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Giselle Mathias

Advogada em Brasília, integra a ABJD/DF e a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF

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As dores do existir feminino

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Há algum tempo tenho buscado entender onde se inicia o processo de violência nos relacionamentos interpessoais amorosos, talvez por ter ficado metade da minha vida em uma relação que minha existência era negada, meus desejos e vontades desconsiderados e eu me silenciava e cedia para viver o que me tinha sido vendido como ideal de vida para uma mulher.

Uma relação em que eu era infantilizada, pois minhas considerações e decisões eram menosprezadas, simplesmente, porque se eu não aceitasse a definição do masculino era punida com longos períodos de silêncio, em que a sensação era de ser invisível para aquele homem a quem eu acreditava que deveria dedicar e doar a minha existência.

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Fiquei um bom tempo me questionando em que momento entrei nesse processo e porque permiti e acreditei na possibilidade de um dia ele me enxergar, porque eu acreditava que só existiria a partir do olhar dele, e que sem ele eu não seria nada, apenas uma sombra perambulando no mundo, uma alma penada.

Todo esse processo de descoberta tem sido muito difícil, enxergar a si próprio não é algo muito fácil, os afetos se confundem, as frustrações e dores se acumulam ao nos desconstruirmos enquanto buscamos nossa essência, tentando separar o que nos molda enquanto um padrão, que desde o nascimento é imposto e naturalizado, e aquilo que realmente somos e sentimos.

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Não vou aqui dar uma de Dr. Simão Bacamarte, personagem de “O Alienista” de Machado de Assis, e condenar a todos, como se a única a ter razão fosse eu. Mas, quero trazer questões para a reflexão de como talvez estejamos nos destruindo cada vez mais, por não questionarmos esse modelo padronizado cultural que gera as violências, invisibiliza seres humanos e cria dependências, doenças e dores a todos nós.

Hoje entendo que o processo de violência contra a mulher, não só a física, inicia no dia em que nascemos e somos definidas como mulheres por nascermos como uma vagina, a partir desse momento somos na família, na escola, nos livros, nas novelas, nos filmes etc ensinadas, moldadas e formatadas para o silenciamento, para o ceder, para o compreender e aceitar, para que nossos desejos, vontades e decisões sejam colocadas em segundo plano, pois eles não são tão importantes quanto o do irmão, do namorado, do marido e depois o dos filhos.

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Somos educadas para priorizar o outro em detrimento de nós, se não fizermos isso, somos culpadas por todos as desgraças e infelicidades do masculino que está a nossa volta, e por isso devemos, inclusive, com muita elegância e sutileza rechaçar o assédio, a grosseria e, talvez até agradar aquele que não desejamos apenas para nos protegermos de algo mais insidioso e violento.

Quando decidi, assim como muitas mulheres, que não viveria mais dentro desse padrão imposto, as primeiras pancadas foram das próprias mulheres que me questionavam e diziam que eu não deveria lutar pela minha existência, pois o que seria de mim sem aquele homem, que não surgiria mais na vida um masculino que pudesse me desejar e amar devido a minha idade, que estaria só e, portanto, desprezada pela sociedade e, profissionalmente seria um difícil recomeço.

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Ouvi muito o velho ditado que “ruim com ele, pior sem ele”, como se minha existência dependesse somente dele.

Confesso que a luta tem sido árdua, não é fácil viver, acreditar, tentar mudar e me comportar fora do padrão imposto. Muitas vezes cedo aquilo para o qual fui formatada enquanto mulher, mas percebo que hoje procuro evitar e rechaçar esse padrão, e, simplesmente lembrar que como ser humano existo, tenho vontades, desejos, anseios, dores, medos e uma imensa vontade de potência, que nem tudo o que vivi me retiraram, apesar de ter ficado escondida por muito tempo.

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Tenho percebido que as violências nos são instauradas desde o nascimento, e muitas delas permanecem naturalizadas, e assim permanecerão se não falarmos sobre elas.

Percebo que as relações amorosas são formatadas e moldadas para serem doentias, com dominadores e dominados, com pessoas infantilizadas querendo que todas as suas vontades sejam atendidas, com afetos caprichosos em que o outro é apenas o brinquedinho que não se pode ter e, não a pessoa amada, admirada com todos os defeitos e qualidades.

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Esse molde cultural e comportamental nos isola, nos anula e impede questionamentos e, consequentemente, a mudança, talvez para algo melhor, mais saudável para todos. 

Quem sabe surgirá um novo modelo em que as pessoas não precisem subjugar as outras, que as mulheres não dependam do olhar e valor masculino para existirem, que percebam a sua existência a partir de si mesma, sem precisar afirmar a todos o quanto é desejada como objeto para talvez ser observada por quem lhe interessa, não precisar a todo momento buscar um novo olhar masculino para acreditar que é visível, que não acreditará ser amada só porque o homem não a deixa em paz, que o amor se revela na perseguição, no ciúme, na insistência, no sufocamento da presença constante, mas também não acreditará só nas palavras e nesse novo tipo de relacionamento quase que exclusivamente virtual das redes sociais, sem o toque, sem o olhar, sem o som da voz.

Por tudo isso e, muito mais, hoje não permito mais ser colocada no lugar da disponibilidade sem que o outro também esteja disponível para mim, não me silencio no que me incomoda e me causa algum desconforto, não dependo mais do masculino para ser, não preciso mais que ele me enxergue e com isso me dê a visibilidade para o mundo, não existo mais a partir do outro, mas a partir de mim mesma.

Hoje entendo que meus anseios, minhas opiniões e decisões devem ser consideradas na mesma equivalência do outro, que não deve haver a sobreposição de um sobre o outro, mas a composição, o diálogo e a consideração e respeito sobre o existir humano.

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