As lágrimas de Toffoli e o silêncio dos que revelaram a farsa da Lava Jato
Ministro é homenageado pelos 16 anos no STF, mas permanece sem reconhecer os policiais que desmascararam ilegalidades da operação em Curitiba
O ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), chorou na sessão desta quinta-feira (23/10), ao ser homenageado pelo colega Edson Fachin pelos 16 anos de sua posse na Corte. O gesto humano e raro num tribunal acostumado à solenidade fria foi lido por muitos como um momento de emoção genuína — talvez um alívio após anos turbulentos de ataques, decisões controversas e reconciliações políticas.
Mas as lágrimas de Toffoli também evocam uma história mais complexa — uma trajetória marcada por acertos de grande impacto, equívocos constrangedores e, sobretudo, omissões que ainda ecoam nas sombras da Lava Jato.
Como ministro, Toffoli foi decisivo ao reconhecer as ilegalidades cometidas no curso da operação que, durante anos, ditou o ritmo da política e da Justiça no país. Suas decisões recentes, ao anular atos e processos baseados em provas obtidas de forma irregular, contribuíram para desmontar o edifício jurídico erguido sobre abusos e conluios. Essa guinada é vista, por muitos, como a reescrita tardia da história.
Contudo, o próprio Toffoli nunca reconheceu publicamente o papel de dois personagens centrais na revelação dessas ilegalidades: o delegado Mário Renato Castanheiro Fanton e o agente Dalmey Werlang. Foram eles — e não ministros togados, procuradores arrependidos ou jornalistas investigativos — que expuseram o cerne da farsa.
Em 2014, Werlang revelou ter instalado uma escuta na cela da Polícia Federal onde estavam presos Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. Acreditava agir sob ordem legítima, mas descobriu depois que não havia autorização judicial. Segundo seu relato, a ordem partira de um dos chefes da Lava Jato, o delegado Igor Romário de Paula.
O caso caiu nas mãos de Fanton — convocado justamente por Igor para “investigar dissidentes” da operação, entre eles os delegados Rivaldo Venâncio e José Alberto de Freitas Iegas. A expectativa dos chefes da força-tarefa era que Fanton confirmasse suspeitas contra os colegas. Ele fez o oposto: apurou a verdade, enfrentou a máquina interna da PF e revelou a ilegalidade da escuta.
O preço foi alto. Fanton e Dalmey foram perseguidos administrativamente, passaram por crises psicológicas e ainda hoje, dez anos depois, respondem a um Processo Administrativo Disciplinar que pode resultar em demissão. Mesmo sob o governo Lula — o maior prejudicado pela Lava Jato —, o PAD segue aberto, como uma espada sobre suas cabeças.
A esposa de Fanton, a advogada Elioena Fanton, entregou representações à Superintendência da PF no Paraná e à Direção-Geral em Brasília. Nenhuma providência. Nenhum reconhecimento. Nenhuma homenagem.
Enquanto isso, Toffoli, que agora chora na Corte, jamais citou Fanton ou Dalmey nas decisões que anularam os atos da Lava Jato. Seus votos mencionam princípios, ilegalidades e garantias constitucionais — mas não os nomes daqueles que, dentro da estrutura do Estado, tiveram a coragem de expor o abismo moral da operação.
Fanton e Dalmey são acusados de vazar informações sigilosas, ao prestarem depoimento, na CPI da Petrobras, em 2014, e revelarem o caso da escuta clandestina. Há crime ou delito administrativo? Não.
Mesmo assim, quando provocado judicialmente, Toffoli negou habeas corpus a Fanton, Na justificativa, o ministro entendeu que o caminho deveria ser outro, o de mandado de segurança.
Toffoli já errou. Errou, por exemplo, quando negou a Lula o direito de se despedir do irmão Vavá, morto em 2019, sugerindo que o velório fosse realizado em uma instalação militar. Lula não esquece. Também se deixou levar pela vaidade, como quando escreveu a interlocutores, em mensagem privada revelada pelo jornalista Lauro Jardim, que “salvou a República” ao dialogar com Jair Bolsonaro e a cúpula militar durante uma crise institucional.
Mas é justo reconhecer que teve coragem ao pautar, em 2019, o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a presunção de inocência — decisão que permitiu a libertação de Lula. Sua antecessora, Cármen Lúcia, havia se recusado a fazê-lo, apesar da pressão de colegas como Marco Aurélio Mello.
Também demonstrou coragem e compromisso com a Constituição ao avocar os casos de Tony Garcia e Rodrigo Tacla Duran, também perseguidos pelos agentes públicos que, na prática, eram chefiados por Sergio Moro, um juiz com projeto político que hoje é nítido.
Ainda assim, o contraste é inevitável: enquanto Toffoli é homenageado e aplaudido, Fanton e Dalmey vivem silenciados, exilados dentro da própria instituição que juraram servir. O primeiro foi aposentado por danos psiquiátricos decorrentes da perseguição e venceu duas ações por danos morais. O segundo, também aposentado, precisou de tratamento psicológico.
Nenhum dos dois chorou em público. Nenhum discursou. Nenhum recebeu homenagens.
As lágrimas de Toffoli podem revelar o alívio de quem sobreviveu às marés políticas. Mas se há algo que a história de Fanton e Dalmey nos ensinam é que fazer a coisa certa continua sendo um ato de coragem sem garantias.
Fanton e Dalmey já pagaram o preço. Os que se beneficiaram de sua coragem ainda não.Se permanecem em silêncio, resta perguntar: têm medo de quê?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




