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Helena Iono

Jornalista e produtora de TV, correspondente em Buenos Aires

122 artigos

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As eleições argentinas mostram que o povo de lá tem memória

Javier Milei é representante de uma época, onde o poder financeiro-militar-global acurralado, trata de sobreviver, via ações de ódio e violência

Javier Milei e Sergio Massa (Foto: REUTERS)
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O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 22 de outubro foi um jato de ar do qual o peronismo foi sujeito e objeto para relançar-se no segundo turno presidencial de 19 de novembro. Objeto, porque 3,1 milhões de novos eleitores possibilitaram um salto (a abstenção diminuiu de 8%) em relação às Primárias (PASO) e a vitória de 36,68 % à União pela Pátria contra 29,98% de Liberdade Avança. Sujeito, porque a atuação de Sérgio Massa (UP) surpreendeu, foi aguerrida e comunicacional, com medidas econômicas concretas e um programa de país. 

A reerguida da UP sintetizou um freio ao tsunami político-cultural de ódio e guerra promovido por Milei e seus representantes; um limite à ameaça fascista. Uma primeira derrota do poder midiático-judicial instigador de fakenews, porta-voz do ódio e da violência. É real que há muito protesto, confusão e insatisfação pela situação econômica, herdada, irresoluta desde a impagável dívida do macrismo ao FMI, insuficientemente denunciada pelo governo atual. Mas, nem toda insatisfação leva à irracionalidade de Milei, ou ao suicídio.   

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Boa parte do povo argentino honra a sua memória, valoriza o peronismo e mantém as marcas familiares da ditadura, apesar das novas gerações não a terem vivido. O povo argentino sinalizou neste primeiro turno eleitoral, um alto lá ao ódio e ao fascismo. Basta de desrespeito às mulheres, às crianças, aos inválidos, anciãos, aos trabalhadores e sindicalistas. Basta ao genocídio e crimes de lesa humanidade apoiados pela vice-presidenta de Milei. Trinta mil desaparecidos presentes nas urnas! Malvinas, presente!

Faltaram 3,3% para Sérgio Massa ter sido presidente no primeiro turno. A União pela Pátria conseguiu superar os votos de Milei nas Primárias e ser maioria em 8 províncias. Com uma boa votação para a renovação de pouco mais de 1/2 da Câmara dos Deputados (até 2027), e 1/3 do Senado (até 2029), assegurou a chamada 1ª. Minoria em ambos. No Mercosul, a UP com 18 dos 43 deputados, conseguiu o maior número. A grande vitória na Província de Buenos Aires, com a reeleição do governador Axel Kicillof (UP), com 45 %, embasando aí a duplicação dos votos presidenciais de Massa, e a recuperação de 14 prefeituras, tem um grande teor político. Trata-se da Província mais populosa da Argentina (39% de eleitores). O significativo ato de fim de campanha da dupla, permite compreender a virada de 22 de outubro. Há uma qualitativa renovação geracional, de liderança popular, impulsionada por Cristina Kirchner através de Kicillof, Massa e Santoro (ex-candidato da UP a prefeito de Buenos Aires que não venceu, mas obteve um histórico 32% contra a máfia das construtoras).

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Enquanto Milei, que não passou dos seus 30%, fechou e anunciou sua entrada no 2º. turno com: “vamos colocar uma tampa no caixão do kirchnerismo!”, Axel Kicillof agradeceu ao eleitorado pela vitória: “Aquí derrotamos os criminosos de lesa humanidade”. “Este ano estamos cumprindo 40 anos de democracia. Este ano votamos para presidente pela décima vez. Esta democracia se baseia numa profunda memória de uma noite genocida e este voto significa "ditadura nunca mais". Kicillof, jovem ex-ministro da economia de Cristina Kirchner, reelegeu-se governador da província mais populosa da Argentina. Assim, venceu a continuidade do seu programa de governo, com honestidade, militância, mais Estado e organização das bases populares que o caracteriza: Presença do Estado, família, anti-meritocracia, Escola pública, universal, obrigatório e gratuita, Saúde Pública, País federal e espírito da coparticipação com as demais províncias. Todos pontos que a “motosserra” de Milei promete eliminar.

Vale destacar a entrevista de Massa aos jornalistas estrangeiros após as eleições. “Em primeiro lugar me parece um erro dizer que a próxima etapa será só vinculada ao peronismo. Vamos a um governo de unidade nacional. Vou convocar aos melhores das diferentes forças políticas sem importar a sua procedência, porque temos que construir políticas de Estado: a ordem fiscal e o cuidado das nossas reservas; a política de desendividamente, de desenvolvimento federal, educativa, acesso à moradia, de cuidado dos nossos setores vulneráveis, centralmente a integração dos deficientes físicos, e idosos ou aposentados, a modernização do mercado de trabalho. São políticas que requerem acordos que transcendem uma força política. Meu governo vai ter setores do mundo do trabalho e empresário, e setores de diversas origens partidárias. O mais importante é que a Argentina encare as reformas que o século XXI e a revolução da tecnologia e do conhecimento nos impõem, sem que isso signifique renunciar à proteção de direitos que, de alguma maneira, construíram a Argentina ao longo de muitos anos e que têm a ver com o cuidado aos mais vulneráveis.”

Nessa meta final antes do 2º. Turno, a UP deve definir a estratégia de alianças para a unidade nacional contra os riscos do fascismo. A experiência da aliança de Lula com Geraldo Alckmin está presente. O partido da União Cívica Radical (UCR), sob ataque de Milei, e parte dos seus setores aderidos à derrotada coligação do Juntos pela Mudança (JxC), poderão reviver Raúl Alfonsin e migrar parte do seu apoio ao Massa. Importante que este siga deixando claro aos aliados empresarias de que é inegociável seu programa de proteção de direitos, ou seja, nada de “toma lá, dá cá”. 

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Massa disse: “Queremos que o Congresso sancione um orçamento com 1 ponto de superávit. O nosso orçamento tem um pacote de benefícios tributários e orçamentários que estão dirigidos centralmente a benefícios empresários, a setores economicamente muito concentrados. Isso significa 4.8 do PBI. Decidi que esse orçamento que enviamos com 0,9 de déficit se sancione com 1 % de superávit e que esse superávit seja produto de corte de benefícios orçamentários e tributários que vinham sido sancionados anos, após anos, pelo Congresso. Lhes mostro um exemplo: na Argentina, o dono de uma casa e de um carro paga impostos pessoais. Mas por legislação tributária no orçamento argentino, o dono de uma propriedade agrícola no exterior não paga impostos. Essas são correções que temos que fazer que são muito importantes e requer que tenhamos capacidade para definir que benefícios que recortamos, porque assim como temos que construir um Estado presente, temos que construir um Estado Eficiente. E isso significa com equilíbrio nas suas contas públicas.”

Respondendo aos jornalistas brasileiros: “Agradeço ao presidente Lula e a todo o governo do Brasil e alguns governadores que não são do PT e que estiveram trabalhando conosco em alguns temas de integração e todo trabalho comum.... Tenho uma enorme gratidão pela sua simpatia, seu afeto, mas também pelo trabalho em comum em temas energéticos, comércio bilateral, vinculados ao setor automotor, e a possibilidade de abrimos novos mercados”... “quero aproveitar e dizer aos argentinos o que significa o delírio de romper o Mercosul (se refere a Milei); em termos de indústria automotriz, por exemplo, significa perder 150 mil empregos; em termos de indústria agroflorestal representa a perda de 68 mil postos de trabalho nos arrozais, na indústria florestal, do feijão preto de Salta. Digo isso, porque nas campanhas há frases que soam simpáticas para os eleitores como: “vou romper com a China!”, “com o Brasil!”, sem considerar que isso significa a destruição de 400 ou 500 mil empregos em diferentes setores (frigoríferos, produção de arroz, feijão). É bom aproveitar a oportunidade com essas perguntas para fazer baixar à terra os argentinos.”

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O conturbado contexto mundial das eleições argentinas

Não há como abstrair as eleições na Argentina do contexto mundial. Não é casual que se dê uma eleição polarizada entre dois modelos de país: um soberano e nacionalista e outro, colônia das finanças internacionais. A Argentina, como toda a América Latina é território de confronto de dois blocos econômicos e de poder global. Por um lado, o mundo sob a hegemonia dos EUA e das chamadas potências capitalistas da Europa, suplantando o bi-polarismo do pós-guerra, a desfavor da URSS desintegrada nos anos 90.  E, por outro, o atual renascente mundo multipolar, onde os chamados países do “terceiro mundo” da África, Ásia e América Latina se integram com economias emergentes do campo socialista, como a China e a sobrevivente Rússia.

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No arco dos últimos meses ocorreram eventos pujantes desse novo mundo multipolar. Um deles, foi a reunião da Cimeira Rússia-África em São Petersburgo, onde o presidente de Burkina Faso, Ibrahim Traoré, apoiado pelo Mali e Novo Níger, cria uma Aliança de Defesa Coletiva e diz: “O tempo da escravização da África pelos regimes ocidentais acabou e a batalha pela independência total começou”. Depois, a constituição do BRICS-11, onde a Argentina se incorporou com o apoio do Brasil.  E, agora, o Terceiro Forum do Cinturão e da Rota, em Xangai, comemora os seus 10 anos, sob direção da China, com mais de 130 países, num gigantesco projeto de cooperação econômico-financeira, com a participação desde Putin a Alberto Fernandez. A Argentina conseguiu da China um swap de moedas de 6,5 bilhões de dólares (1,5 bilhões de dólares a mais do solicitado), facilitando superar imediatos déficits de reservas impostos pela dívida com o FMI e seus condicionamentos. As relações com a China se aprofundam. Segundo o embaixador argentino na China, Vaca Narvaja, há vários financiamentos de obras públicas em curso. (*)

Não é casual que o candidato da UP, Sérgio Massa, surpreenda e consiga expressar serenidade, firmeza, propostas e perspectivas nas suas medidas, apoiando-se no multilateralismo, como declarou aos jornalistas estrangeiros. Após todas as manobras golpistas do FMI, antes do último desembolso dos 7,5 bilhões de dólares, querendo impor uma desvalorização de 60%, o governo só aceitou 20% e recorreu à ajuda dos yuans chineses, da CAF, no mesmo momento em que a Argentina era aceita no BRICS-11. Trata-se de um Massa que se sente seguro de dizer: pagamos, mas depois, “basta de FMI”. Não é casual que o candidato maioritário vencedor da frente opositora neoliberal, seja um desequilibrado como Milei (como Zelenski e Bolsonaro) com propostas de dolarização impossíveis, golpes cambiários inflacionários, levando o dólar paralelo a 1.000 pesos, inflação de 120, e capaz de desnortear e desintegrar seus próprios aliados do Juntos pela Mudança.

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Ao finalizar esta matéria, há uma situação pós-eleitoral onde a derrota de Juntos pela Mudança (JxC) se converte na sua desintegração. Constata-se que Macri e seus interesses financeiro-empresarias concentrados são os criadores do instrumento “Milei”. Logra empurrar Patrícia Bullrich à perda total da dignidade, vender todos os ataques ditos e recebidos de Milei, incluindo “ex-montonera, assassina de crianças!”, reforçar a bandeira do “acabar com o kirchnerismo!”, pisar no voto democrático do seu eleitor, e forçar a adesão ao Liberdade Avança. Em troca de quê? Poder, postos e ministérios? O que se comprova? Que Milei, Bullrich e Macri são parte do mesmo projeto neoliberal fascista. Já se diz: Juntos pela Mudança já era; agora é Juntos pelo Cargo. Mas, o eleitorado argentino não é estúpido. A “palhaçada” cruel terá um limite!

Milei é representante de uma época, onde o poder financeiro-militar-global acurralado, trata de sobreviver, via ações de ódio e violência, de guerra promovida por nazi-fascistas e sionistas como Netanyahu em Israel contra a Palestina. Mas, o povo argentino reagiu nestas eleições, demonstrou que tem memória e antenas ligadas com as manifestações pró-Palestina nos EUA, na Europa e dentro do próprio Israel, para que seus povos deixem de ser escudos de grandes negócios econômico-militares e gendarmes do mundo, como foram na guerra do Vietnã e do Iraque. Apesar de todo o apagão midiático frente ao genocídio contra o povo de Gaza; apesar do enaltecer do ódio e da discriminação social-religiosa, do desrespeito de Milei ao Papa Francisco e aos católicos argentinos, chamando a romper relações com o Vaticano, o povo argentino sinalizou um voto pela vida humana, pela paz e justiça social.

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