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Ricardo Kotscho

Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia. Recebeu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de vários livros.

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As duas vidas de Hebe: a artista borbulhante, boa de briga, e a mulher sofrida

Estigmatizada como artista popular, sem nada na cabeça, amiga de Paulo Maluf e dos generais do antigo regime, Hebe resolvera afrontar o sistema, ao bater de frente com os censores oficiais e a autocensura de Walter Clark, o ex-poderoso da Globo, agora na TV Bandeirantes, que queria enquadrá-la nos padrões de qualidade globais para impedi-la de levar ao palco o novo Brasil libertário que começava a surgir.

(Foto: Reprodução)
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Por Ricardo Kotscho, para Balaio do Kotscho e Jornalistas pela Democracia

 “Para que levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos?” (Elbert Hubbard, filósofo americano, 1856-1915).

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***

Quando a TV brasileira completou 50 anos, no ano 2000, eu trabalhava na revista Época, do Grupo Globo, então dirigida pelo Augusto Nunes, que foi meu foca no Estadão e depois meu chefe no Jornal do Brasil.

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Na reunião de pauta das segundas-feiras, surgiram várias ideias de como deveríamos comemorar a data histórica.

Dei a sugestão de contar esta história em torno de algum personagem que resumisse essa grande aventura iniciada por Assis Chateaubriand na TV Tupi, já falecidos ambos.

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Mas quem seria?

Entre muitos palpites dos colegas, sugeri que fosse Hebe Camargo, por ter sido a pioneira na telinha, e o Augusto topou na hora.

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Só havia um problema: Hebe tinha trabalhado em todas as principais emissoras de TV, menos na Globo, o carro chefe do maior grupo de comunicação do país.

Assim que fui escalado para fazer a matéria, marquei uma entrevista com a Hebe, minha velha amiga, na sua monumental mansão no Morumbi.

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Contava a lenda que ela tinha sido a primeira artista a se apresentar, cantando, na inauguração da primeira emissora de televisão do país.

Só que não. Logo no começo da nossa conversa, Hebe cortou meu barato. “Eu não fui a primeira. Quem inaugurou a televisão foi a Lolita Rodrigues”.

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Perdi o “gancho” da matéria, mas ganhei um furo.

“Nunca contei isso pra ninguém, Ricardinho” (era como me chamavam na velha imprensa porque eu comecei muito cedo na profissão).

“Naquele dia, por coincidência, na mesma hora, eu tinha marcado encontro com um grande amor que não queria perder. Inventei um problema na garganta e pedi pra Lolita ir no meu lugar…”

Durante um mês de conversas, Hebe me contou sua vida inteira, desde o começo, uma história que coincidia com a da nossa televisão, que mudaria para sempre os hábitos dos brasileiros.

Contou tudo, e mais um pouco, os bons e os maus momentos, como quem estava só esperando sua vez para falar _ ela que sempre viveu na e da televisão de contar os sucessos e os fracassos dos outros.

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A revista publicou uma matéria enorme, de umas 20 páginas, mas muita coisa ainda ficou de fora.

Ao ser convidada pelo Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o grande papa da Globo, que inventou o modo brasileiro de fazer televisão, a escrever um depoimento para o livro que ele estava organizando sobre os 50 anos, Hebe mandou pedir pra mim o texto: “Esse cara sabe mais da minha vida do que eu…”.

E eu fiz, assinado com o nome dela.

Muitos e muitos anos depois, nas voltas que a vida dá, a cineasta Carolina Kotscho, minha filha caçula, resolveu fazer um filme sobre Hebe Camargo, que estréia dia 26 nos cinemas.

“Hebe – A Estrela do Brasil”, o filme do qual ela é roteirista e produtora associada da Globo Filmes, da Warner Bros e da 20th Century Fox, é o resultado do trabalho de anos de pesquisa e entrevistas, levado agora à tela grande pelos talentos do casal Miguel Farias, o diretor, e Andréia Beltrão, a protagonista.

Na pré-estreia, nesta quinta-feira, na Sala São Paulo, lotada até a tampa, acho que eu estava mais ansioso do que a minha filha para ver se ela tinha conseguido entender e retratar aquela figura tão complexa e polêmica, que durante décadas foi a única mulher brasileira a comandar um programa semanal de auditório, ao vivo, para todo o país.

Pois a Carolzinha me surpreendeu. Eu achava que sabia tudo de Hebe Camargo, mas o que vi na tela nem imaginava que acontecia nos bastidores da televisão e na intimidade da sua casa, às voltas com um marido machista, logo ela que era o próprio símbolo da libertação da mulher, e os dramas existenciais de seu único filho, de um casamento anterior.

Aquela artista sempre alegre e borbulhante dos palcos, que falava o que lhe dava na telha, e reinava nos sofás dos seus programas, era na verdade uma mulher muito sofrida, que sabia esconder suas dores para dar alegria aos outros.

“A censura acabou ou não no Brasil?”, pergunta ela, logo no começo do filme, que se passa num recorte dos meados dos anos 80, quando o Brasil estava saindo da ditadura.

Estigmatizada como artista popular, sem nada na cabeça, amiga de Paulo Maluf e dos generais do antigo regime, Hebe resolvera afrontar o sistema, ao bater de frente com os censores oficiais e a autocensura de Walter Clark, o ex-poderoso da Globo, agora na TV Bandeirantes, que queria enquadrá-la nos padrões de qualidade globais para impedi-la de levar ao palco o novo Brasil libertário que começava a surgir.

Tratar gays e travestis como gente era uma afronta à família brasileira e, criticar a corrupção dos políticos, uma ameaça às instituições e à sobrevivência da emissora.

Figurinha fácil das revistas de televisão, fofocas e celebridades, de uma hora para outra Hebe começou a ser convidada a dar entrevistas “sérias” até para a Playboy e ao Roda Viva, o tradicional programa de debates da TV Cultura.

Quem diria…

Filha de um violinista de Taubaté, que ficou desempregado, quando o cinema mudo acabou e deu lugar ao falado, desde os 15 anos Hebe encarou todos os desafios pessoais e profissionais de quem botou uma coisa na cabeça:

“Tem que ser do meu jeito!”

Fez e falou muita bobagem, bateu recordes de audiência desde os tempos áureos da TV Record, da Jovem Guarda, do Fino da Bossa e da Família Trapo, e só foi derrotada pelo câncer, 60 anos depois, quando trabalhava no SBT de Silvio Santos, que a adorava e de quem tinha ciúmes.

Certo dia, quando eu estava fazendo a reportagem da revista Época, o dono da emissora em pessoa entrou de supetão no camarim da Hebe, pouco antes de começar o programa da sua estrela,  e perguntou:

“Ô Hebe, me diz uma coisa: que vitamina você toma para estar sempre assim animada?”

Meio surpresa com a visita inesperada do patrão, ela mostrou o copo:

“Eu só tomo um uisquinho…”

Silvio Santos não deve ter entendido nada.

Ao final do programa, Hebe foi se internar no Hospital Albert Einstein para fazer uma “lipinho”, e me convidou a ir junto para terminar a entrevista.

Na portaria, todos a reconheceram e saudaram, como se estivesse chegando para mais uma festa.

Essa era a Hebe, a Estrela do Brasil, sempre rindo muito e chorando muito. Ela era só emoção.

Não percam: dia 26, nos melhores cinemas da cidade, as duas vidas da minha amiga Hebe Camargo.

No começo de janeiro, estreia a mini-serie da Globo.

Vida que segue.

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