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Fernando Capotondo

Jornalista argentino. Chefe de redação da revista Contraeditorial e diretor do site cultural Llibres

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As mulheres chinesas sustentam "a outra metade do céu"

Quase 700 milhões conquistaram condições dignas de vida, têm em média quase 10 anos de escolaridade e representam mais de 40% da força de trabalho do país

Agricultoras chinesas (Foto: Xinhua)

Por Fernando Capotondo

Para as organizações feministas e movimentos de mulheres, a simples menção a “Pequim” ativa uma memória que vai além da referência natural à capital chinesa: remete à IV Conferência Mundial sobre a Mulher e à Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995, que estabeleceram as bases da agenda global pela igualdade de gênero e pelo empoderamento feminino. Naquele momento, mais de 30 mil representantes de 189 países e regiões debateram minuciosamente centenas de leis, documentos e reivindicações políticas. Hoje, esse legado volta ao centro do debate não apenas pelos marcos históricos que costumam acompanhar os aniversários, mas também pela recente confirmação do embaixador da China na Argentina, Wang Wei, da realização de uma nova cúpula internacional (Beijing+30), que ocorrerá ainda este ano, com foco em desenvolvimento, segurança, governança global e intercâmbio entre civilizações.

Não surpreende que o movimento de mulheres tenha recebido com entusiasmo esse gesto do governo chinês. Afinal, se a Conferência de Pequim foi considerada o encontro internacional mais influente sobre os direitos das mulheres — resultando, desde então, em 1.531 leis aprovadas em diferentes países —, a reedição desse espaço convida a atualizar o debate sobre o quanto daquela agenda original foi mantido, quais retrocessos foram promovidos por governos de direita e quais são os novos desafios e lutas que hoje se somam a esse caminho ainda árduo.

“Enfrentamos o ressurgimento do unilateralismo e da política de força, com guerras tarifárias e conflitos comerciais que estouram sucessivamente. As conquistas no desenvolvimento das mulheres correm o risco de se verem corroídas: mais de 600 milhões estão envolvidas em conflitos e guerras, 2 bilhões carecem de segurança social e quase 10% vivem em condições de pobreza extrema”, alertou o embaixador Wang Wei em um seminário realizado nesta semana na Legislatura da Cidade de Buenos Aires, com a presença de algumas participantes da histórica cúpula de Pequim.

“Nos últimos 30 anos – afirmou o diplomata – a China liderou o desenvolvimento das mulheres em nível mundial, por meio de ações concretas e contribuindo para a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade.” Como exemplo, destacou que quase 700 milhões de mulheres no país asiático alcançaram condições dignas de vida, no contexto da erradicação da pobreza extrema em 2020, uma década antes da meta fixada pela ONU.

Segundo ele, as mulheres chinesas alcançaram em média 9,6 anos de escolaridade, e políticas como o Programa Brotos da Primavera permitiram que mais de 4,2 milhões de meninas de setores mais pobres tivessem acesso à educação.

Na saúde, a expectativa de vida feminina passou de 70 para 81 anos em três décadas, enquanto cerca de 9 milhões de mulheres em situação de vulnerabilidade receberam diferentes formas de apoio e subsídios estatais. No primeiro semestre de 2025, 253 milhões de mulheres tiveram cobertura de seguro-maternidade, com fundos acumulados que ultrapassam US$ 61 bilhões, segundo a Administração Nacional de Segurança Médica da China.

Na chamada economia digital, 55% das novas empresas de internet foram fundadas por mulheres empreendedoras e, até o final de 2024, mais de 23 milhões de empresas privadas contavam com mulheres entre suas principais investidoras (mais de 40%).

Na comunidade científica, elas representam 45,8% do total de pesquisadores, com destaque para Wang Xiaoyun, recentemente escolhida para o prestigioso Prêmio L’Oréal-UNESCO para Mulheres na Ciência 2025.

A outra metade do céu

Nesse contexto, a China parece ter exemplos suficientes de avanços alcançados com suas cerca de 695,21 milhões de mulheres (49,09% da população total) para responder até mesmo às críticas recorrentes do Ocidente sobre a necessidade de mais mulheres em cargos-chave de governo, as pressões das políticas de natalidade e a falta de resultados diante da violência de gênero.

A expectativa é de que o país aproveite o palco global da nova Reunião de Líderes Mundiais sobre Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres (Beijing+30), prevista para o segundo semestre de 2025 (em data ainda a ser confirmada). O anúncio já havia sido feito em março pelo chanceler Wang Yi e foi reiterado nesta semana pelo embaixador Wang Wei.

Fontes da Comissão Nacional da Mulher da República Popular da China (ACWF, na sigla em inglês) explicaram que a organização do megaevento já começou, com seminários como o realizado em Buenos Aires e iniciativas oficiais como a do Instituto de História e Literatura do Comitê Central do PCCh, que está compilando e traduzindo para o inglês os discursos do presidente Xi Jinping sobre mulheres e federações femininas.

Em um desses discursos, de 2020, Xi destacou a força da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, além de ressaltar “a inclusão da igualdade de gênero e do empoderamento das mulheres como objetivos centrais da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (fonte: CSIS).

“A igualdade entre homens e mulheres é uma política fundamental na China. Estabelecemos um sistema legal com mais de 100 leis e regulamentos para proteger plenamente os direitos e interesses das mulheres. De fato, a Organização Mundial da Saúde reconhece a China como um dos 10 países com maiores avanços na saúde de mulheres e crianças. No país, a desigualdade de gênero na educação obrigatória foi amplamente reduzida. As mulheres representam mais de 40% da força de trabalho nacional, e mais da metade das startups de internet são criadas por elas”, afirmou Xi.

“As mulheres sustentam a metade do céu” é uma frase conhecida de Mao Zedong, dos tempos da Revolução Cultural, que Xi Jinping repete em quase todos os seus discursos e documentos sobre igualdade de gênero. Como outras máximas do Grande Timoneiro, a expressão ultrapassou a solenidade das citações históricas para se transformar em um verdadeiro slogan de camiseta em um país que, a julgar pelos números das últimas três décadas, parece disposto a reforçar a aposta iniciada na histórica cúpula de Pequim.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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