fogo em questões nas quais seus interesses conflitantes com os da maiorias ficassem evidenciados.

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Se existe a necessidade de contar com a anuência, ou pelo menos a passividade, dos menos afortunados, faz-se necessário encontrar pontos com os quais exploradores e explorados possam ser abordados em nível simbólico de igualdade. E isto tem muita relevância, visto que, em razão de sua insignificância numérica, as classes pudentes seriam incapazes de fazer valer a força de seus interesses se não contassem com certo nível de adesão de parte daqueles que estão nos outros grupos sociais.

Há algumas décadas, especialmente desde o período em que Ronald Reagan exerceu a presidência nos Estados Unidos, os intelectuais encarregados de formular a orientação política do grande capital têm se esforçado para impedir que o foco dos debates sociais descambe para o campo das questões econômicas ou daquelas que tenham a ver com a qualidade de vida material do conjunto da população. Para eles, o jeito mais apropriado de atingir tal objetivo é dar ênfase quase que somente a questões de cunho moral.

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É através da discussão sobre moralidade que os poderosos multimilionários almejam conseguir fazer que massas de gente carente se sintam identificadas com eles e, em consequência, não decidam questionar as razões sociais que estão por trás de tanta desigualdade. Aliás, como os teóricos do capital procuram transmitir, o tema relacionado à desigualdade, ou seja, entre pobres e ricos, não deveria fazer parte da política. Afinal, todos nos igualamos quando o debate se norteia pelo moralismo. Assim, o fator responsável por sucesso ou fracasso teria tudo a ver com o mérito pessoal, nunca com a luta de classes.

Como é sabido, o moralismo se apresenta com várias facetas. A relacionada à sexualidade é apenas uma delas, embora tenha um peso muito significativo por atingir preconceitos muito sedimentados na população. A dita conduta ética é também outro ramo da moralidade que costuma ser utilizado de acordo com a conveniência das classes opressoras. Não por acaso, eles levantam com muita frequência acusações de corrupção a lideranças populares quando estas representam alguma ameaça a seu domínio em determinado momento.

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Por experiência de vida, a gente pode garantir que a maioria dos políticos que adotam como seu lema central o combate à corrupção está na verdade tentando se esquivar do assunto relativo à má distribuição das riquezas produzidas na sociedade. Em outras palavras, via de regra, são aqueles tipos que dizem ser contra a corrupção sem se preocupar pela maneira como ocorre a distribuição dos frutos sociais (frutos do trabalho) entre os diferentes grupos sociais existentes. Este é um grande embuste, ao qual muitos se aferram com bastante frequência.

Se situarmos o problema no espaço geográfico brasileiro, vamos constatar como o apelo ao moralismo foi usado com enorme intensidade a partir da chegada de Lula ao governo. Desde então, deu-se uma combinação de variados teores de moralismo no afã de desgastar e minar a força do projeto que Lula e as forças a ele aliadas representavam.

Em tal sentido, ao mesmo tempo em que disparavam seus canhões midiáticos para equiparar Lula e seus filhos a tudo o que significasse desonestidade, ou seja corrupção, outros agentes davam vasão ao terrorismo de caráter religioso e sexual. Como no campo aliado a Lula estavam forças que defendiam valores mais progressistas e tolerantes no tocante a esses temas, a opção foi a de dar força a tudo o que havia de mais retrógado em relação a religião e sexo. Assim que, voltaram à cena absurdidades que julgávamos já resolvidas há muito tempo, pelo menos desde o período do Iluminismo.

Neste contexto, no qual as corporações midiáticas, a Lava-jato, várias igrejas e pastores pseudo-cristãos e grande parte dos políticos de direita atuaram de maneira articulada e coordenada, ganhou importância o bolsonarismo.

Se antes, Jair Bolsonaro, seus filhos e sua maneira de atuar eram vistos e sentidos tão somente como um exemplo patético e desprezível de políticos do baixo clero, sem nenhuma importância efetiva, o caldo de cultivo de ódio despejado sobre a população pela atuação coordenada das forças antipopulares acabou dando projeção nacional a essa figura que, em condições normais, jamais ultrapassaria os rincões milicianos do Rio de Janeiro, onde estava instalado.

Porém, agora que, devido ao conhecimento adquirido em sua prática de governo, a imagem de Bolsonaro junto ao povo se revelou o que de pior poderia ser, as classes dominantes se encontram diante de um sério problema: O imenso desgaste do governo cavernícula e a revelação de grande parte da podridão que o caracteriza levaram a maioria da população a olhar de volta para Lula e a comparar o quadro atual com o que existia no período em que Lula governou o país.

O resultado disto está sendo terrível para os donos do capital, Lula aparece disparado em primeiro lugar na preferência em toda e qualquer sondagem de opinião realizada. Na verdade, o terror de nossa burguesia está mais do que justificado. Se eles fizeram de tudo para eliminar Lula do jogo político, se chegaram até a empoderar um monstro miliciano, intolerante, machista, racista e homofóbico para garantir que assim fosse, como aceitar agora sua volta ao governo?

O problema se agrava porque o grande capital não conta com nenhum nome que consiga atrair a confiança das maiorias populares. Isto se deve a que, na verdade, toda a partidocracia burguesa se aliou em apoio às políticas neoliberais e entreguistas do governo Bolsonaro. Ou seja, eles agora estão identificados com Bolsonaro pelo povo e, por isso, são rechaçados.

E é aí que entra em jogo a revelação de homossexualidade feita por Eduardo Leite. É uma tentativa de descolar sua imagem da de Bolsonaro. Claro, os dois continuam inteiramente afinados em tudo o que se refere a políticas de privatização, retirada de direitos trabalhistas, entrega do patrimônio nacional aos gringos, enfim, em tudo o que se refere ao neoliberalismo.

No caso atual, nossa burguesia precisa usar um moralismo de características mais progressistas, uma vez que Bolsonaro está profundamente associado a um pensamento homofóbico dos mais obscurantistas.

Ah, mas Eduardo Leite é gay. Ele não pode ser do mesmo time de Bolsonaro, que é um facínora homofóbico. Isso de que os dois apoiam os mesmos projetos em relação a economia e de eliminação de direitos trabalhistas não tem nenhuma importância.

Pois é, me engana que eu gosto!

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