CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Moisés Mendes avatar

Moisés Mendes

Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.

742 artigos

blog

As esquerdas choronas ainda têm fetiche pelos jornalões impressos

"Parem com a choradeira século 20 pela atenção de jornais que só ainda existem em papel pela força simbólica de muitos séculos de tradição. Os jornais impressos hoje são apenas isso: tradição. São tão relevantes quanto as carruagens", diz Moisés Mendes

(Foto: Reprodução)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A esquerda brasileira dedica-se ao desvendamento de um mistério desde a manhã do domingo: como a Folha de S. Paulo deu na manchete as manifestações de sábado contra Bolsonaro e como o Estadão não deu nada e o Globo deu uma chamadinha na capa?

A maioria dos jornais regionais fez o mesmo. A grande manifestação de rua dos últimos anos foi ignorada pelos jornais impressos.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Temos aí questões técnicas, decisões editoriais e escolhas políticas, quase tudo misturado. E temos também a choradeira crônica de uma certa esquerda que ainda supervaloriza jornais impressos tradicionais.

Ao mesmo tempo, essa esquerda (principalmente a institucionalizada e organizada em partidos, sindicatos, associações, coletivos) precisa fazer muito mais para ter e/ou fortalecer as alternativas de veículos progressistas e mesmo declaradamente de esquerda.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Primeiro, a questão técnica, que é a desculpa clássica dos jornais nesses casos. Edições de domingo de jornalões impressos são concluídas no sábado pela manhã, e não à noite, como acontece durante a semana.

Os jornais de domingo são impressos até no máximo o meio da tarde de sábado e circulam no próprio sábado. Qualquer leitor de jornal sabe que sempre foi assim.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A maioria das redações não teve como fazer não só uma boa cobertura, mas cobertura alguma, simplesmente porque os atos começaram em quase todas as cidades no meio da tarde.

A Folha se saiu bem porque adotou um truque manjado. Deixou para imprimir uma parte da edição depois de ter uma boa foto da Avenida Paulista para a capa e assim poder estampar a manchete meio torta:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

“Milhares saem às ruas

contra Bolsonaro pelo país”

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Uma manchete feita na pressa que poderia ter uma versão menos complicada:

“Milhares saem às ruas

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

do país contra Bolsonaro”

A manifestação está em duas páginas internas. Não é pouca coisa. A Folha pode ter impresso meia dúzia de exemplares, para poder dizer que teve uma versão da edição com a manchete da manifestação. O jornal se exibe com essa capa no seu site.

A edição impressa da Folha com a manchete foi um golaço contra Globo e Estadão, que poderiam ter feito o mesmo, e muito mais o Globo, que teve a vantagem (não usada) de a manifestação no Rio ter sido pela manhã.

As versões online da cobertura da manifestação de sábado de todos os jornalões foram e continuam sendo razoáveis, todos com fotos nas capas e textos informativos e análises.

Alguns leitores lembram nas redes sociais que a cobertura do desfile de motoqueiros com Bolsonaro num domingo no Rio teve foto de capa em quase todos os jornais.

Mas a notícia do desfile saiu, claro, nas edições impressas de segunda-feira, que são encerradas domingo à noite. Essa é a explicação técnica.

Agora, alguma coisa da questão política. Todos os grandes jornais são declaradamente inimigos de Bolsonaro e perseguidos pela extrema direita.

Nenhum deles trocaria as mulheres de esquerda, que foram às ruas de máscara no sábado, pelos motoqueiros de Bolsonaro, que gritavam, sem máscara, e despejavam perdigotos uns sobre os outros no Rio.

Não, os jornalões não têm maior simpatia pelos motoqueiros fascistas do que pelas jovens que desafiaram o medo da peste e ocuparam as ruas.

Os jornais não têm nenhum motivo que os leve a defender Bolsonaro. Não vamos inventar apoio da Globo a Bolsonaro numa hora dessas, porque não dá.

É fake news de péssima qualidade. O que a Globo quer é acabar com a família Bolsonaro. A Folha também deseja que seja já.

O que precisa acontecer é uma mudança na cabeça das esquerdas mais veteranas em relação à imprensa das corporações. As esquerdas precisam se livrar do fetiche do jornalão impresso.

A Folha, que chegou a tirar ao redor de 500 mil exemplares diários, a reboque da campanha das Diretas, nos anos 80, hoje imprime menos de 100 mil exemplares.

O mesmo acontece com Globo e Estadão, que não chegam a uma tiragem de 100 mil. Os jornais cobram transparência de todo mundo, mas não fazem questão de exibir dados sobre exemplares impressos.

Hoje, todos os textos corporativos que abordam circulação confundem o leitor com a definição genérica de audiência, que mistura o que não pode ser misturado: o jornal em papel, os assinantes online e até as visualizações nos sites.

O certo é que, em menos de 10 anos, os três jornalões perderam metade dos leitores nas versões impressas.

Por que então a esquerda continua cobrando que um modelo vencido, como negócio e como veículo de comunicação, ofereça destaque a notícias que considera jornalisticamente importantes? Porque assim as esquerdas fingem que estão atentas.

Não há suporte decidido das esquerdas organizadas a veículos que teimam em sobreviver como jornais que antes chamavam de alternativos.

Mas há cobrança de atenção à imprensa tradicional. É um dilema freudiano. As esquerdas ainda pedem a atenção da mãe Folha e do pai Globo.

É um desamparo que vem desde a ditadura. Mas a verdade é que não houve nem nos governos de esquerda do PT uma política de comunicação que fortalecesse o bom jornalismo fora das grandes redações, e não só alguns veículos.

Por isso as esquerdas ainda querem na capa de jornais envelhecidos uma notícia que os jornalões de domingo nem conseguem dar, e nunca conseguiram, porque o fato aconteceu no sábado à tarde.

As esquerdas precisam esquecer os jornalões impressos e até admitir que as corporações da grande imprensa fazem bom jornalismo hoje, porque foram atacados por Bolsonaro e precisam tirar proveito disso.

As esquerdas também precisam mostrar que sabem, mas com ações substantivas, que o melhor jornalismo é o que consegue seguir em frente livre dos interesses históricos da velha imprensa.

O jornalismo que as esquerdas desejam já está aí, é feito bravamente por veículos que ainda dependem de melhor suporte de sustentação econômica, e não só do apoio romântico e ocasional ou apenas colaborativo.

Esqueçam Folha, Globo e Estadão em papel e transferiam suas demandas, cobranças e apoios para jornais progressistas e independentes em relação ao poder econômico.

Parem com a choradeira século 20 pela atenção de jornais que só ainda existem em papel pela força simbólica de muitos séculos de tradição. Os jornais impressos hoje são apenas isso: tradição. São tão relevantes quanto as carruagens.

Inscreva-se no canal de cortes da TV 247 e saiba mais:

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247,apoie por Pix,inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO