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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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As conversas com o general Villas Bôas

A jornalista Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia, divulga trechos do livro "conversa com o Comandante", da FGV, em que o general Eduardo Villas Bôas fala sobre o apoio ao golpe de 2016 e a pressão sobre o STF pela prisão do ex-presidente Lula

(Foto: Marcos Oliveira)
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia

O Jornalistas pela Democracia teve acesso ao livro de autoria do pesquisador e diretor do CPDOC(FGV), “Conversa com o Comandante”. Além da dedicatória melosa, em que enaltece os dotes domésticos da “mulher de ferro”, Cida, nomeia filhos, netos, irmãos, o general revela como a limitação de sua doença, conhecida como esclerose lateral amiotrófica – ELA – permitiu que ele, ainda assim, persistisse no trabalho de deixar registradas as suas memórias. Ao agradecer ao seu “imediato”, acaba por descrever como nasceu a obra: “Ao tenente Tabaczeniski, que durante semanas passou dias e noites, sábados e domingos, sentado ao meu lado, pacientemente transcrevendo o que eu registrava por meio do sensor ótico. Entremeava o trabalho braçal com sugestões oportunas sobre o texto, sugerindo modificações e correções sempre pertinentes.”

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O livro de Celso Castro, o diretor e pesquisador do CPDOC (FGV), que colheu as reminiscências do general Eduardo Villas Boas, só não contém o bordão: “Deus acima de todos…” Celso segue à risca o estilo e as falas do entrevistado, mantendo-se fiel ao trabalho de perscrutador da história recente.

Ao agradecer ao seu “imediato”, o general acaba por descrever como foi possível a feitura do livro: “Ao tenente Tabaczeniski, que durante semanas passou dias e noites, sábados e domingos, sentado ao meu lado, pacientemente transcrevendo o que eu registrava por meio do sensor ótico. Entremeava o trabalho braçal com sugestões oportunas sobre o texto, sugerindo modificações e correções sempre pertinentes.”

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E, claro, como não poderia faltar, agradece “Ao meu comandante general Leal Pujol, pela preocupação de que não me faltassem cuidados”. Em seguida, a voz do autor do livro e da iniciativa, o respeitado professor Celso Castro (FGV), um especialista da área militar:

“Este livro é resultado da edição e posterior revisão de aproximadamente 13 horas de entrevistas que realizei com o general Villas Bôas, ao longo de cinco dias: 7, 8, 9 e 12 de agosto, e 4 de setembro de 2019. As entrevistas foram feitas em sua residência, em Brasília. Antes de sua realização, já conhecia o general, porém havia me encontrado rapidamente com ele em apenas três ocasiões, por motivos diversos. Nunca havíamos conversado a sós, nem sobre a possibilidade de uma entrevista. A notícia de que ele estava disposto a me conceder uma entrevista me foi transmitida pelo presidente da FGV, Carlos Ivan Simonsen Leal, cerca de uma semana antes de realizarmos a primeira sessão.”

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Logo no capítulo 3 o general descreve a sua passagem pela Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), durante o período do governo de Garrastazu Medici, o mais duro no combate à luta armada, talvez querendo deixar claro que não meteu a “mão na massa”.

“(…)tínhamos uma convivência normal com o mundo exterior. Internamente, éramos mantidos a par dos acontecimentos, com enfoque na luta armada, pois tínhamos a perspectiva de que, quando nos formássemos, poderíamos nela ser engajados. (…)Acompanhávamos. Não intensamente, porque a vida acadêmica era muito exigente, o que nos mantinha totalmente absorvidos. Mas quando já estávamos na infantaria (terceiro e quarto anos), alguns instrutores com passagem pela luta armada nos transmitiam suas experiências, excitando nossa curiosidade. O Curso de Infantaria conduzia exercícios de operações contra a guerrilha urbana e rural. Tínhamos a expectativa de sermos empregados nessas missões no futuro, o que acabou não se confirmando porque, quando chegamos à tropa, as guerrilhas praticamente haviam sido extintas.

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Na sequência ele comenta o período de Ernesto Geisel, que sucedeu a Medici: “A abertura e a anistia foram fruto de um projeto de governo e do clamor de alguns setores. Quem não se lembra das palavras de ordem “anistia ampla, geral e irrestrita”, o que torna incongruente qualquer tentativa de revogá-la? De nossa parte, olhávamos o processo de anistia com alguma preocupação, já que antagonistas históricos e participantes da luta armada estavam sendo beneficiados e voltando ao país”.

À pergunta sobre a chegada de Lula ao poder, o general dá uma resposta “honesta”: “Com alguma preocupação que ele, presidente Lula, ao início, tratou de dissipar. A primeira importante medida foi a reversão da série orçamentária até aquele momento decrescente. Adquiriu mais de 14 mil viaturas, salvação para um Exército desprovido de meios de transporte num país em que as distâncias são colossais”.

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Mas são os capítulos 10, 11,12 e 14 que contêm os temas de interesse do nosso público: Capítulo 10Anistia, Comissão da Verdade e memória histórica Era revanchismo, sem dúvida, pela maneira como foi conduzido; Capítulo 11Governo Dilma Ela nos pegou de surpresa, despertando um sentimento de traição em relação ao governo. Foi uma facada nas costas e o Capítulo 12 – O tuíte do comandante Eu sabia que estava me aproximando do limite do aceitável e, por fim, o Capítulo 14As eleições de 2018 Tínhamos a preocupação de que a política voltasse a entrar nos quartéis... Por ser o que desperta mais curiosidade sobre os detalhes, vamos direto ao Capítulo 12. Falemos de “Twitter”.

Capítulo 12 – “Ao final dos governos militares, e mesmo antes, o Exército empreendeu a “volta aos quartéis”, assumindo a postura de “o grande mudo.” Consequentemente, a sociedade se desacostumou de ouvi-lo no que se relaciona à segurança da sociedade e do Estado”. É fato. Houve uma espécie de pacto tácito entre a sociedade civil e os quartéis. Os civis, temiam cutucar a onça com vara curta e os militares receavam que os armários fossem abertos e de lá voassem esqueletos que os obrigassem a dar satisfações sobre um passado incômodo.  Optaram pelo silêncio.

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Sobre o episódio da postagem do Twitter, creio ser imprescindível reproduzir o diálogo na íntegra. Precisamos entender o que houve ali. Ao descrever a situação Villas Boas reforça o que tenho dito desde a “transmutação” de Bolsonaro. Atribuíram-na à prisão do Queiroz e à proteção aos filhos. Sempre acrescentei o artigo 142 como determinante, o que o general confirma.

Celso Castro – Seu pronunciamento de maior repercussão acabou sendo um tuíte na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula. 25 A respeito desse tuíte, o senhor foi criticado como tendo sido uma ameaça de intervenção militar. Interpretou-se que tinha sido direcionado aos ministros do STF que iriam julgar o habeas corpus. Outros acham que foi direcionado ao público interno do Exército ou às Forças Armadas em geral. Para quem era aquele tuíte?

VB – A mensagem contida naquele tuíte só pode ser interpretada com propriedade dentro das condicionantes em que ocorreu. No texto, a palavra-chave é “impunidade”. Relembrando aquele episódio, continuo avaliando-o como oportuno. Desencadeou uma enxurrada de demonstrações de apoio que me surpreenderam. Não foi em busca desse apoio que nos manifestamos, o que teria sido uma atitude demagógica. Recebi também uma quantidade ponderável de críticas, esperadas e compreensíveis por parte de alguns articulistas. Houve um colunista que disse que a anarquia militar havia voltado.

Não tínhamos a pretensão de que algum juiz alterasse seu voto. Logicamente, o voto da ministra Rosa Weber já estava redigido naquele momento.

Celso Castro – Não era uma ameaça aos juízes?

VB – O país, desde algum tempo, vive uma maturidade institucional não suscetível a possíveis rupturas da normalidade. Ademais, eu estaria sendo incoerente em relação ao pilar da “legalidade”. Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça. Duas motivações nos moveram. Externamente, nos preocupavam as consequências do extravasamento da indignação que tomava conta da população. Tínhamos aferição decorrente do aumento das demandas por uma intervenção militar. Era muito mais prudente preveni-la do que, depois, sermos empregados para contê-la. Internamente, agimos em razão da porosidade do nosso público interno, todo ele imerso na sociedade. Portanto, compartilhavam de ansiedade semelhante. Nenhum receio de perda de coesão ou de ameaça à disciplina, mas era conveniente tranquilizá-lo.

Celso Castro – Mas vamos imaginar que o resultado da votação tivesse sido diferente. No dia seguinte ia ter todo mundo perguntando: “O que é que os militares vão fazer?” A imprensa, políticos, aqueles que queriam o golpe, o público interno… E agora? O que o senhor faria? O senhor pensou nesse cenário?

VB – Não tínhamos formulado alternativas para o “e agora?”, além da contenção de danos pela comunicação social. A nenhum de nós passou recorrer a outro expediente, muito menos de força. Sua mensagem foi logo divulgada no Jornal Nacional. Isso foi surpresa? Os senhores não queriam divulgar imediatamente? A nota foi expedida às 20 horas e 20 minutos. Logicamente, desejávamos que a repercussão fosse imediata, mas fomos surpreendidos, sim, por ter sido veiculada logo em seguida, pelo Jornal Nacional. O senhor estava preparado, tinha tropas de prontidão para se acontecesse alguma coisa? Nenhuma. Internamente, as rotinas eram cumpridas sem alteração alguma.

Celso Castro – E o senhor pensou que poderia ser demitido no dia seguinte? Ou tinha certeza de que não seria? Porque o senhor não consultou o ministro da Defesa antes, muito menos o presidente.

VB – O ministro da Defesa era o Raul Jungmann, com quem compartilhava relações de confiança e amizade. Se o informasse, ele se tornaria corresponsável, e, por exercer cargo político, estaria muito mais suscetível a uma tempestade de críticas. Pelas mesmas razões, não antecipei ao Etchegoyen.

Celso Castro – Uma dúvida que vai ficar para sempre é: caso o julgamento do habeas corpus fosse diferente, caso o presidente Lula ganhasse o pedido, não fosse preso e talvez até, eventualmente, pudesse concorrer às eleições, o que o senhor acha que aconteceria, nesse cenário, dentro do Exército? Iam todos olhar para o senhor. E agora? O senhor devia pensar nisso.

VB – Internamente, poderia haver um sentimento generalizado de frustração, mas, coletivamente, eu estava seguro de que a disciplina seguiria inalterada. Considerava possível algum pronunciamento por parte de alguém da reserva. Externamente, as manifestações poderiam descambar para a violência, o que recairia sobre nós

Celso Castro – Na eventualidade de uma eleição de Lula, nossa atitude se manteria presa ao pilar da legalidade, ou seja, seria a mesma. Seria a mesma? O senhor tem certeza?

 VB – Seria a mesma. Acho inusitado, nos dias de hoje, alguém considerar possível o próprio Exército, destinado à defesa das instituições, adotar postura contrária ao que prescreve o artigo 142 da Constituição Federal. Os militares de hoje são essencialmente devotados a seus deveres profissionais, profundamente disciplinados e democratas. É surpreendente a frequência com que qualquer movimento fora da rotina dispara o alarme de quebra da normalidade. Ademais, num país com a complexidade do nosso, onde tudo é superlativo, qualquer aventura antidemocracia se torna inviável. Seria como se provocássemos uma onda, que depois voltaria sob forma de refluxo, recolocando as coisas no lugar original, ou, muitas vezes, indo além. A Turquia nos proporcionou um exemplo recente dessa dinâmica. 26 Uma tentativa de golpe militar. Os militares pagaram um preço elevado.

Celso Castro – Seria a mesma? O senhor tem certeza?

VBSeria a mesma. Acho inusitado, nos dias de hoje, alguém considerar possível o próprio Exército, destinado à defesa das instituições, adotar postura contrária ao que prescreve o artigo 142 da Constituição Federal. Os militares de hoje são essencialmente devotados a seus deveres profissionais, profundamente disciplinados e democratas. É surpreendente a frequência com que qualquer movimento fora da rotina dispara o alarme de quebra da normalidade. Ademais, num país com a complexidade do nosso, onde tudo é superlativo, qualquer aventura antidemocracia se torna inviável. Seria como se provocássemos uma onda, que depois voltaria sob forma de refluxo, recolocando as coisas no lugar original, ou, muitas vezes, indo além. A Turquia nos proporcionou um exemplo recente dessa dinâmica. 26 Uma tentativa de golpe militar. Os militares pagaram um preço elevado.

Celso Castro – O senhor deu, depois, uma entrevista à Folha, na qual disse que tinha, nesse episódio do Twitter, agido “no limite”; no limite de que “a coisa poderia fugir ao nosso controle” se o senhor não se expressasse. Qual era esse limite? O que o senhor temia que acontecesse?

VB – O limite a que me referi é que tínhamos a consciência de estarmos realmente tangenciando o limite da responsabilidade institucional do Exército. Repito que não se tratou de ameaça, mas, sim, de um alerta. Tampouco houve menção de alguém individualmente ou de alguma instituição.

Celso Castro – O senhor mencionou o receio que tinha, quando fez o tuíte, de que a coisa fugisse ao controle, com manifestações. Mas isso, também na área militar? O senhor temia algum tipo de motim, manifestos, prontidão, alguma coisa?

VB – Não, até porque o conteúdo foi discutido minuciosamente por todos nós.

Celso Castro – Nós quem? O senhor com o seu staff ou o Alto-Comando?

VB – O texto teve um “rascunho” elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto-Comando residentes em Brasília. No dia seguinte – dia da expedição –, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo o expediente, até por volta das 20 horas, momento em que liberei o CComSEx para a expedição.

Celso Castro – O senhor chegou a consultar a Marinha e a Força Aérea?

VB – Não, pelas mesmas razões por que não consultei o ministro da Defesa. Com ambos compartilhávamos total alinhamento de ideias.

Celso Castro – O senhor falou com o ministro da Defesa depois? E o que ele disse?

 VB – Brincou comigo que eu estava tomando seu lugar. Falei também com o Etchegoyen que já havia conversado com o presidente Temer, o qual se limitou a dizer “está bem”, aparentemente sem dar maior importância.

Celso Castro – O senhor falou com o general Etchegoyen antes da nota?

VB – Não, até porque estaria sobrepassando o ministro Jungmann, meu chefe imediato.

Celso Castro – Só falou com o Exército mesmo?

VB – Sim, com aquele círculo de pessoas a que me referi.

Celso Castro – Retornando ao exercício hipotético de imaginação, se o resultado do julgamento no STF tivesse sido outro, um voto tivesse sido mudado e Lula recebesse o habeas corpus, o que o senhor imagina que teria acontecido?

VB – Uma enorme insatisfação da população. É lógico que todos iriam olhar para o Exército, momento em que daríamos um exemplo de institucionalidade.

Celso Castro – O senhor se refere a quem olhando para os senhores? À população civil ou às Forças Armadas?

VB – À população, com ênfase dos que pregavam a intervenção militar

(Amanhã, capítulo 14, sobre as eleições de 2018).

Conversas com o Comandante general Villas Bôas

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