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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

218 artigos

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As esquerdas encurraladas

"Há uma evidente incapacidade de as esquerdas se pensarem a si mesmas, de desenvolverem uma crítica acerca de si mesmas, de suas trajetórias, de suas derrotas e de suas estratégias", escreve o cientista político Aldo Fornazieri. "Essa perda de capacidade crítica e autocrítica está jogando as esquerdas para fora do jogo político do poder, fazendo-as perder a própria noção de rumo e de sentido de sua ação política"

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As esquerdas estão encurraladas. Encurraladas por si mesmas e encurraladas por Bolsonaro. Há uma evidente incapacidade de as esquerdas se pensarem a si mesmas, de desenvolverem uma crítica acerca de si mesmas, de suas trajetórias, de suas derrotas e de suas estratégias. Essa perda de capacidade crítica e autocrítica está jogando as esquerdas para fora do jogo político do poder, fazendo-as perder a própria noção de rumo e de sentido de sua ação política. Ou seja, as esquerdas perderam a própria noção de estratégia. Esta aversão à crítica gerou militantes com pendores fascistóides que, diante de qualquer crítica, ao invés de debater o conteúdo, partem para a agressão. São bolsonaristas de sinal invertido. 

Os partidos em geral, incluindo os de esquerda, são sustentados pelo dinheiro público, pelo dinheiro do contribuinte. Portanto, devem ser submetidos à crítica pública e ao debate público de suas propostas, de suas ações e atitudes. Na era das redes socais, o arcaísmo das esquerdas as faz acreditarem que podem resolver os seus problemas, as suas políticas, as suas táticas e as suas estratégias no segredo de suas catacumbas burocráticas. Essa misantropia política afastou os partidos das bases sociais e da juventude e quando eles se aproximam da sociedade o interesse é quase que exclusivamente eleitoral. Resultou que os partidos de esquerda se tornaram partidos de gabinetes.

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Incapazes de olhar para si mesmas, as esquerdas estão encurraladas por Bolsonaro. Com o passar dos dias do governo Bolsonaro, as esquerdas e o bolsonarismo vão desenvolvendo um mútuo desejo mimético: o que um quer o outro quer. Bolsonaro quer destruir as esquerdas, as esquerdas querem destruir Bolsonaro; Bolsonaro tem e quer mais poder, as esquerdas querem o poder de Bolsonaro; Bolsonaro odeia as esquerdas, as esquerdas odeiam Bolsonaro; Bolsonaro tem se mostrado corajoso no governo em atacar seus inimigos, as esquerdas gostariam que, quanto no poder, os seus governantes tivessem a coragem de Bolsonaro para atacar os inimigos; Bolsonaro despreza o povo e o vê apenas do ponto de vista do seu interesse pelo poder; as esquerdas culpam o povo por ter elegido Bolsonaro. 

Nessa escalada de mútua fixação, de ódio mútuo, Bolsonaro perdeu a capacidade de governar e de pensar o seu governo e as esquerdas perderam sua capacidade de pensar a si mesmas, sua crise, suas estratégias e seus rumos. O que não falta são ataques de Bolsonaro às esquerdas e os ataques das esquerdas a Bolsonaro. Bolsonaro ocupou, povoou e dominou o pensamento das esquerdas e as atormenta todo dia, toda hora, todo minuto. 

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Os ataques das esquerdas a Bolsonaro, contudo, são inconsequentes, virtuais, impotentes, ilusórios. Os partidos de esquerda foram incapazes de promover qualquer ato contra a fúria destrutiva do governo Bolsonaro. No máximo, são caudatários das poucas mobilizações de movimentos sociais, a exemplo da luta pela educação. Os movimentos sociais, fragmentados e sem uma direção universalizante dos partidos, não são capazes de gerar potência. O terceiro tsunami da educação, ao menos em São Paulo, foi uma marolinha, para usar uma tirada do Lula.  

As esquerdas não serão capazes de enfrentar a direita e Bolsonaro de forma consequente e eficaz se não se repensarem a si mesmas, se não repensarem suas estratégias, seus dilemas, seus desafios. Para isto é preciso abrir um amplo debate público e dialogar com a juventude, com as periferias, com os trabalhadores, com as mulheres, com os negros, com as classes médias. As esquerdas estão inseridas em duas crises: uma crise internacional, com o seu recuo e com a ascensão da extrema-direita; e uma crise no Brasil, com as sucessivas derrotas e com a incapacidade de enfrentar o governo Bolsonaro. 

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Ao se tornarem coadjuvantes dos partidos de centro liberal, os partidos de centro-esquerda colapsaram, com o esvaziamento do conteúdo democrático das instituições, com a crise dos sistemas políticos. Não foram capazes de oferecer saídas para as mazelas da globalização e para o aumento da desigualdade e da pobreza. Não foram capazes de dar outra perspectiva ao Estado-nação, assentada na justiça, na maior igualdade, na garantia de direitos e na democracia participativa. É nesse vácuo provocado pelo colapsamento dos sistemas políticos e pelo fracasso do centro e das esquerdas que cresce a extrema-direita, com seu discurso nacionalista e conservador. As esquerdas sofrem uma crise de oferta de políticas e programas eficazes para enfrentar os problemas das democracias e as carências das sociedades.

No enfrentamento do governo Bolsonaro, os partidos de esquerda propuseram a formação de uma frente democrática que não funciona e de uma frente antifascista que ninguém nunca viu. O PT lançou um programa emergencial de geração de emprego e renda de forma quase clandestina. Quer gerar 7,5 milhões de empregos. Mas qual a capacidade que o partido tem para gerar esses empregos?  São estratégias equivocadas, pois não é disso que se trata. O que se trata é de formar redes e frentes aglutinando partidos, movimentos, entidades e organizações a partir das lutas e dos temas concretos como o desemprego, a educação, a destruição da Amazônia, a Saúde, a habitação etc. 

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O que se trata é de formar redes e frentes concêntricas e flexíveis de lutas, com o protagonismo de várias lideranças e organizações. Mas na sua vaidade, na sua arrogância e no seu egoísmo, os dirigentes partidários não são capazes de estabelecer uma eficaz distribuição de tarefas e de responsabilidades entre líderes, partidos, movimentos e organizações.

Bolsonaro opera sobre o colapso do sistema político-partidário e institucional que emergiu da crise do governo Dilma, do golpe-impeachment e do fracasso do governo Temer. Ele aprofunda, de forma deliberada, esse colapso, esvaziando e destruindo instituições e intervindo e dominando os mecanismos de controle, fiscalização e investigação. A sua meta é aprofundar o esvaziamento da vontade política e a descrença nas instituições. Sua forma de exercer o governo consiste em viabilizar mecanismos autoritários e estabelecer uma hegemonia a partir de valores conservadores e religiosos. 

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As esquerdas deveriam estabelecer uma contra-estratégia recuperando a capacidade de articulação e de organização da sociedade civil, dos movimentos sociais, do campo progressista e dos partidos políticos a partir das lutas concretas. Trata-se de recuperar o sentido das lutas coletivas e de unidade nas lutas, recriando vontades políticas e crenças de que somente através de mobilizações e lutas se podem obter conquistas.  

As esquerdas precisam recriar o trabalho de base nas periferias – campo abandonado para o conservadorismo religioso. Mas este trabalho precisa ser desenvolvido com atividade, energia, disciplina, agregação e propostas, pois o discurso de esquerda não encontra a simpatia natural dos pobres e dos trabalhadores. É o discurso conservador que toca mais naturalmente os sentimentos das pessoas, pois as sociedades são conservadoras. Por isto, as esquerdas precisam rever as suas formas de se comunicar e de agir. Precisam rever os seus discursos para convencer, sabendo que no Brasil se trata de uma sociedade fragmentada, dilacerada pela violência, pela desigualdade, pela pobreza. Não será com uma retórica marxista, ultrapassada, dirigida a trabalhadores de uma sociedade industrial que sequer existe que as esquerdas irão recuperar o terreno perdido para a direita e para o conservadorismo.

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