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As empresas transnacionais na economia brasileira: um tema esquecido, mas desimportante?

É possível afirmar que, hoje, a participação das transnacionais na economia brasileira está destituída de qualquer questionamento. As marcas de tais corporações consistem em verdadeiros ícones de consumo

É possível afirmar que, hoje, a participação das transnacionais na economia brasileira está destituída de qualquer questionamento. As marcas de tais corporações consistem em verdadeiros ícones de consumo (Foto: Roberto Bitencourt da Silva)
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Um antigo e espinhoso tema

Entre tantos assuntos colocados para escanteio na agenda pública brasileira está o papel das transnacionais na economia nacional. Com a honrosa exceção de Leonel Brizola, que se referia constantemente às "perdas internacionais", nas últimas décadas a discussão sobre as empresas transnacionais foi praticamente apagada do debate político. Em um mundo "globalizado", o assunto não tem mais importância? Isso é o que os vende-pátria e arautos do liberalismo econômico querem que o povo brasileiro pense.

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O Estatuto do Capital Estrangeiro – aprovado pelo Congresso Nacional em 1962 e regulamentado pelo presidente João Goulart, em janeiro de 1964 – foi um dos motivos principais para o golpe empresarial-militar de 1964. Estabelecia o limite anual de 10% do capital originalmente investido para a remessa de lucros às sedes das empresas. Excluía os reinvestimentos, por tratar-se de capital obtido no Brasil, por meio de lucros alcançados junto aos consumidores nacionais. Pretendia-se, com isso, limitar a sangria de lucros enviados para fora e criar um ambiente favorável à própria nacionalização das empresas. O capital estrangeiro conseguia muito mais recursos no país do que trazia. Assim, o velho jornal nacionalista "Última Hora" (01/12/1961, p.5), apoiando o Estatuto, interpretava o projeto como uma "proibição de vir assaltar o país". Para o conservador "Estado de S.Paulo", sempre adepto das facilidades ao capital estrangeiro, o Estatuto era "tipicamente totalitário" (12/12/1961, p.4). Poucos anos depois da sua destituição, Jango destacou a participação do governo dos EUA no movimento golpista, afirmando que "a lei que regulamentou a remessa de lucros de empresas estrangeiras 'causou grande perturbação ao governo'" ("Folha de S.Paulo", 02/04/2014).

No passado tratou-se de um tema espinhoso e acaloradamente debatido. Uma longa ditadura contribuiu para a atenuação do debate sobre o assunto nos círculos políticos e jornalísticos. A partir da década de 1990, com a adoção de medidas sintonizadas com a cartilha neoliberal, o Brasil praticamente enterrou o tema: "adaptar-se à ordem internacional", "não perder a vaga na modernidade", "superar o anacronismo de normas intervencionistas, nacionalistas e estatistas", eis algumas ideias usuais na imprensa e, um pouco menos, no sistema político brasileiro, após os anos 1990. As empresas transnacionais? Fontes de "progresso" e de "crescimento econômico" é o que se diz, principalmente no oligopólio midiático.

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Transnacionais e remessa de lucros em nossos dias

É possível afirmar que, hoje, a participação das transnacionais na economia brasileira está destituída de qualquer questionamento. As marcas de tais corporações consistem em verdadeiros ícones de consumo. Passaportes para a "cidadania" nacional e global. Difícil contestar a sua influência no cotidiano, de tão familiar o estado em que se encontram os produtos das transnacionais no dia a dia do/a brasileiro/a. Uma criança, por exemplo, tem na Johnson & Johnson, na Procter & Gamble e na Nestlé, três expressivas fontes de higiene e alimentação. Não é pouca coisa. Quando era criança, ouvia habitualmente um certo adágio popular: "Calma que o Brasil ainda é nosso!". O advérbio "ainda" já era nuança importante. Hoje, o adágio caiu em desuso na íntegra. Não é à toa.

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As transnacionais figuram, simplesmente, como um dos principais atores do poder mundial. Compõem o que o filósofo Antonio Negri classifica como "Império", isto é, possuem assento na cúpula da plutocracia global, ao lado dos governos das potências imperialistas e dos organismos multilaterais. De acordo com Carlos Eduardo Martins, essas corporações operam em regime oligopólico, com capacidade de produção e mobilização mundial de recursos tecnológicos próprios. De um lado, sufocam empresas limitadas a uma atuação nacional e, de outro, detém produtividade suficiente para definir preços e extrair lucros extraordinários de empresas revendedoras de menor porte e, sobretudo, dos consumidores (1).

O processo de desnacionalização da economia brasileira é significativo, com o crescimento da participação do capital estrangeiro no controle de empresas de múltiplos setores. Segundo dados do Banco Central, em 2012, 42,88% das indústrias estavam sob o controle de não-brasileiros (2). No tocante à remessa de lucros, conforme análise de Carlos Lopes, as filiais das corporações transnacionais enviaram às suas matrizes US$ 25,198 bilhões, em 2004. Revelando um salto de 238,40%, passaram a remeter US$ 85,271 bilhões, em 2011 (3). Se levarmos em conta os números apresentados por reportagem veiculada pela "RBS" sobre a BMW, recentemente instalada em Santa Catarina, podemos ter uma ideia do nível da espoliação operada por essas empresas. Não bastassem as isenções fiscais de ISS e de IPTU (por 15 anos!), a BMW pretende "investir, em cinco anos, 170 milhões de euros na fábrica de automóveis". A empresa "quer atingir, ao final de cinco anos, receita bruta total acumulada" de quase 5 bilhões de euros "com a venda de automóveis produzidos no local" (4). O descompasso entre os recursos externos a serem injetados na economia nacional e os lucros projetados é um acinte! Trata-se de uma repatriação de capital na velocidade da luz. Diga-se, ainda, uma empresa que atua no nicho de mercado de consumo suntuoso. O que o país ganha com isso? Quais os benefícios a médio e longo prazo? Mera expatriação de capitais, diriam os esquecidos e combativos nacionalistas Sérgio Magalhães (deputado federal pelo PTB/Rio, 1955/64) e Barbosa Lima Sobrinho (também deputado, pelo PSB/PE, 1959/63), que protagonizaram, na Câmara dos Deputados, a elaboração do Estatuto do Capital Estrangeiro, neutralizado pela ditadura instalada em 1964, que efetuou modificações na lei.

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Essas questões refletem problemas de natureza econômico-financeira para o país. Contudo, outro aspecto importante diz respeito às implicações sociais. Portadoras de domínio tecnológico, as transnacionais importam serviços, equipamentos e máquinas. Isso incide diretamente em desestímulos à educação básica brasileira. Como o sistema educacional não paira sobre as nuvens, correspondendo à formação de cidadãos capazes de resolver os problemas com os quais se depara uma sociedade, os parcos e seletivos investimentos educacionais no Brasil condizem com as baixas expectativas e necessidades do setor produtivo. Em boa medida, a capacidade criadora demandada à educação fica restrita e, parcialmente, ao ensino superior. Em particular, às humanidades, sob o influxo da cidadania, e a alguns setores da economia nacional – como petróleo, energia, construção civil e atividades agropecuárias –, demandantes, sobretudo, de engenheiros, veterinários e agrônomos. A capacidade de irradiação de estímulos pelo mercado de trabalho é tímida, por conta do controle oligopolizado da indústria, em especial da indústria de bens de consumo, pelas corporações transnacionais. Com uso intensivo de tecnologia forânea, aquelas absorvem pouca mão-de-obra. Um problema que afeta ao perfil do emprego gerado aos/às trabalhadores/as. Segundo o ex-presidente do Ipea, Marcio Pochman, nos últimos anos são principalmente oferecidos empregos de baixa qualificação profissional, especialmente no setor de serviços. Como seria de se esperar, empregos com salários baixos.

As transnacionais na eleição à Presidência

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Na presente competição eleitoral para a Presidência, o tema não tem sido abordado nos debates televisivos entre os/as candidatos/as convidados/as. No entanto, como se posicionam as candidaturas, em seus programas ou trajetórias políticas? No que compete a Aécio Neves (PSDB), integrante do partido do ex-presidente Fernando Henrique, é ocioso tecer maiores considerações. Dificilmente um governo foi tão complacente com as empresas transnacionais, quanto o do seu correligionário. A marca do governo tucano foi o entreguismo, como se diria no passado. Marina Silva (PSB), acompanhada por banqueiros e ex-tucanos, possui o mesmo perfil. Auto-explicativa é matéria publicada pela "Exame", afirmando que os investimentos estrangeiros podem ser maiores com a vitória eleitoral de uma ou de outro (5).

Quanto à Dilma Rousseff (PT), a presidente tem adotado uma política exterior não subserviente aos EUA, antenada principalmente com os países co-irmãos da América do Sul. Tem colocado como eixo programático a geração de emprego e rendimentos. Todavia, a questão das transnacionais é problemática ao longo dos anos de governo Lula/Dilma. Um fenômeno que guarda relação com as próprias origens do PT, que teve e tem no proletariado da região metropolitana de São Paulo uma das suas principais bases sociais. Aí, naturalmente, o capital estrangeiro tendia e tende a ser percebido como fonte de empregos, salários e oportunidades. A acolhida da BMW pelo governo Dilma não deixou de ilustrar tal percepção.

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As candidaturas da dita esquerda anticapitalista revelam, direta ou indiretamente, atenção ao problema. O programa de governo da candidata Luciana Genro (PSOL) frisa medidas como reestatizações e combate à especulação financeira. Rui Costa Pimenta (PCO) sinaliza para a estatização de monopólios empresariais, inclusive de propriedade estrangeira. Mas, são Mauro Iasi (PCB) e Zé Maria (PSTU) que põem em destaque, de maneira explícita, propostas que, para além das estatizações, indicam a necessidade de controle das remessas de lucros das corporações estrangeiras. Em entrevista que nos foi concedida há algumas semanas, sobre o assunto Iasi argumentou o seguinte: "Grande parte da riqueza produzida pelos trabalhadores aflui para as empresas transnacionais, que têm sede no centro capitalista. Isso ocorre por mecanismos legais, através da lei de remessa de lucros, e ilegais, tais como o superfaturamento das importações e subfaturamento das exportações. A pressão sobre os nossos salários e a precarização das condições de trabalho, para que o 'custo Brasil' caia continuamente (junto com nossa qualidade de vida), torna-se muito maior" (6).

Tem razão o candidato comunista. Por outro lado, não deixa de ser preocupante o fato de que apenas candidaturas de partidos pequenos de esquerda (somente o PSOL possui representação parlamentar na Câmara), e com raro espaço na mídia corporativa, abordem o controverso tema das transnacionais e das remessas de lucros. Anos a fio de ditadura militar, de neoliberalismo e de influência midiática na construção da agenda pública, em muito contribuíram para o esquecimento da problematização do assunto no debate político da nação. Por essas e tantas outras razões, a democratização da mídia é necessária no Brasil, de modo a permitir o pluralismo das vozes e a visibilidade de múltiplos temas. O historiador Nelson Werneck Sodré, em sua clássica obra "História da Imprensa no Brasil", afirmava há muitos anos que o capital estrangeiro, via publicidade, condicionava o pensamento veiculado pela imprensa. Nada poderia ser mais atual.

(1) MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo, Editora Boitempo, 2011.
(2) http://www.bcb.gov.br/Rex/CensoCE/port/treemap_ied/treemap.asp
(3) http://www.viomundo.com.br/denuncias/carlos-lopes-remessas-de-lucros-em-8-anos-foram-de-r-404-bilhoes.html
(4) http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/economia/ano-da-alemanha-no-brasil/noticia/2013/07/confira-quais-sao-as-garantias-da-cidade-de-araquari-a-bmw-4200760.html
(5) http://exame.abril.com.br/economia/noticias/investimento-deve-ser-maior-com-aecio-ou-marina
(6) http://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/entrevista-com-mauro-iasi-pcb-candidato-a-presidencia

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